Vampiros

Por nossas condições nada sadias dificilmente presenciávamos brigas em Santa Bárbara, não por falta de motivos, nossas energias eram melhor utilizadas em outras atividades,  mas eu nunca vi sangue, mesmo quando recebia medicamento nas veias ou quando um colega se machucava, nunca ví porque, de alguma forma, sentia o cheiro antes que o líquido vívido jorrasse para fora e olhava para o outro lado. 

 O destino resolveu mediar essa situação com juros abusivos, pois eu estava no meio de algo sangrento, cerrei os olhos tentando me situar depois da queda. O que presenciei próximo a mim assemelhava-se a um set de ação, não entendia  que tipo de arma usavam para fazer rasgos profundos na pele de seus oponentes obrigando  a cor escarlate a sair, respingando em todos os lugares.  Eles estavam usando as próprias mãos? Como isso era possível?! 

 A sinuosa luz da lua avermelhada se espelhou no rio fazendo juz a um aquífero de sangue.O que poderia descrever como tudo, exceto como homens, lutavam às margens, tão logo um deles foi jogado na água, sumiu, simplesmente desapareceu,   para reaparecer no segundo seguinte atrás de seu agressor atacando-o brutalmente. A visão  me deu mais certeza que tinha caído e batido a cabeça na estrada de tijolos amarelos da praça Dultra.  

Alguns mais afastados, à beira da vegetação sinuosa, provocavam  barulhos terríveis ao derrubar as árvores com seus movimentos não humanos fazendo as gotas frias de  orvalho nos  banharem com uma garoa. Seus ataques eram rápidos, vultos ambulantes, quase imperceptíveis aos olhos mundanos.  Meu sangue gelou ao me dar conta do perigo tão próximo. Ofeguei alto vendo a garganta de um deles ser rasgada, como faca na manteiga, tento me levantar procurando uma saída do meio daquele massacre, poderia estar tendo uma alucinação, mas não ficaria parada para descobrir.

A dor nas minha mão machucada  desapareceu momentaneamente e eu a uso para levantar. Já em pé, procuro brechas para escapar, por todos os lugares que penso em me esgueirar os vultos tomam conta, estou exatamente no meio deles. 

Minha aparição repentina chamou a atenção das criaturas humanoides, me encolho reflexamente, meu inconsciente  diz para correr com tudo que eu tenho, minha respiração, antes arfante pelo choro, agora oscila se juntando ao pico de adrenalina que me revigorar, assim como no zoológico, aquele  arrepio na espinha me rasga e olhos de predadores me consomem, Cruzo com lumes raivosos,

 Desejando criar asas e decolar, seria a única forma de escapar. Numa oportunidade única corro rumo à floresta, eu nunca fui muito corajosa ou curiosa, essa coisa, o que quer que seja, não me interessa, eu só preciso sair daqui.  Mal dou dois passos e dedos quentes tocam minha pele, sou pega e erguida do chão pelo pescoço, mãos fortes envolvem sem dó minha carne, o solavanco deixa meu corpo mais pesado com o balançar do meu tronco. 

É claro que não pensei antes de tentar me desvencilhar, as duas pessoas mais importantes da minha vida também fariam exatamente a mesma coisa, principalmente ele. 

“Nem sempre Tess e eu estaremos aqui para te proteger “ Gabriel senta ao meu lado depois de dar uma lição nos garotos que me atormentavam. Ele flexiona as mãos, suas juntas estão um pouco escuras, mas ele não se importa, talvez essa seja a única coisa boa da sua doença: não sentir dor.

Fico calada com a fala com duplo sentido, muitas crianças entravam em Santa Bárbara e não saiam mais. 

“Use o que tiver e não deixe que vejam o  quanto te afetam, vai se surpreender” ele diz me mostrando aquele sorriso mesquinho e reconfortante.

Você estava certo, afinal.

Penso.

 É automático balançar  meus pés tentando chutar na virilha quem me capturou, em resposta seus dedos apertam ainda mais, fazendo-me  parar o ataque à suas partes. O sorriso satisfeito que dou, me assustando com minhas atitudes o faz me estudar com cuidado, ele até se dá espaço entre nós. Eu só não quero continuar sendo uma vítima, desejei por muito tempo estar do outro lado: caçar, espreitar, quão bom seria? ser o coelhinho fofo e doente já tinha me cansado. Por quanto tempo mais eu me permitiria ser assim?

Acho… acho que estou cansada, exausta de me importar. 

A antiga Mari se encolheria e imploraria, ela choraria e se perguntaria o porquê. E por mais que meu corpo grite para agir dessa forma eu luto comigo mesma. Cogito enfiar meus dedos em seus olhos, a parte mais frágil que consigo  encontrar nesse ser sombrio. Esqueço a idéia quando paraliso  de espanto. 

O luar ilumina seus olhos demoníacos.

Todo o globo ocular dele era preto, linhas  escuras e finas saiam de seus olhos tomando conta das pálpebras, eram semelhantes as raízes de raios, e... e na sua boca havia presas grandes e ensanguentadas, ele  mostrou  a coisa afiada  me fazendo desistir de qualquer iniciativa. Eu sabia, ele estava prestes a  rasgar minha garganta se eu ousasse  me mover. 

Seu foco sai da minha garganta e nos encaramos, o embate entre nós deveria ser entre um predador e uma presa, mas naquele momento nós encaramos como iguais, quando eu acordar irei desmoronar, agora não é hora. Mantenho minha postura ereta por mais que esteja impossível de puxar o ar. Raiva e desprezo transforma-se confusão da parte da criatura. 

— Seus olhos? — o ser exclama confuso. Tento falar algo, responder qualquer coisa, ganhar tempo. As palavras não saem, ele percebe que sua mão  aperta firmemente meu pescoço me impedindo  de responder sua pergunta, e me coloca novamente no chão. Tusso um pouco, por causa da queimação na minha garganta.

A única coisa incomum nos meus olhos que o direito tinha uma pinta marrom semelhante a uma folha, na verdade todo meu corpo tinha marcas estranhas. Será que ele iria querer meu globo ocular para uma coleção doentia?

— Me diga, onde conseguiu esta  marca nos seus olhos?— me grita entre dentes  as palavras.

Condessa

Prontinho, minha editora arrumou minha bagunça.

| 7
Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo