O cheiro forte de desinfetante impregnava o quarto.A voz de Gustavo, que antes chamava “Ju” com tanta insistência, foi ficando cada vez mais fraca... Até desaparecer por completo.Só então a expressão tensa de Bruno começou a se suavizar.— Bruno, eu... — Joana tentou dizer algo, mas foi interrompida.— Não precisa dizer nada, irmã. Eu aceito. — Respondeu ele, direto.Bruno cortou o que quer que Joana fosse dizer.Nos olhos dela, passou um relance de surpresa.Mas rapidamente se recompôs, respirando fundo.No fim, todas as palavras que tinha engasgadas se resumiram a apenas uma:— Obrigada.Ela era uma especialista em pesquisa, não em negócios.Aguentar firme por uns dias, tudo bem.Mas manter-se em pé por muito mais tempo... Era pedir demais.Nos últimos dias, dormia só duas ou três horas por noite.Vivia à base de ibuprofeno para aguentar as dores de cabeça, do contrário, o enjoo a derrubava.Se Bruno, com sua habilidade e prestígio, estivesse disposto a ajudar,então aquele grupo d
Na manhã seguinte.Juliana foi despertada pelo toque insistente de uma ligação.Ainda meio grogue, atendeu no automático, só recobrou a consciência ao ouvir aquela voz familiar.— Ju...Ela desligou na hora, sem a menor hesitação.O resto do sono se desfez como fumaça ao vento.Gustavo era mesmo um encosto que não largava do pé.Ela já tinha bloqueado o número dele fazia tempo, como foi que ele conseguiu outro para ligar?Aquilo só aumentava a irritação de Juliana.Na noite anterior, ela não fez a menor questão de ser gentil: expulsou Gustavo sem rodeios, na frente de todo mundo.Gustavo tinha vinte e seis anos, mas agia como se tivesse regredido aos dezoito.E Juliana conhecia muito bem aquele Gustavo dos dezoito anos.Orgulhoso, impulsivo, com a autoestima lá em cima...Alguém assim, depois de ser humilhado, com certeza sumiria de vez.Mas não. No dia seguinte, ele mesmo ligou para ela, justo para ela, que o tinha feito passar vergonha.Um alerta de mensagem interrompeu os pensamento
Antes de começar a live, Juliana enviou mensagens privadas para os dez ganhadores e transferiu os R$888 para cada um.Só então entrou ao vivo.Como sempre, ela não mostrou o rosto.Mesmo com a chuva de comentários implorando para que ligasse a câmera, fingiu que não viu nada.[Ai ai... Como é que uma pessoa linda assim se recusa a mostrar a cara?][Deixa pra lá! A mão da streamer já é um espetáculo à parte. Se eu tivesse umas mãos assim, ia até sonhar rindo.][Hehehe... Quem será que ganhou o prêmio de R$888, hein? (Não sou obrigada a dizer que fui eu!)][Sai fora, exibida! Mostra demais e a vida te cobra, hein?]O chat estava pegando fogo, a galera animada, jogando conversa fora, mandando presentes. Os efeitos visuais das doações pipocavam sem parar na tela.Antes, bastava mandar um carrossel virtual de R$188 para ter direito a conversar com ela ao vivo.Dessa vez, não foi diferente.Logo apareceu uma solicitação de chamada.— Professora Moreira, oi... Eu tenho uma dúvida que me acomp
Bianca entrou no quarto correndo, apressada.Usava o uniforme escolar certinho, do jeito que a mãe mandava. Desde que Joana passou a cuidar mais de perto dela, Bianca tinha deixado pra trás boa parte dos comportamentos problemáticos.Pelo menos, o rótulo de “louquinha carente” já não colava mais.Ela se jogou nos braços de Gustavo sem pensar duas vezes e as lágrimas, que até então estavam represadas, vieram com tudo.— Bianca, quem foi que te fez chorar assim? — Gustavo a deixou abraçá-lo sem dizer nada. Bianca era sua única irmã, desde pequena, ele sempre a tratou como uma princesa. Nunca a viu tão abatida, nunca tinha visto chorar daquele jeito. — Fala pra mim. Me diz quem foi. Eu resolvo isso agora.Com alguém ali pra ampará-la, Bianca chorava ainda mais forte. Parecia que queria, de uma vez por todas, desabafar tudo o que vinha engolindo nesses anos.O cuidador, percebendo o momento íntimo entre os dois, saiu discretamente do quarto, deixando o espaço só para eles.Por um tempo, a
A voz da garota que estava na chamada era cheia de nostalgia.Ela fez uma breve pausa e continuou:— O que me deixa confusa é... Será que os homens mudam tão rápido assim? Antes de começarmos a namorar, ele era uma pessoa, e depois, virou outra completamente diferente. Estamos juntos há só três meses. Não faz sentido já estar tudo morno, né?Ela já tinha conversado com amigas, buscado ajuda de especialistas em relacionamentos... Mas nenhuma resposta parecia satisfatória.Juliana era uma streamer de conselhos amorosos que ela acompanhava há muito tempo.Talvez fosse o destino, justo no momento em que ela se sentia mais perdida, Juliana, que estava sumida há tanto tempo, voltou a fazer lives!O chat ficou tomado por uma enxurrada de mensagens chamando o cara de “canalha”.Alguns espectadores também aproveitaram pra compartilhar suas próprias experiências.[Amiga, escuta a voz da experiência: termina com esse cara. Quem ama de verdade não muda tão rápido.][Três meses ainda é lua de mel!
Silêncio total.A frase de Juliana foi um soco, o tipo de revelação que faz todo mundo prender a respiração.“Ele não está com você porque gosta de você...Então... Por que ele está?”A garota ficou paralisada, como se estivesse tentando processar tudo o que tinha acabado de ouvir.Demorou um pouco até conseguir falar de novo:— Professora... Você tá dizendo que meu namorado não gosta de mim, e que ele só ficou comigo porque aquela menina do grupo gosta de homens já têm namorada?Juliana respondeu com a mesma calma cortante de sempre:— Se você quiser entender assim, não tá errado.Sua voz fria e firme tinha um peso que fazia qualquer um acreditar.O chat voltou a explodir:[Meu cérebro deu tilt. Que tipo de gente faz isso, meu Deus? Que bagunça emocional!][Gente, esse tarô é surreal. Como ela descobriu tudo isso nas cartas? Juliana, me responde no privado! Preciso de uma leitura urgente!][Estou com trinta anos e nunca ouvi um absurdo tão grande. Amiga, corre dessa relação!][Olha...
Uma sensação estranha passou pelo coração dela, rápida como um lampejo.Enquanto os dois se sentavam à mesa para o jantar, Vítor, sempre esperto, aproveitou a deixa para dar mais uma força.— Juliana, deixa eu te contar uma coisa... Mas é segredo, tá? — Ele se inclinou um pouco, como quem vai confidenciar algo. — Na verdade, foi o Bruno quem pediu pra eu vir hoje. Todos esses pratos aqui, ele encomendou com antecedência no restaurante. Me pediu pra buscar depois da aula.“Um cara tão atencioso assim... Como é que não se apaixona?”Mas a reação de Juliana foi totalmente diferente do que Vítor esperava.Ela estava tranquila. Tranquila até demais.Respondeu com apenas três palavras:— Eu já sabia.Só isso?Vítor, inconformado, tentou de novo.— Juliana, você não tem mais nada pra dizer?Ela lançou um olhar estranho pra ele.— Dizer o quê?Vítor engoliu em seco. Silenciou e voltou a comer seu arroz branco. Nisso, a tela do celular ao lado acendeu com uma ligação.— Vítor, você não vai vir
— Juliana.A voz grave e rouca carregava um cansaço profundo, como se tivesse atravessado dias sem dormir.Ele surgiu de repente, bloqueando a passagem dela. Sua silhueta alta projetava uma sombra que a envolveu por inteiro.Acima dela, tudo virou escuridão.Juliana deu um passo para trás, os olhos frios como gelo, fixando o homem à sua frente.— Não sabia que o Sr. Joaquim também tinha talento pra ser perseguidor.O tom irônico, carregado de sarcasmo, irritou Joaquim, ainda que apenas por um instante.Ele engoliu a raiva, tentando manter a compostura. Seu olhar, porém, permanecia pesado.— Juliana, a gente precisa conversar.Ele claramente se esforçava para parecer calmo. Mas cada palavra carregava um tom autoritário, como se já tivesse decidido tudo por ela.Juliana, que nunca abaixava a cabeça, cruzou os braços e arqueou uma sobrancelha.— E desde quando é você que decide isso? Acha que é quem, exatamente?A família Rodrigues inteira sempre foi difícil de engolir.E Joaquim era, sem