O PRIMEIRO DIA DO FURACÃO

Vocês já imaginaram ir substituir sua mãe num trabalho simples de faxina… e dar de cara com o fim do mundo em forma de três crianças loiras, de olhos verdes e sorrisos perigosos?

Pois é.

Bem-vinda ao meu primeiro dia na casa dos Callahan.

Quando botei o pé naquela varanda enorme, ainda pensando em quantas horas levaria para fazer a faxina geral, eu não imaginava — nem em pesadelo — a cena que encontrei.

Uma mulher saiu disparada pela porta da mansão carregando uma mala, toda suja de tinta da cabeça aos pés, e berrando:

— NEM POR UM MILHÃO DE DÓLARES EU FICO NESSA CASA!

Eu congelei.

Juro, não sabia dizer se estava diante de uma tragédia, de uma comédia… ou de um furacão versão tripla que tinha acabado de passar.

A governanta, dona Laura — que minha mãe já tinha avisado que eu viria substituir nas faxinas daquela semana — corria atrás da mulher, desesperada:

— Beatriz, por favor! Tenha paciência! O Dr. Callahan vai lhe pagar o triplo!

— TRIPLO?! — a mulher rodou nos saltos, furiosa. — Eu não fico aqui nem por DEZ vezes isso! Esses três… esses três… DEMÔNIOS! PESTES!

Eu pisquei.

“Demônios”, porque chamar crianças de demônios?

—E foi aí que eu vi.

No corredor atrás dela, parados, lado a lado, três anjinhos loirinhos, do jeito mais fofo que Deus já fez…

—Mas com uma carinha de sapeca que não enganava ninguém.

A menina — uma bonequinha de cachinhos dourados — tinha o queixo levantado como uma general vitoriosa.

E os dois meninos… ah, eles eram lindos demais.

Lindos e perigosos.

Porque criança com sorriso de santo é sempre a que apronta mais.

Mas enfim, eu fiquei calada, claro. Eu só tinha vindo fazer faxina.

Foi quando a empregada da cozinha apareceu dizendo:

— Dona Laura, a Brenda, filha da dona Maria, chegou para começar a ajudar na faxina geral da semana.

Laura passou a mão no cabelo, esgotada.

— Eu não tenho nem cabeça para receber essa menina agora… Vou ter que ensinar tudo a ela, mostrar a casa inteira… e ainda lidar com isso — ela apontou para onde a babá fujona desaparecia pelo jardim — e com as crianças sem babá. Quando o Sr. Callahan chegar, vai dizer que eu não sei administrar a casa!

Eu respirei fundo e me aproximei.

—Por que ela chamou eles de demônios? — perguntei baixinho. — Olha para essas crianças… eles são tão lindos… parecem três anjinhos…

Laura quase engasgou.

Mas eu continuei, porque meu coração não me deixava ficar quieta:

— Talvez seja a forma como ela tratou eles, não é, crianças?

— Aquela mulher má… ela não conversava com vocês? Hein? O que ela fez? Conta pra tia Brenda…

A governanta arregalou os olhos.

— Você quer… se aproximar deles? pergunta a dona Laura.

— Posso, a senhora não se importa? — perguntei.

— Se eles permitirem, você chegar perto....

Eu mal terminei de ouvir quando os três sairam correndo em minha direção.

Eles me abraçaram com tanta força que me derrubaram no chão.

E eu comecei a rir, porque era impossível não rir com aquilo.

— Conta pra mim, meus amores… — eu pedi. — O que foi que ela fez?

A menina enfiou o rostinho no meu pescoço e sussurrou:

— Ela disse que a gente não tinha mamãe… que a mamãe tinha ido embora porque não gostava da gente…

Meu peito ficou gelado.

um dos meninos completou: — A mamãe tá no céu…

E o outro cruzou os bracinhos: — Ela disse que a mamãe abandonou a gente, a mamãe NÃO abandonou agente, ela foi pro ceu!

Eu senti o coração quebrar no meio.

— E aí… a gente jogou tinta nela. — Menina confessou, orgulhosa. — E o Michael e o Mike jogaram também.

Os dois levantaram as mãos como quem assume um crime com honra.

Eu respirei fundo.

— Ah, meus anjinhos… ela não podia ter dito isso para vocês, foi muito cruel.

Eles afirmaram com a cabeça, sérios.

— Mas vocês não deviam ter jogado tinta, né? — tentei explicar. — Podiam ter esperado o papai chegar para contar…

Os três gritaram ao mesmo tempo:

— NÃO PODIA NÃO! ELA FALOU MAL DE NOSSA MAMÃE...

E aí… eu entendi.

Eu estava diante de três crianças lindas, fofas… e especialistas em vingança imediata.

O que eu não sabia — ainda — era que aquele momento mudaria minha vida inteira.