Peter
Logan e eu passamos a semana inteira sem trocar uma palavra. Nenhum olhar, nenhuma provocação, nada. Cheguei a pensar em pedir desculpas, mas toda vez que essa ideia surgia, eu lembrava de todas as vezes em que ele tinha sido grosso comigo sem motivo, como se a minha simples presença já fosse um incômodo. Então engoli o orgulho. Ou talvez tivesse engolido o arrependimento. Ou seja lá o que fosse aquilo. Logan parecia tão fechado quanto sempre, mas havia algo diferente nos olhos dele. Um peso. Cansaço, talvez culpa. Difícil saber. Ele era como uma fortaleza de muros altos demais, cheio de problemas mal resolvidos com o próprio pai, incapaz de simplesmente dizer “foi mal”. Enquanto isso, Liam insistia para a gente se ver. Eu queria, mas tinha medo de que ele enxergasse algo em mim que nem eu mesmo entendia ainda. Não queria que ele carregasse os meus problemas, mas também não tinha coragem de sumir. Então entrei na videochamada sem pensar muito. Ele atendeu com cara de sono, o quarto uma bagunça ao fundo. "Até que enfim, estrela de Hollywood", ele disse, ajeitando os fones. "Já achei que você tinha me trocado por algum influencer da Califórnia." "E se eu tivesse?" "Te bloqueava por traição." Ele riu. "Fala aí, o que tá rolando?" Demorei para responder. A tela piscava, mas acho que era só a minha cabeça tentando inventar uma desculpa que não entregasse tudo. "Logan", falei por fim. "O novo irmão postiço?" "Ele é insuportável. Do tipo que só de respirar já muda o clima do ambiente. Eu sinto que vou surtar só de ouvir a voz dele. Ele me trata como se fosse uma obrigação, mas aí do nada aparece na cozinha, pega um pano de prato e age como se fosse normal. Eu não sei se quero socar ele ou..." "...ou?" "Ou socar ele mais forte ainda." Liam estreitou os olhos. "Tá. Estranho. Mas a gente volta nisso depois. Fez algum amigo pelo menos?" "Uma pessoa. A Lina." "Hm." "Ela é legal. Meio doida. Se meteu numa briga no primeiro dia e agora é tipo minha melhor amiga." "Uma doida que virou tua melhor amiga em uma semana? Uau. A Califórnia acelera tudo, né?" "Não começa." "Não tô começando. Só... tô aqui sozinho, né? Você aí com seus cafés chiques e amigas radicais. Eu preso no mesmo lanche frio da cantina." "A gente ainda é amigo, Liam." "Eu sei." Ele sorriu, mas não chegou nos olhos. "Tô só sendo chato. É saudade." "Também tô com saudade." A ligação caiu segundos depois, como se até o universo tivesse ficado sem graça. Fiquei encarando a tela preta, sentindo falta da vida de antes, mas sem vontade de voltar. Só queria entender por que Logan me afetava tanto. Talvez conversar com a Lina fosse o único jeito de não explodir. Fui ao gastro bar. Logo que entrei, vi um piano decorando o salão e pensei em música ao vivo. Antes que pudesse perguntar, Lina chegou acenando, com aquele sorriso torto de sempre. "Nossa, parece que não te vejo há semanas", ela disse, me puxando para um abraço. "Nem parece que a gente se conhece há só uma semana", respondi, rindo. Era bizarro como nossa amizade parecia antiga. "Então... o que aconteceu?" "Basicamente, meus pais encontraram minhas conversas com a Anne." Meu cérebro travou. "Espera. Anne? A menina que você socou?" "Exatamente. A própria." Ela batucava os dedos na mesa, nervosa. "E o que tinha nessas mensagens? Você não ameaçou ela, né?" Ela riu tanto que quase caiu da cadeira. "Vou te mostrar. Senão você não acredita." Ela me passou o celular. Conforme eu lia, minha cabeça girava. Corações, apelidos, declarações, fotos íntimas... tudo ali. "Eu nunca ia adivinhar esse plot twist. Mas se vocês se gostavam, por que você bateu nela?" "Todo ano ela faz aquela festa que até a diretoria sabe. Nunca tínhamos trocado mais que um oi, mas nesse dia ela me puxou pro banheiro e me beijou. Tava bêbada, claro. Mas depois disso a gente começou a ficar. Em todo canto. Só que ela nunca quis que ninguém soubesse. Você entende, né? Menina popular, família certinha, imagem perfeita..." "Meu Deus. Que história." Tomei um gole do café, o celular vibrou no bolso, mas ignorei. "E não parou por aí", ela continuou. "Depois de meses ficando comigo, ela ainda me humilhava na frente dos outros. E eu, como uma idiota apaixonada, aceitava. Até que um dia ela passou do limite. Eu tava passando perto do grupinho dela, começaram a fazer piada, aquelas de sempre. Mas dessa vez foi sobre meu irmão. E eu não admito isso. Olhei pra ela... e ela tava rindo. Rindo como se nada tivesse acontecido entre nós. Eu não pensei. Só fui lá e pá. Um soco bem no meio daquela cara sonsa." Apesar do sorriso que ela forçava, dava pra ver a tristeza. Não só pela situação, mas pela decepção, pelo sentimento ainda aberto. "Eu sinto muito que isso tenha acontecido", falei, segurando a mão dela sobre a mesa. "Imagino que você não queria que chegasse a esse ponto." "Obrigada. Tá tudo bem." Ela sorriu, mas era aquele sorriso vazio. "Quer jantar lá em casa hoje?", perguntei, meio desesperado. "Não vou aguentar mais um jantar de família constrangedor sozinho." Ela riu e aceitou. E mesmo sendo só um jantar comum, parecia exatamente o que eu precisava para não me sentir tão sozinho. ... Quando chegamos, Mark e minha mãe estavam na sala. Logan estava na cozinha. Fiquei surpreso de vê-lo cozinhando, mas não me importei o suficiente para perguntar. Só torci para não ser veneno. "Boa noite", eu disse. "Tem algum problema se a Lina jantar com a gente?" Logan me olhou, mas não respondeu. "Claro que não", disse Mark, e minha mãe assentiu. O jantar estava bom, até demais. E eu rezava para que não viessem perguntas estranhas, mas sabia que era inútil. Quando estávamos quase terminando o macarrão à carbonara, Mark e minha mãe resolveram prestar atenção na Lina. "Fico feliz que você tenha feito amigos tão rápido, Lina. Como está sendo o início das aulas?", minha mãe perguntou. "Ah, a mesma coisa de sempre. O Peter tem melhorado os dias", ela respondeu sem malícia, mas minha mãe e o Mark trocaram olhares suspeitos. "Já tão tão próximos assim? Você é rápido, Peter", disse Mark. Eu corei na hora. "O macarrão tá ótimo, Logan", falei, desesperado, tentando mudar de assunto. "Valeu", ele respondeu, meio surpreso. "Acho que vocês entenderam errado", Lina completou, sem perder tempo. "Eu sou lésbica. E o Peter... bem, não sei ao certo, nunca perguntei." Mark se engasgou na mesma hora. Logan riu alto, sem conseguir segurar. Minha mãe correu pra ajudar Mark enquanto eu fiquei parado, mudo, com o macarrão pendurado na boca. A Lina era assustadoramente sincera. E, por incrível que pareça, aquilo me fez sorrir mesmo no meio do caos. O clima da casa mudou. O silêncio, a risada de Logan, tudo parecia outro. Enquanto minha mãe ajudava Mark, meu olhar encontrou o de Logan. Ele ainda ria, mas não era aquela risada cruel. Era verdadeira. E isso me atingiu em cheio. Pela primeira vez desde que cheguei, ele parecia humano. E o ódio que eu sentia dele simplesmente... sumiu. No lugar, veio outra coisa. Algo que queimava por dentro e que não tinha nada a ver com o macarrão quente. A Lina tinha razão sobre mim. Eu não sabia o que eu era. Mas, olhando para o Logan, tive certeza de que estava prestes a descobrir.