Os meses que se seguiram à minha primeira transformação foram uma montanha-russa de descobertas. Eu ainda era a Ana desastrada, sim, mas agora eu era uma Ana desastrada com um lobo interior forte e bonito. O treinamento me ajudou a me adaptar aos meus novos sentidos e à minha forma lupina, embora eu ainda tropeçasse mais do que gostaria. Com Lia ao meu lado, a jornada era sempre mais divertida, e eu me sentia mais confiante em minha própria pele, ou melhor, em meu próprio pelo.
Com o tempo, e à medida que nos tornávamos mais proficientes em nossas formas lupinas, Lia e eu começamos a ter mais contato com outros jovens lobisomens do Castelo e das alcateias vizinhas. O treinamento básico havia se intensificado, e agora participávamos de sessões maiores, onde lobos de diferentes regiões se reuniam para aprimorar suas habilidades. Era um mundo novo para mim, acostumada à relativa solidão do castelo, e eu me sentia um pouco sobrecarregada com tantas novas faces e personalidades.
Foi em uma dessas sessões de treinamento de caça, em uma clareira mais afastada, que o vi pela primeira vez. Ele estava liderando um pequeno grupo de lobos em um exercício de rastreamento, seus movimentos fluidos e confiantes. Seus cabelos loiros brilhavam sob o sol, e seu corpo, mesmo em forma humana, era forte e atlético, com uma altura que o fazia se destacar na multidão. Ele ria com facilidade, e a atenção de todos parecia gravitá-lo. Ele era Fernando.
Eu estava tentando, sem sucesso, seguir o rastro de um cervo imaginário, e, como de costume, acabei tropeçando em uma raiz exposta, caindo de focinho na grama. Um gemido de frustração escapou de mim.
"Precisa de ajuda, pequena lobinha?", uma voz brincalhona soou acima de mim.
Levantei a cabeça, um pouco envergonhada, e encontrei um sorriso largo e um brilho divertido em seus olhos azuis. Ele estendeu a mão, e eu a peguei, sentindo um calor estranho se espalhar pelo meu braço. Ele me puxou com uma força surpreendente, e eu me vi de pé, um pouco mais perto dele do que o esperado. O cheiro dele era diferente dos outros lobos, um aroma amadeirado e fresco que me intrigou.
"Eu sou Ana", eu disse, sentindo minhas bochechas corarem.
"Fernando", ele respondeu, sem soltar minha mão imediatamente. Seus olhos percorreram meu rosto, e eu senti um arrepio. "Você é a filha do Rei, não é? Ouvi falar de você. A jovem lobisomem que se transformou recentemente."
Eu encolhi os ombros, um pouco tímida. "Eu sou só uma lobisomem." A frase "pequena lobinha" e o "jovem lobisomem" me fizeram sentir um pouco infantil, mas o modo como ele me olhava não era de zombaria. Havia um interesse genuíno, e isso me fez sentir... vista.
A partir daquele dia, Fernando começou a prestar atenção em mim. Ele sempre me procurava nas sessões de treinamento, oferecendo ajuda (muitas vezes, com um tom um pouco arrogante, mas ainda assim útil) ou simplesmente me provocando com um sorriso. Ele era popular, cercado por outros jovens lobos que o admiravam, e eu me sentia um pouco surpresa por ele me notar. Eu, a desastrada, a gordinha, a filha do Rei distante.
Em uma tarde, após um treinamento particularmente exaustivo, estávamos todos reunidos perto de uma fonte, bebendo água e conversando. Fernando se aproximou de mim, um sorriso confiante em seus lábios.
"Você está melhorando, Ana", ele disse, e meu coração deu um salto. "Seus movimentos estão mais fluidos. Mas ainda precisa de mais velocidade."
Eu ri, um pouco sem jeito. "Eu sei. Minhas patas ainda não me obedecem como eu gostaria."
Ele se inclinou um pouco, e eu senti o cheiro dele mais forte. "Talvez eu possa te dar umas aulas particulares. O que você acha?" Seus olhos azuis brilhavam com uma malícia divertida, e eu senti minhas bochechas esquentarem.
"Eu... eu não sei", eu gaguejei, surpresa com a oferta.
"Não seja boba, Ana", Lia interveio, dando-me um empurrão amigável. "Fernando é um dos melhores rastreadores da nossa idade. Seria ótimo para você!" Ela me lançou um olhar significativo, e eu entendi que ela estava me encorajando.
Fernando sorriu, vitorioso. "Ótimo. Amanhã, depois do almoço, na clareira do Norte. Não se atrase, pequena lobinha." Ele piscou para mim antes de se afastar, deixando-me com o coração acelerado.
Meus "treinamentos particulares" com Fernando rapidamente se transformaram em algo mais. Ele era um ótimo professor, paciente o suficiente para lidar com minhas desastrosidades, mas também exigente, o que me fazia querer melhorar. Passávamos horas na floresta, correndo, rastreando, e rindo. Ele me ensinava truques para me mover silenciosamente, para usar meus sentidos de forma mais eficaz. E, entre um exercício e outro, ele me contava sobre seus sonhos de se tornar um Alfa, sobre sua ambição de ser o melhor. Ele era um pouco convencido, sim, mas havia algo em sua confiança que me atraía.
Os momentos de romance começaram a surgir sutilmente. Durante um exercício de camuflagem, ele se aproximou de mim por trás, tão silenciosamente que eu não o ouvi. Quando me virei, ele estava a poucos centímetros de mim, seus olhos azuis fixos nos meus.
"Você está melhorando muito, Ana", ele sussurrou, e eu senti seu hálito quente em meu rosto. Sua mão se estendeu, e seus dedos roçaram suavemente meu cabelo, afastando uma folha que havia se prendido ali. O toque foi elétrico, e eu senti um arrepio percorrer meu corpo.
"Obrigada, Fernando", eu murmurei, minha voz um pouco rouca.
Ele sorriu, e seus olhos desceram para meus lábios. Por um instante, eu pensei que ele ia me beijar. Meu coração batia tão forte que eu podia ouvi-lo em meus ouvidos. Mas ele apenas se afastou, com um sorriso enigmático. "Você vai ser uma caçadora e tanto, Ana. Tenho certeza."
Esses pequenos momentos, os olhares demorados, os toques acidentais que se prolongavam, as risadas compartilhadas, começaram a construir algo entre nós. Eu me sentia flutuando. A atenção de Fernando era um bálsamo para minhas inseguranças. Ele me fazia sentir bonita, desejada, algo que eu nunca havia experimentado antes. Eu, a Ana gordinha e desastrada, estava sendo notada pelo lobo mais popular do castelo. Era como um conto de fadas.
Lia observava tudo com um olhar misto de curiosidade e um leve ceticismo. "Ele é muito confiante, Ana", ela me disse uma vez, enquanto observávamos Fernando de longe. "E um pouco... arrogante, não acha?"
Eu encolhi os ombros. "Ele é só... ele mesmo, Lia. E ele é gentil comigo." Eu defendia Fernando, porque ele me fazia sentir especial.
O romance incipiente com Fernando preencheu uma parte do vazio que eu carregava. Eu sonhava com ele, com o dia em que ele me beijaria de verdade, com a possibilidade de ele ser meu companheiro. Eu sabia que o laço de companheiros era algo sagrado, escolhido pela Deusa da Lua, e Fernando, com sua beleza e sua força, parecia se encaixar perfeitamente na imagem que eu tinha do meu futuro. Minha vida, antes tão centrada no castelo e na minha amizade com Lia, agora se abria para um novo mundo de sentimentos e possibilidades. E eu estava animada para ver onde essa nova jornada me levaria.