A fortaleza parecia respirar naquela noite.Caelum, pequeno demais para as armaduras pesadas dos guardas, leve demais para fazer barulho, esgueirava-se pelos corredores como uma sombra viva.Ele sentia a mentira como uma mancha no ar, uma vibração errada no tecido da noite."Mamãe e papai diriam para eu não fazer isso..." pensou."Mas se eu não fizer, quem fará?"A presença falsa, detectada horas antes, ainda estava lá. Um cheiro doce demais, um sorriso muito branco, um pensamento muito limpo na superfície... e uma podridão escondida logo abaixo.Caelum usava tudo o que Ylva ensinara: andava com o vento, sentia o chão, mantinha seus sentidos como uma lâmina fina e afiada. Não precisava ver. Sabia.Passou por corredores, cozinhas, salas vazias. Subiu as escadas antigas que davam para as alas superiores da fortaleza. Ali, onde ficavam os convidados... os mais recentes.A mentira vinha dali.Caelum se escondeu atrás de uma tapeçaria quando ouviu passos. Dois guerreiros da antiga guarda d
Caelum acordou antes do sol.O céu lá fora ainda era um mar de breu, mas seu coração já batia como um tambor de guerra."Hoje eu começo."Vestiu uma túnica leve, puxou a capa escura que Ylva havia lhe dado — feita de lã de sombra e galhos antigos — e saiu do quarto pé ante pé, sem acordar Aurora e Darius.Era hora de investigar mais.Não bastava saber quem era o inimigo. Ele precisava saber o que pretendiam, quando agiriam... e como derrubá-los antes que sequer tivessem chance.Caminhou até os limites da fortaleza, onde o velho pomar de árvores retorcidas escondia trilhas secretas. Ali, Ylva o esperava.— Você veio. — disse a loba anciã, com um sorriso torto.Caelum assentiu, os olhos sérios.— Preciso aprender mais, rápido. Tem gente fingindo ser leal. Vão machucar minha família.Ylva cruzou os braços, avaliando-o. Ali estava o filhote... mas havia um fogo nele que a maioria dos adultos perdera há muito.— Então você vai aprender a ouvir com o corpo. — ela disse. — Não com as orelhas
O salão principal da fortaleza estava tomado por luz e vida naquela manhã.Aurora caminhava entre os corredores, o olhar vigilante, os sentidos sempre aguçados.Ela sentia — como uma música silenciosa — que algo no ar ainda estava errado. Mesmo com a paz aparente, o instinto primal dentro dela dizia: Cuidado.Darius a seguia de perto, o olhar de alfa endurecido, a mão sempre pronta para tocar a dela, como se a presença física fosse um juramento silencioso: Não importa o que venha, vamos enfrentar juntos.— Está inquieta. — Darius comentou, a voz grave e baixa, para que só ela ouvisse.Aurora soltou uma risada seca.— E você não está?Ele a puxou de leve para um canto onde ninguém poderia ouvi-los. Ali, de frente para a mulher que era metade de sua alma, Darius deixou cair a máscara de rei por um segundo.— Desde que você voltou, Aurora... — ele disse, os olhos fixos nos dela —, eu acordo no meio da noite com medo de perder você de novo.Ela o tocou no rosto, suave.— Não vai. — promet
O vento da madrugada assobiava entre as torres da fortaleza.Era uma noite fria, cheia de promessas quebradas e segredos sussurrados nas sombras.Aurora acordou de repente, o coração martelando no peito.Ao seu lado, Darius já estava meio sentado, olhos dourados acesos no escuro como duas brasas.— Você sentiu? — ele perguntou, a voz rouca de preocupação.Ela assentiu.— Caelum. — disse, já jogando o cobertor de lado.O espaço vazio no quarto do pequeno era a primeira confirmação de que algo não estava certo.Darius rosnou baixo, um som instintivo, primitivo.— Ele está escondendo algo da gente. — rosnou. — E isso não é normal. Nem para um filhote precoce como ele.Aurora caminhou até a janela, os olhos vasculhando o pátio silencioso. Ela podia sentir o cheiro do filho no ar: misturado com... medo? Excitação? Culpa?— Ele não está apenas brincando. — ela murmurou. — Ele está... investigando.Darius se aproximou, as mãos fortes pousando nos ombros dela.— Talvez tenha herdado mais de v
O cheiro de sangue fresco cortou o ar da manhã como uma lâmina. Era uma coisa antiga, primitiva. Impossível de ignorar.Darius ergueu a cabeça na mesma hora, o instinto de Alfa despertando como uma fera acorrentada.— Aurora. — rosnou, já mudando de forma no meio do salto.Aurora não hesitou. Em segundos, a loba prateada que existia dentro dela emergiu — selvagem, deslumbrante, mortal.Ambos correram em direção à fonte do cheiro, o coração batendo como um tambor de guerra. Algo estava errado. Muito errado.Dentro do celeiro, duas figuras encapuzadas encurralavam Caelum.O menino, pequeno e corajoso, tremia com o corpo colado à parede. Seus olhos dourados — tão brilhantes quanto o sol nascente — estavam arregalados, cheios de medo... e algo mais. Determinação.O primeiro traidor avançou, segurando uma adaga de prata enegrecida. Aurora sentiu a bile subir à garganta. Aquela arma era feita para matar lobos como eles. Sem misericórdia. Sem chance de cura.— Agora, moleque! — rugiu o lobo
Darius Blackwood e Aurora Hale cresceram em alcateias vizinhas, mas seus caminhos raramente se cruzaram. Ele era o herdeiro do título de Alfa da Lua, criado para comandar com força e respeito. Ela, filha de uma família respeitável, mas sem posição de liderança, sempre esteve à margem dos círculos de poder.A primeira vez que Aurora ouviu falar de Darius, ele já carregava a fama de ser um conquistador implacável, alguém que nunca levava um relacionamento a sério. Suas histórias eram sussurradas entre as fêmeas da matilha—todas o desejavam, mas nenhuma o possuía.Ela, por outro lado, nunca deu importância a isso. Sempre acreditou que sua alma gêmea viria no momento certo, alguém que a respeitaria e a amaria de verdade. Nunca cedeu a flertes vazios, pois seu coração e seu corpo pertenciam apenas ao seu verdadeiro companheiro.Darius, por mais que fosse cercado por pretendentes, também nunca encontrou uma conexão real com ninguém. Mas, ao contrário de Aurora, ele escondeu esse desejo sob
O silêncio entre eles era sufocante. Aurora sentia o peso do olhar de Darius sobre si, intenso e predatório. Seu corpo respondia ao chamado do laço, cada célula ansiando por ele, mas sua mente se recusava a ceder.Não podia ser ele.Ela deu um passo para trás, tentando recuperar o fôlego.— Eu não sou sua. — Sua voz era mais firme desta vez.Darius franziu o cenho, seu lobo rosnando dentro dele. O ar ao redor pareceu vibrar com sua fúria reprimida.— Não minta para mim, Aurora. — Ele deu um passo à frente, diminuindo a distância entre eles. — Você sentiu. Eu sei que sentiu.Ela engoliu em seco. Sim, sentiu. O vínculo era inegável, ardia em sua pele como uma marca invisível. Mas aceitar isso significava aceitar um homem que, até aquele momento, ela só conhecia por sua fama.Ela cruzou os braços, tentando esconder o tremor nas mãos.— Eu não confio em você.As palavras foram um golpe mais forte do que qualquer ferimento. Os olhos de Darius brilharam em fúria e algo sombrio passou por se
O rosnado de Darius ecoou pela clareira, fazendo até mesmo os lobos mais experientes estremecerem. Sua postura era predatória, cada músculo tenso, pronto para atacar. Os olhos dourados brilhavam com fúria enquanto ele encarava o homem que ousara desafiá-lo.Aurora sentiu um arrepio percorrer sua espinha. O poder de um Alfa era avassalador, e ali, diante dela, estava um dos mais temidos e respeitados de toda a região.Ela conhecia aquele lobo. Caleb Vaughn, um guerreiro arrogante da alcateia do norte, sempre à procura de uma briga. Ele não era um Alfa, mas sua sede por domínio o tornava perigoso.— Eu só disse a verdade. — Caleb sorriu de canto, cruzando os braços. — Sua fêmea não parece muito entusiasmada com essa união. Quem sabe ela prefira um lobo menos… impulsivo?Darius avançou antes mesmo que Aurora pudesse processar as palavras.Rápido como um raio, ele agarrou Caleb pelo colarinho e o ergueu alguns centímetros do chão. O outro lobo grunhiu, surpreso, mas não teve tempo de reag