Capítulo 5: Exigências de Rafael

A manhã começou com Flávia espiando-me pela janela do quarto, como se tentasse decifrar meus movimentos. Enquanto passava pelo corredor, notei a porta do quarto dela entreaberta, assim como as das gêmeas. A babá já estava de pé, vestida e pronta para acordá-las. Desci para o café da manhã determinado a esclarecer certas regras.

— Senhorita Carter — chamei, interceptando-a na sala de jantar — preciso conversar com você.

Ela seguiu-me até o escritório com passos firmes, mas os olhos denunciavam uma inquietação contida. Sentou-se à frente da minha mesa, postura ereta, enquanto eu preparava as palavras.

— Babás que desenham unicórnios em roupas manchadas não duram uma semana aqui — afirmei, cortando o silêncio. — Disciplina é essencial para minhas sobrinhas. Bagunça e sujeira não são arte, entendido?

Antes que ela respondesse, a porta abriu-se com um estrondo. Bia entrava arrastando Mel pela mão, ambas de pijamas e cabelos despenteados.

— Tio Hawk, você não vai mandar a Flávia embora, né? — a voz da mais velha tremia de drama, enquanto Mel abraçava o hamster contra o peito. — Se ela for, fugimos pro Central Park!

A cena quase arrancou um suspiro. Ameaças de fuga com roedores já eram rotina, mas a determinação nas feições delas me obrigou a moderar o tom.

— Ninguém está sendo despedido — expliquei, ajoelhando para nivelar o olhar com as duas. — Apenas ajustando detalhes.

Após acalmá-las com promessas de waffles extras, voltei a atenção para Flávia, que recuou quando me aproximei.

— Está aqui porque conquistou as duas em tempo recorde — reconheci, cruzando os braços. — Mas não se engane: quero que se tornem damas à altura do nosso sobrenome. E isso exige estrutura, não... unicórnios coloridos.

— Compreendo, senhor — murmurou ela, voz suave, mas o queixo erguido desafiava a submissão, e mexia com meus instintos predadores.

No caminho para o colégio, sentei ao volante enquanto Flávia ocupava o banco de trás, a pedido de Mel.

— Faz tranças no meu cabelo? Igual às suas! — a caçula insistiu, puxando as madeiras loiras da babá.

Flávia riu, mãos ágeis entrelaçando os fios rebeldes.

— Vou fazer duas, bem apertadas, com fios de seda colorida que eu tenho aqui na mochila. Segura assim...

Bia observava com inveja discreta até ceder:

— Quero uma também!

— Pronto, princesa — anunciou Flávia, exibindo sua obra de arte, para Mel que sorria enquanto se observava no espelho.

— Você é a melhor babá do universo! — Mel exclamou, abraçando-a pelo pescoço.

Olhei pelo retrovisor. A cena era quase... adorável. Quase. Mas disciplinei o sorriso antes que notassem. Ainda não era hora de fraquejar.

Porém, confesso que a doçura daquela cena era contagiosa. Flávia cantarolava em português enquanto entrelaçava as tranças das gêmeas, os dedos ágeis dançando entre os cabelos loiros. Seus sorrisos eram tão leves, tão sinceros, que até o ar parecia mais leve. Mel e Bia riam com uma liberdade que jamais haviam mostrado a outras babás. Observava pelo retrovisor, tentando disfarçar a inquietação. Cada riso delas era um prego no caixão da minha resistência. “Ela tem um dom”, pensei, os nós no estômago apertando. Mas não podia ceder.

“Disciplina e estrutura, é tudo o que importa.” Repeti mentalmente, os punhos cerrados contra o volante enquanto ainda observava Flávia rir com as gêmeas, com uma doçura que me fazia engolir seco. “Preciso arranjar outra babá. Logo.” Mas até minha própria mente traía a ordem, invadida pelo calor que aquela mulher irradiava sem esforço.

“Disciplina e estrutura, droga!” repeti a mim mesmo revoltado, afinal, aquela mulher... era um furacão de cores num mundo que eu pintara em preto e branco. “E com aquela doçura, só Deus sabe o que eu faria se a tivesse na minha cama.”

O relatório do investigador pesava na gaveta do escritório como uma tentação. Faltavam páginas — páginas que detalhariam cada segredo, cada medo, cada fenda na armadura de gelo que ela vestia. “Quero despedaçar esse gelo. Quero ouvi-la gemer meu nome até esquecer o seu”

“Mas era impossível, não podia ser... Não enquanto ela estivesse encarregada das meninas. Ainda assim…”

Meus dedos tamborilaram no couro do volante, acelerando conforme o desejo. Ela precisava sair. Tinha de contratar alguém sem aquele cheiro de jasmim, sem aquele jeito de transformar tranças em rebelião. Alguém que não me fizesse imaginar como seria morder seu lábio inferior enquanto a prendia contra a parede do escritório.

“Conquiste-a. Leia o relatório. Descubra tudo.”

A minha mente sussurrou em meu ouvido, perversa. “Depois, demita-a.” Sim. Porque depois que eu a tivesse — depois que descobrisse cada pedaço de sua alma —, ela não seria mais útil. Apenas... perigosa.

Mas quando Mel gritou "Flávia, você é mágica!", algo em meu peito vacilou. Malditas fossem aquelas tranças. Maldito fosse o modo como ela fazia até o Central Park parecer pequeno diante de seu sorriso.

“Não ceda.” Era uma ordem. Uma prece. Um mantra.

Ao estacionar em frente ao colégio, as gêmeas saltaram do carro como borboletas, deixando para trás um rastro de alegria. Flávia as seguiu, despretensiosa, vestindo um vestido desbotado e uma cardigã que já perdera o formato. As mães no portão viraram-se, sussurros cortantes como facas. "Quem é aquela?" "Parece uma mendiga..." Os olhares delas perfuravam, mas Flávia caminhava de cabeça erguida, como se carregasse uma coroa invisível.

— Senhorita Carter — chamei, segurando-a pelo cotovelo antes que entrasse. — Um momento.

Ela fitou-me, a sobrancelha arqueada em desafio.

— Percebeu os olhares? — perguntei, indicando o grupo de mães com um gesto discreto.

Flávia seguiu minha indicação, os lábios se apertando em uma linha fina.

— Claro que percebi — respondeu, voz firme como aço recoberto por veludo. — Mas julgar alguém pelas roupas é como avaliar um livro pela capa rasgada. Sinto pena de quem não enxerga além.

A resposta dela me surpreendeu. Não pela rebeldia, mas pela certeza. Quase admirei aquela teimosia. “Quase.”

— Concordo — menti, cruzando os braços. — Mas as aparências importam aqui. As meninas precisam de exemplos que... bem, que se encaixem.

Ela riu, um som curto e seco.

— "Encaixem"? Como manequins numa vitrine?

— Como pessoas que entendem o peso do nosso nome — retruquei, aproximando-me o suficiente para sentir o perfume dela: Jasmim e algo selvagem, como mato após a chuva. — E, falando nisso, talvez seja hora de atualizar seu guarda-roupa.

Seus olhos estreitaram.

— Atualizar? — repetiu, mãos nos quadris.

— Sim. Algo mais... adequado. Para o bem delas.

Flávia estudou meu rosto, como se buscasse uma armadilha escondida nas palavras. Por um instante, vi-a hesitar. Talvez calculando o quanto precisava desse emprego. Talvez imaginando se eu estava brincando.

— E se eu me recusar? — provocou, inclinando-se para frente, desafiadora.

Segurei o impulso de tocar seu queixo, de provar até onde ia aquela coragem.

— Então — sussurrei, baixando a voz até que só ela pudesse ouvir —, talvez eu precise convencê-la pessoalmente.

Ela corou, mas não recuou. Um silêncio pesado pairou entre nós, carregado de tudo o que não era dito. Até que Bia gritou do portão:

— Flávia, vem ver o desenho que fizemos!

A babá deu um passo atrás, os olhos ainda presos aos meus.

— Pense na oferta, senhorita Carter — concluí, virando-me para esconder o sorriso.

Enquanto ela caminhava em direção às gêmeas, sabia que o jogo mudara. Não se tratava mais de roupas ou disciplina. Tratava-se de quanta areia eu conseguiria colocar no vidro antes que o desejo transbordasse.

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