SEPARAÇÃO

Quando nasci meus pais eram muito novos, vinte anos os dois tinham, minhas primas tinham dez, quando eu tinha quatro anos, meu pai tinha vinte e quatro anos e minhas primas catorze. Quando fiz catorze, meu pai tinha trinta e quatro e minhas primas vinte e quatro.

Minhas primas, filhas da minha tia-avó não eram idênticas, entretanto muito parecidas e extremamente belas. Olivia e Sofia. Dois nomes extremamente diferentes mas que se complementam. Sofia, quer dizer sabedoria e Olivia azeitona, para os gregos a árvore da sabedoria era a Oliveira. Se você não entendeu a referência vá se informar mais.

Olivia era gorda, com um rosto alegre e bochechas redondas de pele alva, já Sofia era um pouco mais esbelta e morena e tinha um olhar melancólico. Mesmo assim ao olhá-las percebia-se uma certa semelhança, como o mesmo nariz, as mesmas cor dos olhos castanhos e cabelos negros ondulados. Cada uma tinha a sua luz própria como as estrelas no céu e embelezavam ainda mais qualquer paisagem. Eu era apenas uma loira magrela que as acompanhava.

Meu pai se chamava Francisco e ele é bonito desde que eu me lembro. Um homem alto e moreno, cabelos longos geralmente amarrados com um coque. Sente muito calor por isso, sempre usa uma camisa de alça. Queria vê-lo sorrir mais vezes… A perda da minha mãe o mudou muito porém, o jeito carinhoso nunca o deixou. Sempre muito protetor, me vigiava constantemente, depois do que a minha tia-avó fez, aquela proteção aumentou muito mais.

Meu nome? Aiyra: Aquela que não tem dono. Hoje percebo a importância do meu nome. Sou loira e esbelta como a minha mãe, de acordo com o meu pai, e, agora, vivo em  um apartamento na cidade grande e a cada dia sinto saudades da minha querida ilha de onde vem as lembranças mais tenras da minha infância.

Minha primeira lembrança? Sou eu com o meu pai. Ele tentava esconder a tristeza que sentia e dividia seu  dia entre a pesquisa e o trabalho. Me deixava brincar com as gêmeas, no entanto, com receio de minha tia me pegar à força e levar-me dali sem ele, eu não podia deixar a faixa de areia que dividia o território do meu pai e o território da minha tia-avó.

Como havia dito, minha tia nunca gostou do meu pai. Ele era pobre, sem família, alguém que não “tinha onde cair morto”. Não aceitava ele me criando sozinha, em sua cabeça retrógrada um homem não podia criar uma menina mesmo sendo o próprio pai.

Mas, minha criação não era a maior preocupação dela. Depois de tantos anos vivendo às custas da herança do irmão, sabia que quando voltássemos não sobraria nada para ela, tudo seria meu, filha legítima. E ela não podia voltar antes de nós, era um mar vasto, morreria nos primeiros dias de viagem. Ela precisava do meu pai para voltar.

Eu deveria ter uns quatro anos quando aconteceu, no entanto, lembro até hoje. Meu pai não estava na cabana, e me banhava na beira da pequena bacia. Ela veio, pela primeira e última vez para aquela parte da ilha, me pegou pelo braço e me levou para a cabana no alto da árvore. Não lembro do que ela disse para me convencer a ir. Eu, certa de que voltaria para o meu pai mais tarde e com a confiança que crianças têm nos mais velhos, fui sem resistência.

Quando chegou a noite, estávamos brincando no chão da barraca, minha tia lendo um livro sentada sobre uma cadeira improvisada. Foi nesse cenário que ouvimos barulhos lá fora, chamando por minha tia-avó.

_ Jezabel! Jezabel!

Era a voz do meu pai. Tinha me levantado para ir ao encontro dele, entretanto, minha tia me impediu. Foi ela que saiu da barraca e eu e minhas primas fomos espiar pela janela. Nunca tinha visto meu pai tão transtornado como naquele dia.

De onde nós estávamos não dava para escutar muito bem, mas percebia-se que era uma discussão árdua e que a tensão aumentava. Meu pai me queria de volta, pois ele tinha o direito, minha tia não queria me devolver pela moral e os bons costumes que diziam que uma menina não podia ser criada por um homem.

No fim das contas, meu pai foi embora e me deixou lá. Meu desespero foi enorme, eu tinha quatro anos e vi meu pai me abandonando. Por dois anos minha tia me trancou lá, por dois anos eu não esqueci meu pai. Por dois anos eu ainda sentia a dor da separação.

Não contarei o que aconteceu no decorrer desses dois anos pois muito me fere e muita coisa se perdeu de minha memória. Minha tia temia, com razão, que eu fugisse da casa dela e voltasse para ele. O que lembro era que nos primeiros meses eu chorava olhando pela janela e minha tia-avó brigava comigo,  me mandava parar.

O tempo passava e aquela porta jamais se abria para mim. Vi minhas primas passando pela puberdade, seus corpos mudando de forma, coisas estranhas acontecendo e que eu não podia saber, afinal, era muito inocente para isso. Ficamos mais sérias, não brincávamos tanto quanto antes. De dia elas me ensinavam a ler e escrever, de noite elas me ensinavam a jogar cartas.

Me presentearam com um livro delas quando eram pequenas. Meu primeiro Conto de Fadas, parecia muito com o que eu vivia naquele momento: Rapunzel, uma menina que viveu a vida em uma torre, guardada por uma bruxa.

Pareciam se incomodar com as atitudes da mãe que sempre alegava que fazia aquilo para o futuro delas. Às vezes Sofia desaparecia, Olivia parecia saber onde ela ia, quando minha tia perguntava pelo paradeiro dela a irmã encobria dando alguma desculpa.

Isso é o que eu me lembro daquela época. Os dois anos mais longos da minha vida. Lembro de sempre sentir saudades do meu pai principalmente na hora de dormir.

Dois anos… Eu estava com seis anos. Aprendi a ler e a escrever mais rápido que o normal, pelo menos foi isso que minha tia Jezabel disse. Com seis anos ela já me deixava sair da barraca, agora brincava de desenhar na areia sozinha, minhas primas já tinham seus vinte anos, meu pai tinha trinta e eu não estava lá com ele. 

Foi Sofia que convenceu a sua mãe a me deixar brincar do lado de fora. Eu aproveitava a única liberdade que possuía. Como eu não podia ir longe divertia-me com meu novo brinquedo: Escrever.  Escrevia na terra qualquer coisa que me viesse à cabeça, ela úmida,

Naquele dia, estava aproveitando essa liberdade que me deram, vi ao longe uma figura triste sentada na pedra que dividia a praia grande da pequena bacia. Era o meu pai. Olhei para trás onde se encontrava a casa, não havia ninguém ali para me vigiar. Era a minha chance, eu podia finalmente me libertar.

Corri.  Corri o mais rápido que pude. Até chegar na areia. A figura triste também corria em minha direção.

_Papai! Papai!_ gritei com esperança que ele me visse, com medo que a minha tia ouvisse, porém, eu gritei.

Olhei para trás, eu já estava bem distante quando minha tia Jezabel não tinha como me alcançar. Meu pai foi ao meu encontro e, depois de dois anos, finalmente nos abraçávamos de novo.

_ Francisco! _ minha tia conseguiu me alcançar mas, já era tarde demais. _ Devolva a menina.

_Por que eu te obedeceria Jezabel? Aiyra é minha filha.

_ O que você faz é imprudente Chico, ela é uma mocinha tem que ser criada como tal.

_ Cuide das suas filhas como mocinhas. Nunca mais volte aqui. _ ele me colocava atrás do corpo dele, com certeza com receio que ela me pegasse de volta. _ Cuide das suas filhas como mocinhas.

Ele virou-se e deixou Jezabel praguejando sozinha. Naquele mesmo dia, meu pai fez crescer um muro de espinheiros que ia do topo da pedra até a parte da areia. Praia e floresta ficaram divididas para sempre.

Meu pai não queria mais arriscar, eu brincava de escrever na areia na pequena bacia. Cresci nadando na água calma e andando pela floresta que ficava atrás da praia.

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