A lua cheia brilhava alto no céu, testemunha silenciosa do novo ciclo que se iniciava. Aurora caminhava entre os lobos, o vestido cerimonial dançando com o vento, os cabelos presos apenas por fios de prata. Havia orgulho em seu porte. Havia fogo nos olhos. Não era mais uma fêmea perdida — era uma rainha.Ao seu lado, Darius exalava poder. O alfa tinha mudado. A marca idêntica à de Aurora ainda queimava em sua pele como se tivesse sido gravada a ferro e magia. E com ela, algo novo corria em seu sangue. Uma força estranha, pulsante, ligada não só a Aurora... mas ao filho que ela carregava no ventre.As duas matilhas agora viviam sob o mesmo céu. Tendas foram erguidas, alianças foram seladas, e guerreiros que antes se olhavam com desconfiança agora caçavam lado a lado. Mas, no meio da celebração, Darius sentia uma inquietação que não conseguia explicar.Ele observava Aurora de longe, envolta por lobas que trançavam seu cabelo e lhe contavam histórias antigas, chamando-a de "sangue ancestr
A noite seguinte à cerimônia foi silenciosa demais.Mesmo com as duas matilhas reunidas, caçadores espalhados e sentinelas atentos, algo pairava no ar como uma névoa invisível: uma sensação de que estavam sendo observados. Aurora sentia em sua pele, como se os pelos do lobo dentro dela arrepiassem sempre que o vento mudava.Darius, por outro lado, estava inquieto. Desde a visão, desde o sussurro. O rosto de Elena insistia em aparecer quando fechava os olhos. Por mais que se odiasse por isso, seu instinto dizia: ela está viva.Naquela manhã, ele se afastou do acampamento sem avisar Aurora. Seguiu a trilha dos presságios, dos ventos tortos, da energia maldita que reconhecia mesmo depois de anos.E ela estava lá.Parada no meio da floresta. Pálida como a morte, mas viva. Inteira. Mais poderosa do que ele se lembrava.— Olá, meu alfa — disse ela com um sorriso venenoso, inclinando a cabeça como se nada tivesse acontecido.Darius congelou. O coração bateu rápido. Ela era real. Estava viva.
Darius voltou à clareira com o peito em chamas.O reencontro com Elena havia deixado marcas — não no corpo, mas na alma. A bruxa que ele pensou ter enterrado havia voltado das trevas com olhos de víbora e palavras afiadas. E agora, o mais perigoso: estava solta, escondida, espalhando veneno como uma serpente silenciosa.Aurora o esperava, sentada na beira do lago, os pés descalços e os cabelos soltos ao vento. Parecia calma, mas ele sentia que não era só intuição — era o laço. Ela sabia.— Você viu ela, não foi? — a voz dela cortou o silêncio como uma lâmina.Darius parou.— Vi. Elena está viva.Aurora virou lentamente o rosto. Havia um brilho nos olhos dela que ele nunca tinha visto. Algo entre raiva e dor. Algo ancestral.— E o que você sentiu?A pergunta foi uma flecha envenenada. Ele podia mentir, amenizar, fugir. Mas ela o veria. Saberia. Então, não disfarçou.— Senti ódio. Senti raiva de mim mesmo por um dia ter acreditado naquele laço falso. Mas... senti também que ela ainda sa
Aurora vagava pela mata, os pés descalços afundando na terra úmida, o coração feito um tambor de guerra batendo no peito. As imagens do sonho ainda pulsavam em sua mente, frescas como se fossem reais. O toque dele… em outra. O olhar de desejo. A marca no pescoço.Elena.Tudo nela gritava que era mentira. Tudo… menos a dor.O vínculo entre ela e Darius, que antes era luz e força, agora parecia enevoado, instável. Como se algo o contaminasse, como se ele estivesse sendo dividido. Ela se sentia fraca. Sozinha. Vulnerável.Foi então que a floresta sussurrou.— Está quebrando, filha da lua...Aurora parou.— Quem está aí?Do meio das árvores, surgiu uma figura encurvada, coberta por peles antigas e colares de ossos. A loba anciã, Morgra. Ninguém sabia sua idade, mas todos sabiam que ela era a guardiã do antigo. Daquilo que até a Matilha da Lua Negra temia.— A marca em ti está em guerra — Morgra murmurou, se aproximando devagar. — A magia quer te dividir. Ela usa tua mente. Teu ventre. Tua
A noite caiu pesada sobre a floresta. Nenhum som de coruja, nem o farfalhar do vento. O silêncio era espesso como fumaça. Aurora sentia o coração pulsar junto à terra, agora conectada a algo que nem ela compreendia completamente. Morgra dormia encolhida perto do fogo, mas a jovem não conseguia fechar os olhos. O espelho e o frasco prateado estavam ao seu lado como lembretes de que nada seria como antes.Ela bebeu o líquido.No segundo seguinte, foi como se tivesse engolido relâmpago. A mente clareou. As vozes sumiram. Pela primeira vez em dias, ela conseguia pensar sem dor.E com clareza veio a decisão.Ela ia treinar. Ia lutar. Ia proteger o que era dela.—Enquanto isso, na fortaleza, o caos.Darius destruía o salão principal. A mesa da aliança — partida ao meio. Os guerreiros se entreolhavam, tensos, sem ousar interromper o alfa em fúria. As garras dele estavam à mostra. Os olhos, dourados e bestiais. Um rugido ecoou pelas paredes de pedra, estremecendo até os pilares.— Quero Morg
Os trovões anunciavam o que viria.A floresta parecia em suspense, as árvores inclinadas como se prestassem reverência à loba que agora caminhava entre elas com olhos de relâmpago. Aurora não era mais apenas a filha da lua perdida. Ela era o eco de um poder antigo, o despertar de uma linhagem esquecida, o ventre de um novo tempo.A capa negra balançava atrás de si, presa aos ombros por presilhas de osso lunar. Morgra, silenciosa, observava do alto da colina. A aprendiz estava pronta. Mas não era apenas uma luta que se aproximava… era o destino cobrando sua dívida.— Vai sozinha? — perguntou a anciã, mesmo já sabendo a resposta.Aurora não hesitou.— Essa batalha é minha.Morgra assentiu, entregando-lhe o colar de garras prateadas.— Que os espíritos antigos te reconheçam. Que tua luz fira os olhos dos traidores.Aurora sorriu de canto. Um sorriso de lobo.— Hoje, eu acabo com a bruxa.—Na fortaleza, Darius sentiu a mudança no ar.Ele estava no salão, os olhos fechados, quando o víncu
O portão da fortaleza se abriu com um rangido ancestral, ecoando pelos corredores como um presságio. Todos pararam. Lobos em forma humana, servos, guerreiros… ninguém ousava dar um passo ou sequer respirar alto. Porque o ar tinha mudado.Um cheiro novo... ou melhor, antigo, tão forte quanto sangue derramado e tão doce quanto o cio da lua cheia.Aurora estava de volta.Caminhava entre eles de cabeça erguida, coberta de terra, ferida, mas invencível. Os olhos dela — brilhantes como prata fundida — não desviavam de nada. Quem a olhava nos olhos, abaixava a cabeça. A fêmea que saíra da fortaleza era uma loba dividida. A que retornava… era uma rainha forjada na guerra.No alto da escadaria, Darius esperava.Quando seus olhos encontraram os dela, algo se partiu dentro dele. Era o desejo bruto, sim, o amor que não cabia no peito… mas também a culpa. Porque mesmo sem ter cedido à Elena, ele se sentia sujo por ter sido manipulado, fraco por não ter enxergado antes.— Aurora… — ele sussurrou.E
A noite caiu pesada sobre os telhados da nova fortaleza. O vento assobiava entre as torres como um presságio antigo, e a lua, quase cheia, parecia observar tudo lá do alto — silenciosa, cúmplice, julgadora.Aurora caminhava pelos corredores escuros como uma sombra. Não queria ser vista, não ainda. Darius dormia, exausto depois de uma reunião com os anciãos das duas matilhas. E ela… precisava fazer aquilo sozinha.O ventre pesava. Não fisicamente — ainda não. Mas o lobo que crescia dentro dela pulsava com poder. Às vezes, ela sentia como se outra alma tocasse a dela, chamando, sussurrando segredos que ainda não sabia decifrar.Parou diante da porta coberta por folhas secas e símbolos ancestrais. A caverna de Morgra.Aurora bateu uma vez. A madeira gemeu. A voz da velha surgiu do escuro, rouca como pedra:— Eu senti você. Entra.A jovem loba respirou fundo e entrou. O ambiente era abafado, repleto de ervas penduradas e velas acesas que pareciam queimar com um fogo que não vinha desse mu