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Capítulo 4 – Cheiro de Início

MIRELA

O portão rangeu baixo, e eu soube que era ele antes mesmo de ver. O som dos passos firmes, a aura diferente invadindo o ambiente — como se o mundo parasse para prestar atenção na chegada de Thiago Abdalla.

Tio Thiago.

Ele estava ainda mais bonito do que eu lembrava. O tempo não parecia ter cobrado nada dele, só havia acrescentado os cabelos grisalhos e algo que eu não sabia nomear... força, talvez.

Presença.

Uma virilidade crua que dava medo e curiosidade ao mesmo tempo.

Até agora, não consigo entender meus pais.

Me deixar aos cuidados dele? Logo dele?

Eles sempre foram tão críticos... viviam dizendo que o tio Thiago era um espírito livre, irresponsável, entregue a farras, mulheres e bebidas. Nunca se casou, nunca teve filhos. Nunca, até onde eu sabia, pensou em ser responsável por outra vida além da própria.

Mas agora, era ele quem estava aqui.

E, graças a Deus, era só por alguns meses. Logo eu faria dezoito anos e seguiria meu plano: faculdade, casamento, minha própria vida.

— Eu estudo aqui no Rio, faço cursinho — falei, minha voz saindo mais dura do que eu pretendia. — Como vai ser?

Ele me olhou como quem procura respostas no vento. Passou a mão pelos cabelos lisos e grisalhos, num gesto automático, bagunçando tudo... mas os fios, teimosos, voltaram ao lugar como se pertencessem à bagunça.

— Mirela, eu... — ele hesitou e sorriu de canto, um sorriso meio culpado, meio charmoso. — Eu não sei, pra ser sincero. Você pode ir comigo. Vai ser uma experiência diferente pra você. Morar em São Paulo esses últimos meses, fazer novos amigos... depois você volta, faz a faculdade, reencontra tua galera.

Revirei os olhos. Claro. Como se mudar de cidade fosse simples assim. Mas, no fundo, eu sabia que ele estava tentando fazer o melhor. Pelo menos ele veio, não me deixou sozinha como o resto do mundo.

Antes que o orgulho me mandasse para longe, corri até ele e o abracei.

O impacto foi imediato.

O cheiro dele me invadiu, quente e bruto. Não era perfume de loja cara, era cheiro de homem. De sabonete fresco, de suor limpo, de força viva. Uma mistura que fez meu corpo inteiro acender em alerta.

Senti meu rosto se afundar contra o peito dele, por cima da camisa social bem passada que amassou sob meu toque. As mãos dele pousaram nas minhas costas, grandes e quentes, firmes, como se ele pudesse me proteger do mundo inteiro.

E, por um segundo longo demais, meu coração esqueceu a dor da perda... e só pulsou por ele.

Que droga, Mirela. Tá louca? — pensei comigo mesma, tentando racionalizar o que meu corpo parecia não querer entender.

Não era certo. Não podia ser.

Mas o arrepio que desceu pela minha espinha quando ele acariciou meus cabelos, como se dissesse silenciosamente que eu estava segura, me traiu.

Naquele instante, eu soube que alguma coisa dentro de mim tinha mudado.

E não havia mais como voltar atrás.

Mas logo me obriguei a soltar. Não queria que ele percebesse o que nem eu mesma entendia direito.

Rafaela apareceu na porta, com os olhos vermelhos e a boca trêmula. Corri até ela e nos abraçamos com força.

— Me manda mensagem quando chegar — ela sussurrou, apertando meus ombros. — Qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, é só me ligar.

Assenti, engolindo o nó que subia na garganta.

Despedidas sempre foram difíceis pra mim... e essa parecia o começo de um capítulo que eu não sabia se queria viver.

Thiago ajeitou minhas malas no porta-malas do carro enquanto eu me despedia da família da Rafa. Depois, com um aceno breve e um sorriso sem jeito, me chamou para ir.

O caminho até o aeroporto foi silencioso. Eu olhava pela janela, as ruas do Rio desfilando rápidas diante dos meus olhos, como se eu estivesse deixando para trás não apenas minha cidade, mas toda a minha vida.

De vez em quando, arriscava um olhar de canto para ele.

E cada vez que olhava, encontrava aquele perfil forte, a mão firme sobre as coxas, o maxilar tenso.

Ele também estava nervoso. Era estranho ver isso.

Acostumada a ouvir histórias sobre o homem que dominava os céus e os negócios, eu via agora alguém tentando fazer o certo, mesmo sem saber como.

No jatinho, sentei ao lado dele. O jatinho era confortável, mas o ambiente parecia pequeno demais para nós dois. O silêncio pesava, carregado de pensamentos não ditos.

Em certo momento, ele me ofereceu o casaco dele quando percebeu que eu tremia com o frio do ar-condicionado.

Quando envolvi o tecido pesado e quente ao redor dos ombros, meu corpo reagiu como se estivesse sendo abraçado de novo.

Fechei os olhos e fingi dormir, mas cada batida do coração denunciava o contrário.

Não é nada, Mirela. É só o cansaço, é o luto.

Você tá carente, vulnerável. Vai passar.

Me convenci disso até o avião pousar em São Paulo.

E, quando os pneus tocaram a pista e o tio Thiago colocou a mão sobre o meu joelho, de forma protetora, para me manter firme, percebi que o desafio seria muito maior do que eu pensava.

Não era só recomeçar uma vida longe de casa.

Era recomeçar uma vida... ao lado dele.

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