Embora eu não fosse uma exímia apreciadora de matemática ou de qualquer outra área que envolvesse muito esforço mental, eu havia me dedicado para explicar sobre composição e decomposição de números naturais à menina Génesis, ainda tendo de carregar o fardo de ter as palavras de lady Armstrong ecoando pela minha cabeça.
__ Então... Qual é mesmo a diferença entre a composição e a decomposição?
Pergunto a ela como forma de revisarmos uma última vez e de afastar os sentimentos ruins que começava a nutrir por aquela mulher desagradável.
__ A composição é a junção de dois ou mais elementos que quando unidos ou subtraídos formam um só e decomposição é quando decompomos em dois ou mais elementos um número natural.
Fito-a com um sorriso.
__ Muito bem, alguma dúvida relacionada a matéria?
Ela repousa o queixo na palma da mão e nega com a cabeça.
__ Se quiser pode tirar um tempo para brincar de bonecas.
Arrasto a cadeira para trás e levanto-me.
__ Eu não brinco de bonecas faz tempo, aquelas que tenho em meu quarto não passam de "utensílios" decorativos.
Eu olho para a garotinha com um sorriso divertido.
__ A senhorita tem apenas nove anos, o que lhe impede de brincar com bonecas? Eu deixei às minhas de lado apenas aos catorze anos. E não foi por livre arbítrio, tive de cedê-las as crianças mais novas do orfanato.
Confesso com tristeza.
__ Oras! Eu aprendi a ler e descobri que é muito mais prazeroso.__ ela dá de ombros.__ Os irmãos Grimm me proporcionaram ótimos momentos. Desde Hänsel e Gretel, Rapunzel, o sapateiro e os elfos, Peter e Wendy. São tantos!
Dou-lhe um sorriso, feliz por ela estar retirando finalmente as armaduras e me confidenciado os seus gostos.
__ E a senhorita? Qual é o seu autor favorito?
Sua pergunta pega-me de surpresa.
__ Eu não gosto muito de ler.
Confesso constrangida.
__ A senhorita não gosta de ler!?
Eu assinto e passo a organizar os livros didáticos sob o seu olhar estupefacto.
__ Não precisa ter vergonha.__ ela diz com um sorriso gentil.__ Eu tenho muitas colegas que também não gostam de ler, mas é porque a escola nos obriga a ler coisas chatas e desinteressantes, e isso dá uma certa raiva e preguiça da leitura, torna-se uma obrigação. Se achares um livro de que gostes, que te prenda, que te envolva e que te faça sentir dentro da trama, você vai ler e não vai querer parar nunca mais!
Génesis fala com um brilho no olhar.
__ Há uma frase de Victor Hugo, um romancista, poeta e dramaturgo francês que diz o segunite: " Ler é beber e comer. O espírito que não lê emagrece como o corpo que não come." É o autor de "Les Misérables e de Notre-Dame de Paris", não creio que seja tão desinformada ao ponto de nunca ter ouvido falar desses livros.
Eu fito-a com os olhos semicerrados.
__ É claro que já ouvi falar do histórico romance "O Corcunda de Notre-Dame" e inclusive já assisti ao filme quando era mais nova. Às escondidas, mas assisti.
Eu respondo envaidecida.
__ Posso saber o motivo de tê-lo visto às escondidas?
Génesis ri-se da minha postura pomposa.
__ Nós não tínhamos autorização para ver televisão ou para possuir aparelhos tecnológicos, as irmãs diziam que essas coisas corrompiam a alma e o coração.
Eu reviro os olhos com um sorriso nostálgico.
__ Mas, eu era uma rebelde que adorava ouvir jazz & Blues, dançar cha-cha-chá, o mambo e a salsa ao som dos ritmos que tocavam no velho rádio do senhor Juãn, um afro-latino que cuidava da segurança do orfanato nos anos de 2004, e invadir a salinha onde as freiras reuniam-se para assistir ao telejornal aos sábados.
Solto uma risada ao lembrar dos momentos vividos dentro dos muros daquele orfanato, apesar de alguns dissabores trago comigo ótimas recordações.
__ Embora tenha algumas espalhadas pelos cómodos da mansão, eu nunca assisti televisão. Lady Armstrong diz que isso diminui a massa cinzenta das pessoas, promove a violência e contribui para a inversão de valores.
Ela levanta-se e fecha os cadernos.
__ Eu não costumo concordar com muita coisa que ela diz, mas não posso desmerecer ou refutar à sua tese dessa vez. Estamos vivendo numa sociedade onde usa-se mais os aparelhos tecnológicos do que o cérebro e segundo a previsão de certos pensadores as coisas só tendem a piorar.
Eu comprimo os lábios sem saber o que dizer, mas para o meu bel prazer Génesis não havia terminado.
__ Minhas colegas costumam rir-se de mim por eu não conhecer as séries do momento, mas eu prefiro ser conotada como antiquada e continuar fazendo aquilo que agrada os meus sentidos que é ler ao adaptar-me ao que não faz parte da minha essência.
Eu aproximo-me dela e com um sorriso digo-lhe:
__ Pequena pupila, você é a pessoa mais inteligente que eu já conheci na vida!
Ela retribuiu o meu sorriso com as bochechas levemente coradas.
__ O nosso tempo já terminou.__ eu digo olhando para o relógio de pulso que acabara de apitar.__ Acompanhe-me, eu preciso voltar esses livros.
Ela assenti e segue-me pelos corredores da biblioteca que parecia conhecer como a palma da sua mão.
__ O que achou da aula?
Eu pergunto olhando para Génesis em expectativa.
__ De um a dez daria-lhe um quatro. É óbvio que tem sérias dificuldades a matemática, tive de resignar-me um pouco à sua morosidade para não fazê-la sentir-se inferior.
Eu paro bruscamente e encaro-lhe confusa.
__ O que é morosidade?
Ela sorri, parecendo constrangida.
__ Morosidade significa frouxidão, brandura e no seu caso lerdeza. A senhorita ficou bastante perdida em alguns pontos durante a explicação, eu conheço aquele tema de cor e salteado, mas tive de fingir que não sabia para não deixá-la triste.
Realmente eu estava envergonhada.
__ Por que está me dizendo então?
Ela dá de ombros.
__ Porque acabo de aperceber-me de que de nada me servirá manter essa informação em cativo.
Eu solto o ar ruidosamente.
__ Eu disse ao seu pai que sou péssima tratando-se do quesito escola.
Génesis solta uma risada.
__ O meu pai está ciente de que eu não preciso de uma tutora para aulas de reforço. Eu sou a delegada de turma e os meus professores só tecem elógios tratando-se do meu desempenho.
O seu tom soa bastante presunçoso.
__ Tudo bem, então creio que não precise de mim para ser a sua tutora?
Eu questiono em expectativa.
__ Exatamente, mas se quiser eu posso ser à sua tutora.
Ela diz num tom brincalhão.
__ Muito engraçada. O que acha de irmos ao jardim?
Pergunto após terminar de voltar os respectivos livros.
__ Sim! Eu vou mostrar-lhe algo.
Génesis segura à minha mão e me puxa até à saída da biblioteca.
__ Lady Armstrong vai ficar uma fera se nos ver agindo de forma tão desordeira.
Digo imitando à sua voz firme e imponente.
__ São duas tarde, a essa hora ela deve estar no seu quarto descansando.
Quando chegamos ao jardim eu estava arfando, coloquei as mãos no joelho tentando recuperar o fôlego.
__ Deveria exercitar-se mais, à sua postura assemelha-se a de um atlêta que acabou de correr uma maratona, e não com a de uma jovem na flor da idade, se bem que os jovens de hoje em dia desperdiçam grande parte do seu tempo ou deitados ou sentados. Endeusam o sedentarismo.
Eu ponho-me ereta e fito-a com uma careta.
__ Eu tenho medo de você às vezes. Parece uma idosa reencarnada no corpo de uma criança.
Ela dá de ombros e estala a língua no céu da boca.
__ O que a menina gostaria de mostrar-me?__ perguntei, cobrindo os olhos com o braço para me proteger do sol.
__ Apenas siga-me!
Em silêncio segui-a até uma parte mais afastada da casa, rodeada de árvores e plantas das mais diversas espécies.
__ Não acho que os meus sapatos sejam adequados para uma caminhada.
Resmungei, olhando para os meus sapatos pretos cobertos por uma fina camada de poeira.
__ Falta pouco Tessa.
Génesis segurou à minha mão e obrigou-me a andar mais rápido. Quando ela finalmente anunciou que chegamos pude respirar aliviada, olhei em volta, percebendo que a mansão era enorme.
__ Eu espero que você guarde segredo.
Eu franzi o sobrecenho, vendo ela caminhar até mim com um cesto de palha. Quando vi o que estava no seu interior arregalei os olhos.
__ São gatinhos.__ eu sorri boba, vendo os filhotes aninhados uns aos outros.__ Que fofos!
Eram brancos com pintas pretas. Eu segurei um ao colo e acariciei o seu pelo macio. O gato se enroscou em meu peito, ronronando alto.
__ Lady Armstrong sabe da existência desses gatinhos?
Génesis parou de brincar com um filhote e olhou-me assustada.
__ Não sabe e não pode saber, se não os tirará de mim.
Eu suspirei e continuei brincando com o gatinho, derretida com os seus olhos azuis como os do Senhor... Droga! O que eu estou pensando?
__ Eu adoraria continuar brincando com eles, mas temos que voltar antes que lady Armstrong procure por nós.
Génesis assentiu. Eu voltei o bichano no cesto e mordi o lábio inferior ainda encantada com a cor dos seus olhos.
No caminho de volta Génesis contou-me como os encontrou. Já faz duas semanas que ela vem cuidando deles às escondidas.
__ O meu pai se recusaria a deixar-me cuidar deles.__ ela confessou irritada.__ Ele não gosta de animais de estimação.
Collin Greenford além de intimidador e um péssimo pai também não gostava de animais, toda sua beleza começava a perder o mérito aos meus olhos.
__ Posso saber de onde estão vindo?
A voz de lady Armstrong fez-se ouvir logo atrás de nós.
__ O senhor Greenford hoje chegará cedo, a menina deveria estar se arrumando, não perambulando à-toa.
Sua expressão carrancuda me deixou encolerizada. Desde que eu cheguei a essa casa não vi essa mulher desarmada uma única vez.
__ Nós viemos apenas tomar um pouco de ar fresco, mas já estávamos voltando. Anda Génesis.
Génesis segurou a minha mão e abaixou o rosto quando lady Armstrong a fuzilou com os olhos.
Megera!
Murmurei impaciente.