A viagem foi tranquila. Sophie manteve-se em silêncio, folheando mentalmente as imagens que pretendia capturar, enquanto Lucas e Émilie conversavam sobre restaurantes, passeios e pontos turísticos.
Quando o avião começou a descer, ela olhou pela janela e, por entre as nuvens, viu Veneza pela primeira vez. Um mosaico de telhados alaranjados, canais cintilando sob o sol da manhã e pequenas embarcações deslizando lentamente sobre a água verde-azulada. O cenário parecia tirado de uma pintura — e, ainda assim, mais vivo do que qualquer fotografia que já tivesse visto.
O ar frio e úmido a envolveu assim que desceu do avião. O trajeto até o hotel foi feito de táxi aquático, e Sophie sentiu o balanço suave da embarcação enquanto observava fachadas antigas, janelas floridas e pontes estreitas que pareciam unir não apenas ruas, mas também histórias.
O hotel, um prédio restaurado do século XVIII, ficava de frente para um canal movimentado. No lobby, sofás de veludo e lustres de cristal compunham uma atmosfera elegante, mas acolhedora.
Enquanto Lucas resolvia algo na recepção, Sophie se afastou um pouco para fotografar a luz que entrava pelas amplas janelas. Estava ajustando a lente quando ouviu uma voz masculina, baixa e firme, falando italiano. Voltou-se, e foi então que o viu.
Matteo Bianchi.
Ele estava de pé próximo ao balcão, conversando com um funcionário do hotel. Usava camisa branca com as mangas dobradas, e havia algo nos seus gestos — calmos, seguros, quase artesanais — que chamava atenção. Sophie percebeu que o olhar dele, castanho e profundo, se cruzou brevemente com o seu antes de ele voltar à conversa.
Foi apenas um instante, mas um instante que ela guardaria.
....
Lucas acenou para ela do balcão.
— Sophie! Sua chave.
Ela se aproximou, pegou a chave da mão dele e, ao ouvir seu nome, percebeu que Matteo a olhava novamente. Um olhar calmo, atento… mas que ela desviou rapidamente, como quem não queria criar interpretações.
Seguiu em direção ao elevador, mas no último instante duas pessoas se juntaram a Lucas e Émilie, e a sobrecarga fez o painel apitar.
— Vai ter que esperar o próximo, Sophie — Lucas comentou, rindo.
Ela recuou um passo, ajeitando a alça da bolsa no ombro. O segundo elevador chegou, e assim que as portas se abriram, Matteo entrou junto, carregando duas malas de couro que pareciam ter visto muitas viagens.
O silêncio ocupou os primeiros segundos da subida, até que ele falou, a voz grave mas tranquila:
— Você não é de Veneza, certo?
Sophie ergueu o olhar, ligeiramente surpresa.
— Não… Paris. E você?
— Florença — respondeu, com um leve sorriso. — Mas estou aqui por trabalho.
Ela assentiu, curiosa mas contida.
— Também estou. Fotografia.
Os olhos de Matteo brilharam com interesse genuíno.
— Fotografia… arte de capturar o tempo. Sempre admirei quem consegue ver o que os outros passam por cima.
Sophie sentiu um calor inesperado no rosto, mas manteve o tom neutro:
— E o seu trabalho?
— Restauração de obras de arte — disse, pousando a mala no chão. — Tento devolver o tempo às coisas… mesmo que ele não volte para nós.
Por um instante, ficaram em silêncio, mas não foi desconfortável. O som suave do elevador parecia marcar uma pausa no ritmo do dia.
Quando as portas se abriram, Matteo fez um gesto com a mão.
— Depois de você.
Sophie agradeceu com um leve aceno e saiu. Não sabia explicar por quê, mas sentiu que aquela não seria a última vez que conversariam.
Matteo pegou um mapa antigo que estava sobre a escrivaninha de Sophie, desenrolhado com cuidado.
— Aqui está a Veneza que poucos conhecem — disse ele, apontando para ruas estreitas e pontos fora do circuito turístico.
Sophie se aproximou, fascinada pela precisão dos detalhes. Ele falava com paixão sobre cada esquina, cada ponte, as histórias que as paredes guardavam.
— Às vezes, a verdadeira beleza está no invisível — comentou Matteo. — No reflexo da água, no sorriso de um velho morador, na sombra de uma gôndola.
Sophie respirou fundo, sentindo a inspiração pulsar forte dentro dela.
— Então, quando começamos essa exploração?
— Agora — respondeu Matteo, estendendo a mão.
Ela a apertou sem hesitar.
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A tarde passou rápida entre clicks da câmera e conversas que fluíam naturalmente. Eles caminharam por becos onde o tempo parecia parado, fotografaram fachadas cobertas de musgo e detalhes que poucos reparavam.
Quando o sol começou a se pôr, estavam na Ponte dei Sospiri, olhando para as águas calmas do Grande Canal.
— Obrigado por me mostrar tudo isso — disse Sophie, sentindo uma mistura de alegria e nostalgia.
— Eu que agradeço — respondeu Matteo, olhando nos olhos dela. — A arte, no fim, é feita de momentos compartilhados.
O crepúsculo tingiu o céu de tons alaranjados e roxos, e, por um instante, os dois ficaram ali, em silêncio, deixando que a magia de Veneza os envolvesse.
.....
Pouco depois, o telefone de Sophie apitou com uma mensagem da agência. Ela franziu o cenho ao ler as instruções: no dia seguinte, teria que estar no local desde a montagem da festa — o maior evento do ano em Veneza — para fotografar tudo para o jornal.
Sophie suspirou e comentou para Matteo:
— Acho que vou precisar descansar bem esta noite. Amanhã vai ser um dia longo.
Ele sorriu, compreensivo.
— Faz bem. Um bom fotógrafo precisa estar descansado para enxergar o inesperado.
Eles seguiram conversando sobre arte e fotografia enquanto caminhavam de volta para o hotel, a luz das ruas refletindo nos canais. No lobby, antes de irem para seus quartos, Matteo a surpreendeu:
— Que tal jantar juntos? Não muito longe, só uma companhia para essa noite.
Sophie aceitou, e foram ao restaurante do hotel, onde o ambiente aconchegante e as conversas fluíram entre pratos italianos e vinhos delicados.
Quando terminaram, trocaram um sorriso cúmplice e se despediram com um simples “boa noite”, cada um seguindo para seu quarto.
Sophie tomou um banho quente, deixando a água aliviar a tensão do dia. Enquanto o vapor preenchia o banheiro, ela pensava na figura carismática e gentil de Matteo, no jeito com que falava sobre o tempo e a arte.
Vestiu um pijama macio, deitou-se na enorme cama confortável e, antes de fechar os olhos, sorriu baixinho.
O sono chegou devagar, embalado pelo silêncio tranquilo de Veneza.