PRIMEIRO DIA DE BABÁ
Eu aceitei o contrato, concordei em morar na casa e trabalhar de segunda a sábado.
—Mas, ao olhar para os três — três crianças lindas, inteligentes, sapecas, traumatizadas e cobertas de tinta até nas orelhas — uma pergunta ecoou dentro de mim: — Como eu, Brenda Lemos Maia, vou conseguir ser babá de três anjinhos que… não são exatamente anjinhos?
— Respirei fundo e disse a mim mesma: — Vai, Brenda, você consegue, se Deus te trouxe até aqui, é porque você é capaz.
— Bati palmas suavemente: — Certo, crianças… vamos conversar. — Eles pararam imediatamente, os três virando para mim ao mesmo tempo, como um trio sincronizado, igual a passarinhos que escutam um barulho novo.
— Vocês pegaram a tinta de vocês e deram um banho na babá, não foi? — Siiim! — eles responderam, muito felizes para quem acabava de cometer uma tentativa de homicídio por pintura.
— Ok… — respirei fundo. — Vocês gostam de tinta, não é?
E gostam de pintura, vou contar um segredo: a arte não precisa ser usada para atacar pessoas, certo?
— Meredith levantou a sobrancelha como se discordasse, mas permaneceu em silêncio.
— Então vamos fazer assim: pegamos os kits de pintura de vocês, e lá no jardim eu quero ver a obra-prima que vocês conseguem criar inspirados na natureza.
Pode ser? Eles se olharam, e Mark sorriu primeiro, Michael assentiu, empolgado e a Meredith colocou a mãozinha na cintura, pensou e decretou: — Pode, vamos buscar nossos estojos pronto.
Eu tinha o “sim” do general, Meredith e o resto seguiria meu instinto.
E assim fomos, como pequenos exploradores em uma jornada artística.
— No jardim, o sol beijava as flores e fazia os cabelos dos trigêmeos brilharem, quase como se o próprio céu estivesse torcendo por nós.
— O ar estava impregnado com o aroma fresco da grama e o canto distante dos pássaros, criando a trilha sonora perfeita para a nossa aventura.
Eles se acomodaram nos banquinhos, sacudiram os pincéis, escolheram as cores e começaram a pintar com fervor, cada um mergulhando na sua visão peculiar do mundo.
Meredith pintou uma flor azul — e ficou claro que azul era sua cor favorita, talvez uma metáfora para seu próprio desejo de serenidade.
Mark, com sua abordagem livre e despretensiosa, pintou uma flor amarela… torta, toda esquisita, mas era a coisa mais fofa do mundo, representando a beleza da imperfeição.
Michael, por sua vez, pintou… bom… dizia que era um carro. — Parecia mais um alienígena atropelado por uma betoneira, mas era o carro dele, e sua convicção transparecia em cada pincelada.
Eles discutiam entre si, ensaiando o primeiro ato de uma peça de teatro caótica que só eles poderiam compreender: — É uma flor!
— É o papai!
— É um carro!
— Não é!
— É SIM! Eu ali, tentando não rir, observando aquele caos criativo e a energia pura que emanava deles, como faíscas elétricas de alegria inocente.
Quando terminaram, vieram correndo me mostrar os papéis, como se tivessem descoberto tesouros inestimáveis.
—E foi então que eu percebi, no meio das pinturas tortas, coloridas e confusas, havia um desenho que os três tinham feito juntos.
— Eram cinco figuras: — um homem bem alto, uma mulher sorrindo, três crianças de mãos dadas — e uma figura separada, de pé, à distância.
Eu me agachei, sentindo um frio na barriga ao me aproximar daquele universo que eles haviam criado.
— Quem é esse homem alto? — Papai! — Michael respondeu, orgulhoso, como se estivesse revelando a mais grandiosa das verdades. — E essa mulher aqui? — Mamãe — Meredith respondeu baixinho, mas com um sorriso triste, como se as cores vibrantes de sua palete não fossem suficientes para cobrir um vazio, uma saudade que ainda machucava.
— Meu coração apertou ao perceber a complexidade de seus pequenos corações.
Apontei para os três pequenos de mãos dadas: — E esses são vocês… certo? Eles concordaram com a cabeça, felizes, imersos na inocência de sua criação.
— Então, toquei a quarta pessoa, a que estava longe, a que não estava de mãos dadas com ninguém.
— E essa… quem é? Eles se olharam, Mark empurrou Michael com o ombro, como se fosse hora de resolver um mistério.
— Michael olhou para Meredith, que, mesmo pequena, parecia carregar o peso de uma sabedoria incomum.
Meredith respirou fundo, ergueu o rosto e respondeu como se estivesse revelando uma verdade óbvia: — Você. Eu fiquei paralisada, absorvendo aquele momento.
— Eu? — É — Meredith repetiu, sua voz firme e clara, como se estivesse desenhando mais uma camada da verdade.
— Você está aqui, mas ainda está longe. Mas você vai chegar perto, porque a gente quer você aqui.
Michael segurou minha mão, seu gesto inocente e cheio de esperança, e Mark encostou a cabeça na minha perna, como um pequeno escudo emocional.
— E naquele momento, no jardim dos Callahan, rodeada de flores, pincéis e desenhos tortos…
Eu senti meu coração se mover de uma forma que eu não esperava, como se as barreiras que eu tinha colocado ao meu redor fossem dissolvidas pela pureza do desejo deles por conexão.
— Eu estava entrando na vida deles, e eles… já tinham me incluído no desenho da família, me permitindo ser mais do que apenas uma babá, mas uma parte de suas vidas, um novo capítulo na história que ainda estava por ser escrita.