Capítulo 6

M I A

- De onde és? - Questiono ápice da minha curiosidade, dou mais um gole super drink. - Teu sotaque é fortemente carregado.

Os olhos escuros me estudam por um breve momento, ele está sempre com uma expressão de quem se diverte, essencialmente quando olha para mim. Quase como se eu sempre me encontrasse em situações divertidas, e ele estivesse lá, justamente para se divertir às minhas custas.

- Sou de Sevilha, Espanha. A terra dos homens de sangue quente e da castanhola. - Ele me conta, por um misero instante, os olhos perdem a diversão e ficam opacos.

- Espanha, uau! Adoraria muito visitar as paisagens, ver a vossa cultura, as danças e a gastronomia. Mas diz-me uma coisa, por que saíste de lá? Se vivesse em um lugar paradisíaco como aquele, não sairia de lá por nada.

Meu drink novamente chega ao fim, os pedaços de fruta estão um tantinho salgadas e azedas, talvez porque elas sugaram a maior parte do álcool. Luiz desvia o olhar do meu, se concentra no bartender e pede mais uma dose.

- No creo. Não gosto muito de falar sobre isso. Mas se quiseres saber sobre o que acho da Itália, acho um país bem querido e um povo acolhedor. Apesar de estar aqui há apenas um ano, escolhi este país pelos pontos turísticos. Já conheci muito Veneza, e posso dizer que não me atrai muito. Queria conhecer a Itália, podes ser minha guia turística? - Ele me convida assim na lata, fico zonza com o quão direto ele é.

- Hm... Uau, que direto, tu. - Balbucio. Observo as pessoas a dançar animadas ao ritmo da música, a boate cheíssima e engraçado que o ar parece escasso agora. - Posso. Agora tenho estado um pouco entediada; Será um prazer, Veneza tem muito a ser explorada. Ficarei feliz de te mostrar.

- O que achas de começarmos agora? Visto que não estamos a aproveitar nada da inauguração. - Ele sugere.

Dou de ombros, por que não? Não estamos a aproveitar nada mesmo, nada além da companhia um do outro. Retiro o meu celular da bolsa apenas para certificar do horário, são vinte e três horas e poucos minutos. Chamo o bartender e em seguida pago minha conta, Luiz me imita.

- Isso é um sim? - Ele me questiona.

- Pois é.

Seguimos os dois para saída da boate, o ar frio da noite nos recebe. Luiz enfia ambas mãos nos bolsos, lado a lado atravessamos a estrada e seguimos por um caminho curvo, afim de sair dessa rua. Por se tratar de uma zona tranquila e pouco atrativa, Dorsoduro está com as ruas tranquilas e pouca movimentação. Como sempre.

- Onde vamos? - Luiz pergunta, me oferecendo o seu olhar.

- Que a tal a praça San Marco? É apropriada para turistas que gostam de locais intimistas. Pouco movimentada, com uma atmosfera maravilhosa devido as orquestras dos restaurantes à volta. - Explico, sentindo meu coração aquecer ao lembrar da praça que tia Antonella adorava.

- Sim, pode ser.

Luiz espalma a mão nas minhas costas, talvez por instinto, mesmo que exista o tecido do meu vestido, ainda assim é possível sentir um longo arrepio percorrer meu corpo apenas com o mero toque dele. A mão dele abandona a minhas costas, vamos andando lado a lado enquanto conversamos sobre amenidades.

Ele me encara maravilhado quando passamos pela ruela composta só de um imenso canal, durante o dia há diversos passeios quer seja dos habitantes ou ainda dos turistas, pela noite há um e outro se aventuram a passear no canal.

- O quê? Vais me dizer que estás na Itália e nunca passeaste no canal? - Olho para ele, sem acreditar.

- No. Nunca andei realmente. Não estava entre minha lista de desejos, mas vendo assim de perto. Acho que valeria à pena. Quem sabe possamos andar um dia desses.

- Sim, um dia desses. - Digo com uma pequena risada, que abusado ele. - O melhor seria se fosse à luz do dia, o passeio seria muito mais incrível e proveitoso.

As ruas muito tranquilas, alguns carros ainda circulam, pessoas são escassas mas no entanto ainda estão na rua. Novamente deve ser impulso, sinto os dedos quentes elançarem os meus quando vamos atravessar a estrada. Ergo a sobrancelha para ele, um tanto surpresa.

- Hábito. Ás vezes esqueço que não estamos na cidade que é tudo tão movimentado e com um tráfego rápido. - Ele explica.

Chegamos ao praça de San Marco, existem diversos bancos espalhados pela praça. Escolhemos o que fica na lateral, sento-me com cuidado e observo Luiz fazer o mesmo bem ao meu lado. Somos agraciados pela música da orquestra do restaurante há uma rua daqui.

- Conta-me sobre ti, Mia. - A voz dele corta o ambiente, desvio o olhar da construção elegante da gelataria. O que eu não daria por um gelato agora?

- Ahn? O que queres saber sobre mim?

- Tudo.

Meu olhar encontra o dele, não é como se me sentisse perdida no meio das duas piscinas de carameladas, meu coração reage no mesmo instante, cada pedacinho meu paralisa em antecipação do que virá à seguir.

- Estou com um pouquinho de fome, sabes onde podemos encontrar um lanche barato e delicioso?

- A essa hora, não tem nenhuma cantina aberta. A maioria fecham cedo... - Balbucio.

- Conta-me um pouco sobre ti. Um pequeno resumo. - Ele volta a insistir.

- O que queres saber? Sou uma mulher solteira, independente, trabalho na joalheria com sabes. Vivo com meus pais, nem adianta fazer essa cara, sou muito apegada a eles. Talvez por eu ser filha única. E só. - Digo de uma vez só, encaro-o. - Tua vez.

Luiz parece um tanto hesitante, desvia o olhar por alguns instantes para paisagem em nossa volta, o silêncio se instaura entre nós e com ele o clima tenso. Ele parece estar incomodado com algo, como se a simples menção a ele fosse algo extremamente desagradável.

- Não há nada demais para saber. Sou um imigrante espanhol, estou aqui na Itália há um ano e não tenho planos de voltar. Trabalho na mansão D'Ângelo como motorista e adoro me divertir visitando as paisagens italianas. - Ele volta a falar após algum tempo. - Espero que seja um começo de uma bela amizade.

É minha vez de fugir do seu olhar, encarar a tranquilidade de Dorsoduro pela noite, sem nenhuma resposta aparente, observo o perfil no momento exato em que o vento sopra e afasta os fios do cabelo castanho dele, ele é lindo, eu não deveria sequer cogitar em estar perto dele, sob o risco de me apaixonar.

- Espero o mesmo.

Nós conversamos sobre diversos assuntos, o tempo passa sem nos demos conta, até a música cessa por fim e ambos nos encaramos surpresos. Pelo que eu saiba a maioria desses restaurantes assim com orquestra, fecha pelo menos as duas horas da madrugada.

- São duas e meia. - Ele me conta, como se fosse a coisa mais normal do mundo.

- Duas e meia?! Não acredito. Jesus... Luiz, preciso ir para casa. Não acredito que ficamos até tão tarde aqui na praça.

Me levanto em sobressalto e ele faz o mesmo, me estico um pouco, meu corpo está um tanto dormente, minha bunda e minhas pernas formigam e protestam querendo que volte a sentar. Até me sinto tentada, mas realmente não dá, ao olhar para o restaurante ao lado é possível ver os funcionários a arrumar os materiais de trabalho.

- Pois ficamos. Eu te acompanho. - Ele propõe, até penso em negar, mas acabo aceitando. Gosto da companhia dele.

- Não que seja preciso, minha casa é perto daqui. Sem que contar que esta é uma zona muito tranquila, quase não há marginais. Mas podemos ir.

- Não te deixaria ir sozinha, por mais tranquila que seja Dorsoduro. Vamos.

Arranjo meu vestido, que subiu um pouquinho, não tinha muito à mostra além dos meus joelhos. Andamos lado a lado outra vez, vamos conversando sobre coisas triviais como as meninas da Ella são adoráveis. Quinze minutos passam sem que nos demos conta, minha casa surge bem em nossa frente.

- Chegamos!

- Tão já? - Luiz pergunta, eu dou de ombros. - Tinhas razão é mesmo perto. Não levamos nem vinte minutos.

Ficamos de frente um para o outro, a luz do luar, nos olhamos sem saber o que dizer ou que fazer. Luiz tem um sorriso a nascer nos lábios, que boca linda ele tem, esses lábios levemente finos me fazem querer imaginar o sabor deles sob os meus.

- Eu te avisei. - Sorrio, sem saber como prosseguir. - Mas enfim, Luiz. Cheguei, obrigada pela companhia e pela noite agradável.

- Digo o mesmo, Mia. Foi uma noite realmente fantástica, espero que possamos repetir o mais breve possível. - Ele diz antes de enfiar ambas mãos nos bolsos. - Vou esperar aqui que entres.

- Não é necessário. - Digo. Ele me olha irredutível. - Está bem. Vou entrar, boa noite.

- Boa noite e bom descanso.

Retiro as chaves da minha bolsa, abro a porta da minha casa e entro. Sorrio para ele ao vê-lo parado na rua, através da janela da sala. As luzes estão apagadas e não ligo nada, apenas vou para o meu quarto, morta de cansaço. Que gentil ele é, gentil e perigoso ao meu coração; Espero que o próximo encontro não demore...

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