2. O reencontro

Juju se tornou uma grande companheira desde que fui morar ali, ainda grávida, e nos momentos mais difíceis da minha vida estava ao meu lado, sempre com uma palavra amiga e conselhos, mesmo que malucos. Foi a responsável por me tirar da fossa em que me meti há alguns anos atrás.

Alice já estava morrendo de sono. Então, após o banho, preparei um lanche e a coloquei para dormir na cama que dividíamos desde o dia que ela nasceu. Passei a noite ansiosa e demorei a conseguir pregar os olhos. Eu me imaginava vencendo na vida, oferecendo para ela o mínimo de conforto, roupas que não fossem somente de doação, a boneca que ela tanto pedia, um quartinho cor-de-rosa, então pisquei e meu despertador tocou.

Me levantei ainda desnorteada e enquanto fazia minha higiene, parei me olhando frente ao espelho.

— Você é mais do que pensa que é… Você consegue!

Eu repetia para mim mesma as palavras que Juju sempre me dizia. Nunca fui boa em me maquiar ou me vestir, sempre tive um jeito simples e discreto, além de ser extremamente tímida, mas a Ju tratou de dar um jeitinho nisso também, e é nessa parte da história que o patinho feio, no caso eu, vira cisne. A questão é que, apesar de mudar aos olhos dos outros, nunca deixei de distorcer a minha imagem ao me olhar no espelho.

Já estava pronta para sair quando Juju bateu na porta.

— Mamãe te mandou café da manhã. — Ela entrou com uma vasilha repleta de pedaços de bolo e uma garrafa de café. — Foi ela quem fez, disse para te desejar boa sorte. 

— Oh, que amor, agradeço muito, mas eu já estava… 

— Estava sentando para comer! — Ela me cortou. 

— Anda, vai comer, agora! E você não vai vestida assim. Cadê a maquiagem, garota? Pô, Melany, quanto tempo nós temos? 

— Estou ótima, não vou me trocar.

— Ah, mas vai! Você quer ou não quer essa vaga? Senta aí agora para comer e deixa que eu resolvo.

Me sentei forçada na beira da cama para comer, tentando não acordar a Alice, enquanto Juliane revirava o meu guarda-roupa torcendo o nariz.

— Definitivamente precisamos fazer umas compras — resmungou. — Mas por hoje isso vai servir.

Em poucos minutos já tinha um look mais ousado em cima da minha cama, e ela soltou os meus cabelos que estavam presos em um rabo de cavalo, depois de maquiar contra a minha vontade o meu rosto.

— Ufa, suei! Mas olha só para você… — Me conduziu até o espelho. — Maravilinda, xuxú! Agora vamos sambar na cara das inimigas! 

Eu ri e dei uma respirada funda, estava parecendo uma boneca Barbie. Não posso negar que Juju arrasava na maquiagem, além de ser extremamente estilosa. Em poucos segundos eu parecia uma nova pessoa. 

— Amei, obrigada, amiga, boa sorte para nós. 

— Sorte é para os despreparados, a vaga já é sua, meu amor! 

— Nossa…

Juliane riu e nos abraçamos com carinho.

Pegamos um metrô para a Gávea, e chegamos na empresa. Ela, plena, parecendo realmente ter ido apenas para me acompanhar, e eu, extremamente nervosa.

Conforme seguíamos pelos corredores, notei que alguns olhares me acompanhavam. Pude reparar também que algumas pessoas ali presentes falavam em francês, outras falavam um português com sotaque estrangeiro, o que me deixou nervosa e, de pronto, tive uma sensação nostálgica. Uma pessoa de quem eu não queria lembrar voltava constantemente em meus pensamentos.

— Caramba, empresa francesa? — Juliane sussurrou.

Por um momento pensei em desistir, mas decidi que estava na hora de enfrentar os meus medos e as dores do meu passado.

Quelle jolie fille! — Um rapaz comentou. 

J’ai toujours entendu dire que les Brésiliennes étaient merveilleuses, et elles le sont vraiment! — Outro respondeu.

Abri um sorriso tímido, e abaixei a cabeça, passando direto, fingindo não ter compreendido, mas a verdade é que eu entendia ao menos o básico de francês.

— Que diabos estão falando? — Juliane me cutucou. 

— Disseram que as Brasileiras são maravilhosas — falei, rindo em seguida, quando a descarada piscou para eles.

Há um tempo atrás comecei a me acostumar com elogios e olhares admirados, mas não foi sempre assim. Minha época de patinho feio ainda me causava inúmeros transtornos psicológicos com os quais eu convivia diariamente. Definitivamente, eu ainda não conseguia me enxergar como os demais diziam.

Entramos em uma sala conforme nos orientaram. Nela havia várias pessoas de diversas faixas etárias, mulheres e homens, provavelmente candidatos às diversas vagas disponíveis. Então nos sentamos, aguardando pela entrevista.

Bonjour, mes chéries, bienvenue. — Uma senhora extremamente elegante entrou, nos cumprimentando. Sua fisionomia me era extremamente familiar.

Algumas candidatas se entreolharam sem jeito, provavelmente sem entender o que ela teria dito. Notei o sorriso sarcástico no olhar da senhora e me encorajei em responder. Afinal, ela apenas disse bom dia e desejou que fôssemos bem-vindos.

Bonjour, merci beaucoup. — agradeci. 

— Lá ela… Já está até se sentindo em casa. — Juliane soltou uma risadinha, me cutucando.

A bela mulher de cabelos grisalhos me olhou sorrindo. Então notei os seus olhos azuis cor de céu, e meu coração apertou. Era incrível como tudo naquele lugar me lembrava dele, do homem que um dia destruiu a minha vida, e que eu dava tudo para conseguir esquecer.

— Vejo que temos moças bem preparadas aqui hoje. — Ela falou um português com um sotaque estrangeiro puxado, ainda sorrindo para mim, e a sua voz também não me parecia estranha. 

— A vaga já é sua, amiga. — Juliane vibrou apertando minha mão.

Recebi os olhares de despeito dos demais ali presentes, pois percebi que eu estava um passo à frente por saber Francês em uma empresa aparentemente gerida por franceses. Porém, esse fator em especial me fez querer fugir dali.

— Primeiramente, eu gostaria de me apresentar. Me chamo Rose Marie Fontenelle, sou a diretora geral das empresas Plus Belle

Quando ouvi seu sobrenome, meu coração disparou. Eu não queria acreditar que aquilo estava acontecendo, só poderia ser um terrível pesadelo. Meu corpo tremia tanto que abracei minha bolsa com força, tentando me conter.

— Não pode ser… — Gaguejei incrédula. 

— O que, Mel? — Juliane me olhou espantada. 

— Atualmente nossa sede se localiza em Paris e finalmente estamos realizando o grande sonho do meu marido e dono das empresas, que é trazer a marca para o Brasil. Afinal, apesar de morar na Europa, ele é Brasileiro e seu coração nunca deixou de bater forte pelo seu país, e principalmente pela sua terra natal, o Rio de Janeiro.

Quanto mais a senhora falava, mais desesperada eu ficava. Rapidamente as peças do quebra-cabeça foram se encaixando. Eu estava diante da mãe do desgraçado que me deixou no fundo do poço, e tudo que eu mais queria era fugir dali, até que o momento que eu mais temia chegou.

— Gostaria de lhes apresentar meu filho, Henry Fontenelle, o diretor dessa unidade e futuro chefe de apenas alguns de vocês. Ele será o responsável por explicar a todos aqui presentes como funcionam as nossas indústrias, nosso objetivo no mercado e o que esperamos de nossos funcionários. Chéri, la parole est à toi… — finalizou dando a ele a palavra. 

— Bom dia a todos, é um prazer recebê-los aqui… 

— Puta que pariu… — Juliane me olhou, levando a mão na boca.

Senti meu corpo gelar, meu coração batia cada vez mais forte no peito, quando ele entrou na sala e o vi depois de tantos anos. Depois de desejar nunca mais cruzar o seu caminho, depois de desejar a minha própria morte. Eu estava novamente frente a frente com a pessoa que mais odeio na face da terra e antes que o maldito falasse qualquer coisa a mais, minha vista escureceu e eu desmaiei.

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