Capítulo 3 - voto de confiança

Pires 🥋

Encaro a porta de aço à minha frente, enquanto ouço as conversas do lado de fora. Eu poderia sair daqui em dois tempo, mas vou deixar eles viverem o momento de glória e acharem que são os fodões.

Um erro de cálculo me colocou aqui, e estraçalhou a mão de um parceiro que eu nem sei se tá vivo pra contar história.

Encurralado num quarto de poucos metros quadrados, uma cama de concreto com um fino colchão sob ela. As paredes mofadas e com várias assinaturas e nomes de facções. Só havia as grades da porta, nem uma entrada de ar por uma janela. Isso porque ainda estava na delegacia esperando minha transferência para o presídio.

— Pires? — Pergunta o delegado que parou de frente pra porta, com as duas mãos dentro do bolso da calça, me olhando com desdém.

— Não conheço ninguém com esse nome! — Afirmo, sem quebrar o contato visual que ele mantinha, tentando me intimidar, tem que se esforçar muito ainda.

— Me falaram que é você. Comandante da Rocinha e envolvido num assalto a um carro forte.

— Falar até papagaio fala, estava passando por acaso e por eu ser negro tô aqui. Cadê a prova que eu estava envolvido nessa porra de assalto? — Me ponho de pé com os braços cruzados à altura do peito, tem que ter postura para poder cobrar. Ninguém tinha noção de quem eu era, tampouco sabiam quem era Pires a não ser a comunidade. Tô ligado que eles podem ter quase a certeza, difícil vai ser provar. — tem provas? Câmera de segurança ou algo assim?

— Não!

— Então o que estou fazendo aqui ainda? Já é madrugada, po. Tô doido pra ir pra casa dormir e tô aqui perdendo tempo. Qual foi do bagulho? Vão me prender ou só ficar me enrolando tentando jogar crime em minhas costas?

— Sua advogada já está a caminho!

— Eu não pedi para uma advogada, tampouco preciso de uma defesa se vocês não têm prova alguma contra mim.

Ele me encara por um momento e abre a cela entrando, fica frente a frente comigo e eu permaneço do mesmo modo que estava desde a hora que veio me interrogar.

Fui o mandante do assalto, mas não participei dele, só estava dando as instruções de como fazer o bagulho no sapatinho. Mas aí tem os cabeças oca que acham ser o bambambam do crime e fazem as coisas do jeito que querem, me fudi nessa porque estava próximo a eles, mas provas sobre meu envolvimento ninguém tem, sem falar que poderiam cortar a cabeça de qualquer aliado meu, que não me entregariam, lealdade acima de tudo, esse é meu lema.

— você fala bem demais pra quem é bandido! — Ironiza o delegado, com um sorriso sarcástico no rosto, permaneço na mesma seriedade e ele desfaz o sorriso rápido.

— O mal do estado é achar que todo favelado carrega diploma de burro, tu tem que entrar no favela, vai ficar chocado do quanto eles são mais inteligentes que tu. Só que diferente de você, o povo ali tem que ralar pra ser alguém na vida, e não mauricinho bunda mole que tem tudo de mão beijada, se pá até um diploma comprado. Fecha a cara, po!

— A advogada dele chegou! — O guardinha avisa chegando na porta da pequena cela, dá meia volta e sai no mesmo pique.

— Ela vai conversar com você, da sua situação. E você será detido por desacato a autoridade!

— Aí tu falou minha língua, conseguiu algo contra mim. Vou ficar lá o que? Uns 3 meses? Suave pra mim, cadeia foi feita pra homem.

— Continua com esse deboche, consigo adicionar mais uns crimes em sua ficha com um estalar de dedos.

— Terror nenhum. — afirmo e descruzo os braços, eu poderia matar ele nesse momento tão silenciosamente, e sair no mesmo silêncio, eles só saberiam de sua morte no outro dia. Mas eu gosto de dar corda pra malandro se enforcar. — Faz teu jogo!

Eu passo o olho na mulher que esta na minha frente, com os olhos apertados e o cabelo longo negro, sinto sua tensão de longe e é quase possível ouvir as batidas de seu coração. Ela passa a língua nos lábios e desliza a mão entre o cabelo, limpa a garganta engolindo a saliva e se senta na cadeira a minha frente, enquanto eu observo a algema que aperta meu pulso. É de fuder mesmo.

— Bom! — Ela faz uma longa pausa ao falar, folheia uma pasta que colocou sob a mesa, passa os olhos rápido e volta o olhar para mim novamente, encaro ela sem piscar os olhos e ela desvia o olhar para as folhas novamente. — Leonardo, está sendo acusado de ser o mandante de um assalto ao carro forte e desacato a autoridade.

— O segundo é verídico, o primeiro não tô sabendo legal. Mas diz aí doutora, dá seu papo do que pode fazer por mim?

— Estou apenas estudando seu caso, ainda não me formei. — Ela fala com delicadeza, mesmo com a voz trêmula como se eu fosse alguma ameaça. E eu sou talvez... Mas não aqui dentro. — Sem provas do seu envolvimento, você é apenas um suspeito. Preciso averiguar sua situação. Tem uma alibe para onde estava indo quando foi encontrado perto da ocorrência?

— Tava só andando pra distrair a mente, tá ligado? Se eu tivesse envolvimento acha mermo que ia tá batendo palma pra macaco dançar? Tinha fugido, po. — afirmo e estico as costas na cadeira colocando as duas mãos algemas atrás da cabeça.

— Como deve te chamar, Pires ou Leonardo? Tem algum envolvimento com o tráfico?

— Ae doutora, leva a mal não. Tu tá aqui pra ver minha situação ou ficar interrogando sobre minha vida? Eu nem pedi por imã defesa, não tô entendendo legal o motivo de tu tá aqui.

— A defensoria pública e o escritório da faculdade fornece advogados gratuitamente. Formarei esse ano, então tecnicamente, você é o meu primeiro cliente. Estou tentando fazer a coisa certa, perdoe se acha que estou sendo invasiva, mas preciso saber dos detalhes. — Seus olhos brilham a cada palavra que sai de sua boca era como se ela tivesse ensaiado por horas tudo aquilo que falava.

— Eles não tem prova contra mim, nenhuma. Como fico?

— Bom, farei o pedido do habeas-corpus e pedirei para abrir uma investigação, só aí saberemos se você tinha envolvimento. Quanto ao desacato, você terá que pagar fiança ou cumprir a pena em regime semiaberto.

— Então já posso meter o pé daqui? Pago a fiança po. Só me falarem o valor!

— Não é tão fácil assim, Leonardo. O juiz precisa aprovar meu pedido para que você possa ser solto. Farei o impossível para que você não seja transferido para nenhuma penitenciária, por que lá eu não poderei te defender, terá que ser um advogado formado.

— Quando tu se forma?

— Daqui 4 meses. — respondendo tentando entender onde ele quer chegar com isso.

— Vai embora. — prendo o ar no mesmo momento, perdi sem nem ter começado. — Me procura daqui 4 meses, eu quero ver você me defender no tribunal.

Pires, 28 anos

Isadora, 24 anos

Frida, 4 anos.

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