Aurora dormia profundamente, os cabelos espalhados no travesseiro como uma auréola selvagem, o corpo ainda aquecido pelo toque de Darius. Mas a paz durou pouco. A escuridão a envolveu como um véu e, sem aviso, ela foi tragada por um redemoinho de imagens.Estava em uma floresta desconhecida. O céu acima era púrpura, tingido de sangue. A Lua, gigantesca, tremia no alto como se estivesse à beira de desabar. Corvos voavam em círculos, grasnando mensagens que ela não compreendia.— Aurora… — uma voz sussurrou. Não era masculina. Nem feminina. Era como se a própria terra falasse com ela.Ela virou-se e viu... ela mesma. Ou melhor, uma versão distorcida de si, com os olhos completamente negros e a pele marcada por símbolos antigos. A outra Aurora sorriu, e seus dentes eram afiados como presas.— Você está marcada. Escolhida... ou amaldiçoada. Ainda não decidiram.Aurora deu um passo para trás, mas as árvores ao redor começaram a se fechar, galhos retorcidos como mãos tentando agarrá-la.— O
Aurora sentia os olhares sobre ela como punhais invisíveis. Os guerreiros ao redor se calaram, mas o julgamento estava estampado em cada rosto. Ela engoliu em seco, o sonho ainda reverberando em sua mente como um presságio. Mas agora, o que doía mais era ver Darius parado ali, sem dizer uma palavra.Elias rompeu o silêncio, sem tirar os olhos dela:— Ela ouviu tudo.Darius não se moveu. Não piscou. Só respirava fundo, como se tentasse conter algo prestes a explodir.— Então diga, Darius — Elias insistiu, virando-se de volta para o alfa — Quem você escolhe? Sua alcateia... ou ela?A pergunta caiu como uma pedra no centro de um lago congelado. Aurora sentiu o impacto no peito.Darius, enfim, se virou. Seus olhos dourados estavam tomados por um brilho indecifrável — era dor, era raiva, era amor e medo misturados numa única expressão.— Vocês são meu sangue. Minha família. Lutei por cada um aqui. Sangrei, matei, perdi irmãos... — ele disse, a voz firme, mas baixa. — Mas ela é minha alma.
A floresta parecia mais silenciosa do que o normal.Os galhos não rangiam. Os pássaros tinham sumido. E a névoa... densa, quase viva, rastejava como serpente pelos troncos das árvores.Os patrulheiros pararam ao chegar na clareira. Um deles, o mais velho, deixou escapar um palavrão baixo.— Por todas as luas…Ali, no centro da clareira, jazia um corpo. Um guerreiro. Da própria alcateia.Seu peito estava nu, aberto como se algo tivesse queimado os pelos da carne. Mas o pior não era o sangue — era o símbolo. Gravado a ferro na pele. O mesmo símbolo que Aurora tinha nas costas. Antigo. Estranho. Quase... pulsante.Darius chegou logo atrás, os olhos ávidos, farejando o ar.— Tem cheiro de magia — murmurou. — E de morte.Elias o seguiu de perto, parando ao lado do corpo. O silêncio entre eles era pesado.— Isso é um recado — disse Elias, a voz seca. — Um aviso.— Eles estão mais perto do que achávamos — Darius respondeu, os olhos dourados queimando raiva contida.— Se é a Matilha da Lua Ne
A madrugada estava densa, abafada, como se o próprio ar soubesse que algo estava prestes a quebrar. As fogueiras da alcateia ardiam mais fracas que o habitual, e o uivo dos lobos parecia ter se recolhido para dentro da garganta de cada um.Aurora não dormia. Estava encolhida num canto da cabana, tremendo, o corpo ainda sentindo o eco dos sonhos. Sonhos que mais pareciam lembranças... mas de outra vida. De outra pessoa.Fogo. Gritos. Uma mulher vestida com roupas antigas, chorando diante de um berço envolto em chamas. Um trono vazio. Símbolos como o que carregava nas costas, gravados nas paredes de uma caverna feita de ossos e cristal.E no fim, sempre a mesma palavra sussurrada por uma voz feminina, antiga, quase maternal:"Desperte."Ela acordou com um grito preso na garganta — e com o mundo ao seu redor... quebrado.O chão de madeira sob seus pés rachara, linhas finas de fenda espalhando-se como veias por todo o cômodo. Um vento estranho soprava dentro da cabana, mesmo com as janela
A alvorada chegou coberta de névoa, espessa como lã. O silêncio era estranho, pesado, diferente do costumeiro alvoroço das aves e dos passos apressados dos guerreiros. A floresta parecia segurar o fôlego.Aurora acordou com um arrepio subindo pela espinha. Não era frio. Era presságio.Ela vestiu a capa às pressas e saiu da cabana, os olhos varrendo o acampamento. Vários lobos estavam reunidos na borda da clareira, murmurando, tensos. Um cheiro forte de sangue no ar denunciava que algo havia acontecido — algo ruim.Ela correu até lá, o coração disparado.E então viu.Havia corpos.Três patrulheiros, deitados lado a lado como oferendas. Os olhos abertos, mas sem vida. Não havia sinais de luta. Nenhuma gota de sangue fora dos corpos. Só o silêncio — e as marcas.As mesmas marcas que Aurora carregava nas costas.Cravadas no peito de cada guerreiro com precisão cirúrgica. Queimadas. Como se tivessem sido feitas com ferro em brasa.Aurora cambaleou para trás.— Quem fez isso...? — ela sussu
Naquela noite, Aurora não conseguiu dormir. Cada vez que fechava os olhos, via os corpos — as marcas — e, pior ainda, sentia algo queimando dentro de si.Era como se a própria pele estivesse viva.Ela tentou se acalmar, respirar, pensar em outra coisa. Mas então... uma memória surgiu.Uma mulher. Com olhos como os dela. Cantando uma canção que ninguém mais parecia entender.Aurora se sentou na cama, suando. Não era um sonho. Era uma lembrança.— O que está acontecendo comigo...? — ela sussurrou, apertando os punhos contra as têmporas.Foi quando algo estalou.Literalmente.Um dos jarros de cerâmica em cima da prateleira rachou no meio. Do nada. Sem toque, sem vento. Só... rachou.Aurora arregalou os olhos. Levantou-se devagar, o coração disparado. Quando tocou o jarro rachado, um clarão azulado brilhou em sua mão — e explodiu, arremessando-a contra a parede da cabana.Do lado de fora, Darius e Elias correram ao ouvir o barulho.Aurora tentava se levantar, tonta, os olhos piscando rápi
A noite chegou mais silenciosa do que o habitual. Nenhum uivo, nenhum farfalhar de cauda entre os arbustos. A alcateia parecia suspensa no tempo — como se o próprio mundo soubesse que algo estava prestes a mudar.Aurora ficou de pé diante da janela, os olhos perdidos no breu da floresta. O vento gelado batia contra sua pele, mas ela mal sentia. Sua mente estava tomada por lembranças: o toque de Darius, sua voz rouca dizendo “você é meu lar”… e a dor em seus olhos quando ela perdeu o controle.Ela não podia deixá-lo passar por isso de novo.Seus dedos apertavam um pedaço de pergaminho, onde as palavras ainda estavam frescas, rabiscadas com pressa, mas carregadas de sentimento.Colocou a carta sobre a mesa de madeira onde Darius costumava deixar seus mapas. Um lugar onde ele a encontraria. Um lugar impossível de ignorar."Darius,Você sempre foi o único lugar onde meu coração descansou. Meu lobo reconheceu o seu antes que eu mesma soubesse o que sentia.Mas agora… eu sou um perigo. Algo
O lago agora estava silencioso. As figuras encapuzadas cercavam Aurora como sombras vivas, imóveis como estátuas de pedra. O frio aumentou, mas não era um frio natural. Era um arrepio que vinha de dentro, como se o ar ao redor tivesse sido arrancado do tempo.Aurora apertou o casaco contra o corpo, protegendo mais do que sua pele. Protegendo o segredo que pulsava sob suas costelas — seu filho. Ou filha. Ou o que quer que fosse essa nova vida que ela mal conseguia entender. Mas já amava.Um dos encapuzados deu um passo à frente. A voz soou rouca, mas carregada de autoridade.— A Lua enfim trouxe você. A filha perdida. A marca viva da linhagem esquecida.Aurora não respondeu. Sentia o gosto do medo na boca, mas manteve o queixo erguido. Eles a chamavam de filha, princesa, como se já soubessem quem ela era. Mas ela mesma ainda não sabia. E não confiaria cegamente em ninguém.— Não sei quem vocês são — disse, firme. — Nem por que me chamam assim.O homem — se é que era um homem sob aquele