*Rafael Narrando* O sol ainda não havia rompido completamente o horizonte de Manhattan quando acordei, mas os primeiros raios dourados já riscavam os vidros fumê do arranha-céu vizinho. Sentei na cama, observando através da janela panorâmica como Nova York sussurrava seu mantra eterno: "Você não pode parar". Eu, Rafael Hawthorne, CEO da Hawthorne Enterprises, entendia aquele idioma melhor do que ninguém. Minha rotina era um ritual fúnebre desde que Miguel morrera. Três passos até o espresso machine italiano, dois comprimidos para a enxaqueca matinal, um olhar rápido para a foto emoldurada na estante: meu irmão e eu no topo do Rockefeller Center, sorrindo como dois piratas que haviam conquistado o mundo. Agora, só restavam as gêmeas. Mel e Bia. Seis anos de risos que ecoavam estranhos naquele apartamento de decoração minimalista, onde até os brinquedos pareciam organizados por um curador de museu. Vesti o terno sob medida como uma armadura. No espelho do banheiro, um estranho m
*Flávia narrado*Acordei com o susto do despertador ignorado. O coração disparou quando olhei para o relógio: 8:47 AM. “Merda, merda, merda”.Saltei da cama, os pés descalços encontrando o chão gelado do apartamento minúsculo que dividia com Susana. Enquanto vestia o uniforme verde da floricultura — ainda com cheiro de lírios secos —, uma memória invadiu minha mente sem pedir licença: Papai dançando com mamãe na cozinha de nossa casa em Austin, o rádio tocando "Stand by Me" enquanto Jony batucava nas panelas. Meu irmão mais velho sorria, erguendo a colher de pau como uma varinha. "Flavinha, vem cá ser nossa backup dancer!" A garganta apertou. Jony teria rido de me ver agora, correndo em Nova York como uma barata assustada. — Flávia! A Giulia vai acabar cumprindo o que disse, e vai te demitir por causa dos seus atrasos! — gritou Susana do banheiro, cuspindo pasta de dente. — Ela nunca mais falou isso… foi só aquela vez — respondi, amarrando o cabelo às pressas. Enquanto descia a
* Rafael narrando* A luz do meio-dia invadia meu escritório, mas eu só enxergava um par de olhos azuis pairando sobre Manhattan como um fantasma. Quatro dias. Quatro dias desde que aquela mulher da cafeteria me deixara paralisado com um simples olhar — e eu, Rafael Hawthorne, que nunca hesitava em tomar o que desejava, havia engolido seco como um adolescente diante de sua primeira paixonite. A cidade pulsava sob meus pés, mas meu cérebro estava preso em loop: olhos azuis, rosas brancas, perfume de lavanda. Quatro dias. Quatro dias desde que aquela mulher desaparecera como fumaça após me deixar com um buquê caótico e uma frustração que me corroía as entranhas. Irma invadiu meu escritório como um furacão de eficiência. — As entrevistas para a babá começam em… — Cancele todas — cortei, sem tirar os olhos do relatório falso que fingia ler. — Mas as gêmeas… — Cancele! — Usei o tom que fazia os estagiários chorarem. — E chame o detetive Collins. Preciso que ele encontre alguém.
*Flávia narrando* O despertador tocou às 5:32 da manhã — trinta minutos depois do horário que programou. Corri pelo apartamento minúsculo como uma barata envenenada, vestindo meias desiguais enquanto Susana roncava no sofá. — Vai dar certo —menti para o espelho embaçado do banheiro, onde escrevi "VC CONSEGUE" em batom vermelho na noite anterior. O metrô atrasou. A chuva transformou meu guarda-chuva de 5 dólares num esqueleto de nylon. Quando cheguei ao portão da mansão de Rafael, o relógio da torre marcava 8:17. “Sete minutos atrasada.” Ele esperava na entrada, trajando um terno que custava mais que meu ano de aluguel. Seus olhos escanearam minha roupa encharcada — blusa de renda barata colada aos meios seios, sapato com solado descolado — e suas sobrancelhas franziram-se em desaprovação. — Senhorita Carter — começou, voz mais fria que a chuva de abril — seu contrato menciona pontualidade como... — Eu sei. Desculpe. O metrô... — Desculpas são como rosas murchas — int
A manhã começou com Flávia espiando-me pela janela do quarto, como se tentasse decifrar meus movimentos. Enquanto passava pelo corredor, notei a porta do quarto dela entreaberta, assim como as das gêmeas. A babá já estava de pé, vestida e pronta para acordá-las. Desci para o café da manhã determinado a esclarecer certas regras. — Senhorita Carter — chamei, interceptando-a na sala de jantar — preciso conversar com você. Ela seguiu-me até o escritório com passos firmes, mas os olhos denunciavam uma inquietação contida. Sentou-se à frente da minha mesa, postura ereta, enquanto eu preparava as palavras. — Babás que desenham unicórnios em roupas manchadas não duram uma semana aqui — afirmei, cortando o silêncio. — Disciplina é essencial para minhas sobrinhas. Bagunça e sujeira não são arte, entendido? Antes que ela respondesse, a porta abriu-se com um estrondo. Bia entrava arrastando Mel pela mão, ambas de pijamas e cabelos despenteados. — Tio Hawk, você não vai mandar a Flávia e