Capítulo 09

Minha barriga estava sangrando muito devido aos cortes das garras do César, minha blusinha já estava toda rasgada, cobrindo apenas a parte dos meus seios, a dor que eu estava sentindo era muita, mas precisava continuar e esperar meu corpo se regenerar para poder escapar daqui com as meninas que estavam em choque na cama.

As roupas da Maria Elena estavam todas rasgadas e provavelmente ela estava com as costas feridas devido à brutalidade de Július, a sorte é que cheguei a tempo antes dele conseguir abusá-la. Mesmo assim, a humana estava ainda com medo e depois de me ver, o meu estado, ficou mais nervosa ainda. Eu a entendo, pois nunca tinha visto uma briga entre lobisomens na sua frente, e a minha Kamillinha, era somente uma criancinha de 5 anos, não recebia nenhum treinamento de luta, portanto não entendia bem as coisas.

 – Levantem-se, depressa! – Disse enquanto as pegava pelos braços. Eu realmente não queria ser grossa, mas devido ao barulho que causamos, com certeza já estavam chegando mais soldados para averiguarem o local, seria mais difícil de escapar. O quarto estava destruído, apenas as camas permaneciam no local, o resto estava todos embaixo dos escombros da parede que quebrou devido ao impacto da luta. Eu precisava de roupas novas, pois a minha e da Elena estavam rasgadas. Não tínhamos tempo para isso, teríamos que fugir com as roupas que estávamos mesmo.

Maria Elena estava recobrando o juízo e a Kamilla permanecia de cabeça baixa enquanto saíamos do quarto para o corredor que dava a parte de trás da cabana das escravas. Por sorte, já estava anoitecendo então os soldados acordados já estavam voltando para suas casas a fim de descansarem, então aqueles dois que estavam na entrada na cabana quando cheguei, pouco depois saíram antes da briga que tive com Carlos e Július.

A parte de trás da cabana ficava em frente ao riacho que pegávamos água e o mesmo que cinco escravas tinham desaparecido misteriosamente. O plano original da fuga era ir para as montanhas, em direção ao território dos humanos, poderíamos nos misturar com eles e conseguir viver em paz, mas devido aos fatos, estávamos indo para outro rumo, em direção ao riacho, que provavelmente teriam lycans da outra alcateia, ou seja, inimigos.

Algumas escravas estavam sendo escoltadas pelos soldados enquanto voltavam do riacho, então, para não ser vista, tive que fazer um breve desvio em direção a uma cabana ao lado, era a cozinha. Assim que entrei com as meninas, pude ouvir gritos de dor e um barulho de chicote. Assim que reconheci a voz, meu coração acelerou, comecei a suar frio de nervosismo. Era a dona Tâmara, a senhora que fazia comida para o Alfa na minha ausência, a mesma senhora gentil e carinhosa que me chamava de criança, que me dava comida escondida quando eu dizia que estava com fome, nunca fez mal ou ofendeu ninguém, sempre esperançosa, que tentava acalmar todas as escravas que estavam tristes ou que tinham sido violentadas.

 – Por quê? – Me perguntei em pensamento. – Pra quê essa violência? – Fiquei indagando enquanto avançava na direção da cozinha deixando as meninas para trás. Assim que entrei na cozinha fiquei paralisada. Eu não havia me preparado para a cena que estava na minha frente, aquela pobre senhora de bom coração estava no chão ensanguentada, com cortes profundos na pele causados pelos pregos do chicote daquele soldado, o pai da pirralha que tinha arranhado o rosto da Kamilla há alguns dias, ele estava fazendo isso para me punir, já que não conseguiu se vingar de mim, resolveu se vingar na dona Tâmara, pois eu a adorava, afinal, quem se importaria se uma escrava morresse? Ele estava matando ela, espancando-a até a morte.

Meus olhos cheios de lágrimas começaram a brilhar em um vermelho intenso de puro ódio! Dei um rugido e um pulo tão alto que senti como se estivesse totalmente recuperada, tamanha era a adrenalina no corpo. Ele estava tão entretido com o que estava fazendo que não percebeu minha presença. Quando olhou na minha direção já era tarde demais. O impacto do pulo fez o macho cair no chão e eu em cima dele, minhas garras cravaram nos seus ombros, enquanto meus caninos penetraram sua garganta, mordi com tanta força e puxei arrancando sua carne, depois cuspi no chão. Ele gemia de dor embaixo de mim, mas não era o suficiente! Tirei minhas garras dos ombros e posicionei em cada lado da ferida que abri na garganta, comecei a puxar lentamente abrindo mais, enquanto ele começava a perder a voz e depois o decepei.

Tentando controlar meu corpo que estava tremendo ainda de raiva, peguei um pedaço limpo do tecido da minha blusa e fui limpando meu rosto, pois estava sujo de sangue daquele lobo que eu tinha acabado de matar, quando terminei com a limpeza, olhei para trás e vi aquela senhorinha em posição fetal de olhos fechados e respiração lenta. Respirei fundo e a chamei.

– Dona Tâmara? – Não houve resposta.

Passei minhas mãos embaixo de sua cabeça, sentindo seus cabelos crespos. – Dona Tâmara? – Tentei de novo e escutei um gemido baixo.

Seu rostinho, agora próximo do meu, estava com alguns corte e ensanguentados, a pele negra da senhora estava agora em um tom roxo, ela começou a abrir os olhos com dificuldade e eu percebi que o olho direito estava inchado, mesmo assim quando me reconheceu, aquela íris castanha-escura começou a ter um leve brilho.

– Ka... Karol? – Um leve sorriso se instalou nos lábios cortados da senhora.

– Sim, sou eu. – Falei com uma voz serena, mas não me permiti ficar triste, pois não queria que ela visse minhas lágrimas.

– Gostou... Da comida? – Lembrei-me do alimento que o Alfa levou pra mim ao meio dia, a mesma alimentação que me deu forças o suficiente para lutar contra três lobos, defender minha filha e amiga e ainda cogitar sair daqui. Claro que foi ela quem preparou.

– Estava uma delícia. – Um nó se formou na minha garganta.

– Fiz... a sua... favorita... churrasco. – Ela abriu um pouco mais o sorriso fraco. Em seguida, fechou os olhos e deu seu último suspiro. Estava morta.

Vi aquele corpo sem vida nos meus braços, mesmo assim ainda tinha um leve sorriso no seu rosto, dona Tâmara, uma mulher que nasceu na escravidão dos humanos e depois foi trazida para ser escrava dos lobisomens, nunca saberá o que é ser livre e, mesmo assim, morreu com um sorriso apenas por saber que eu gostei da comida que ela fez.

Lobisomens, humanos, todo ser inteligente que evoluiu na natureza, são iguais, que torturam, se sentem superiores e que tiram a vida e a liberdade de pessoas inocentes. E o que eu posso fazer? Nada! Sempre senti que havia um propósito no meu nascimento, mas a verdade é que eu sou tão inútil quanto qualquer ser que não consegue se proteger desses seres podres e desprezíveis favorecidos pela natureza. Com esse pensamento, me levanto, deixando que mais algumas lágrimas saia dos meus olhos até olhar para um frecha que dava acesso aos raios de sol do lado de fora.

Estava escurecendo, e pela luz solar, pude perceber que faltava apenas dez minutos para o Lúcius acordar, se ele acordasse enquanto eu ainda estivesse na alcateia, minha fuga seria impossível, ele ainda estava mais forte que eu e ainda teria seus Bethas, seria meu fim.

Forcei minhas pernas a caminharem para a porta que entrei sem olhar para trás, não podia vê-la ali no chão, nem ao menos um enterro digno ela teria, eu só podia ir embora, mas antes de ir, peguei o chicote que ainda tinha seu sangue lá, precisava de alguma arma e só tinha aquilo no momento.

– E então? – Maria Elena falou enquanto se aproximava de mim com a Kamilla nos braços, ela sabia de quem era aqueles gritos. Apenas balancei minha cabeça em negação, ela entendeu e começou a chorar baixinho.

– Procure o máximo de coisas úteis para levarmos, temos apenas mais alguns minutos. – Disse enquanto pegava uma cesta de palha e colocava alguns alimentos úteis para nós três. Legumes, temperos, frutas, ervas finas, pedaços de carne seca e uma garrafa de barro com água dentro.

– Karol. – Fui até onde estava Maria Elena e a Kamilla, era uma dispensa que tinha algumas roupas que as escravas usavam para trabalhar na cozinha. Olhei para nossas roupas e já entramos para nos trocarmos, Elena já estava com seu novo trapo, que era um vestido branco com babado e uma calçola por baixo, quando eu estava colocando meu vestido, parei e estremeci. Um uivo bem alto o bastante para até pessoas que estavam na floresta escutarem. Lúcius, ele acordou e estava uivando, chamando por mim.

Meus olhos arregalaram, rapidamente coloquei o vestido e mais uma muda de roupa dentro da cesta com os alimentos, olhei para elas e só tinha uma maneira de conseguir sair dali, me transformar em loba.

Há anos que não fazia a transformação, nem sabia se conseguiria, o Alfa não permitia minha transformação, então não estava me sentindo preparada para aquilo, mas era necessário, nada das minhas aflições e medo contavam naquele momento. Como a cozinha também ficava próximo ao riacho, eu precisava me transforma e correr até lá o mais rápido possível para sair do seu território, o único problema era o quarto das escravas que com certeza aqueles soldados que estavam escoltando as escravas de volta já devem ter visto o que aconteceu ali.

– Não vamos conseguir fugir enquanto eu ficar na forma humana, preciso me transformar e vocês devem subir em cima de mim.

– Mas, você me disse que há anos não faz a transformação, talvez sinta fortes dores durante o processo.

– Preciso arriscar, não podemos ser pegas, matei um lobisomen e deixei sequelas em mais dois e você estava comigo, seremos mortas por isso, e só o destino saberá o que vai acontecer com Kamilla. – Olhei para minha filha que estava cabisbaixa desde a briga no quarto, aquela reação, ou falta de reação, já estava me deixado preocupada.

 – KAROLINAAAAAA! – Era Lúcius e estava mais perto. Preparei meu corpo e forcei meus ossos a mudarem de forma.

Senti meus ossos se quebrarem e pelos negros um pouco avermelhados surgirem pelo meu corpo todo, as peças de roupas que ainda estavam no meu corpo se rasgaram, minhas mãos e pés ficaram mais resistentes ao chão, uma calda estava se formando e pude balançá-la, e logo o ambiente ficou minúsculo, olhei para as meninas que pareciam ter se encolhido. Agachei e mesmo assim, elas ainda tinham dificuldade em subir devido à altura, não achava que fosse tão alta como loba, como humana, ainda sou mais alta que a própria Luna, quase fico do tamanho do Alfa, mas como lobisomen, fico imensa.

Elas subiram desastrosamente, pisando em meus pelos, o que me deixou irritada mas não reclamei, as senti se segurarem fortemente em mim e preparei meu corpo para correr o mais rápido possível.

Em um pulo derrubei a porta da cozinha e metade da parede, comecei a correr em direção ao rio passando por cima de tudo que estava na minha frente, e aquela sensação de correr como lobisomen era incrível, o vento batia nos meus pelos, meus saltos eram extremamente altos, estava me sentindo livre e poderosa novamente.

– KAROLINA! – Lúcius começou a correr na minha direção e em um salto se transformou em um lobisomen branco, enorme, com seus olhos dourados brilhando. Ele estava desesperado para me alcançar, eu podia sentir a adrenalina daquele lobo, era maior que a minha. Ele estava usando toda sua velocidade naquela corrida, como se sua vida dependesse daquilo, o que me deixou bastante confusa, a propósito eu era só mais uma de suas escravas, que loucura era essa? Nem quando a companheira do seu Betha, o Bruthus, fugiu o macho não reagiu assim, mas o Alfa estava correndo feito um louco pela floresta atrás de mim como se eu fosse sua Luna e estava me alcançando.

Eu estava com o peso das meninas nas minhas costas enquanto ele não tinha nada além da sua determinação para me alcançar, comecei a imaginar o que poderia acontecer comigo caso fôssemos pegas, não, eu não podia permitir aquilo.

Acelerei minha corrida, fazendo ziguezagues pelo caminho, pulava em algumas árvores mais fáceis de quebrar criando obstáculos para ele, fazendo com que diminuísse sua velocidade e assim eu conseguisse me afastar mais a tempo de chegar à saída do seu território, com certeza ali ele não passaria ao menos que fosse com seu bando para tratar de coisas urgentes, entrar no território alheio é uma falta de respeito que pode terminar em guerra.

Cansada, ofegante e com as feridas das brigas anteriores que ainda estavam regenerando doendo, não sabia quanto tempo eu poderia aguentar aquilo e o Lúcius não desistia, estava pulando pelos meus obstáculos com mais facilidade e parou de correr bem atrás de mim, estava correndo ao lado para que as árvores que eu derrubasse não pegassem nele. Quando ele estava quase me alcançando e se preparando para pular me derrubando de lado, eu consegui ver a fronteira do território daquela alcateia e com o resto das minhas forças, corri o mais rápido que pude, até que pulei entrando no território da outra alcateia de lobisomens.

Eu estava começando a desacelerar e finalmente comecei a sentir uma felicidade que não sentia há anos, mas para meu espanto, o Lúcius avançou e logo começou a ultrapassar a fronteira das duas únicas alcateias de lobo que existiam, ele não estava parando, ele iria me caçar até no inferno se fosse necessário, mas por quê?

Para minha sorte, os Bethas de repente apareceram, pulando na frente dele, baixando a cabeça como forma de submissão, eles estavam tentando impedir do Lúcius ultrapassar a fronteira, o Alfa teve que recuar porque os três estavam na sua frente, ele não tirava os olhos de mim, estava com raiva, muita raiva e demonstrou batendo nos seus Bethas, que nem o brutamontes do Bruthus foi poupado, sendo arremessado para longe, ainda dentro do território deles.

O Alfa se levantou, ficando em duas patas, rugindo alto para os Bethas, os ameaçando de morte por terem o feito parar, até que ele olhou novamente pra mim e uivou, seu uivo não era de raiva e sim de desespero, ele implorava para que eu voltasse, suas emoções estavam descontroladas, havia raiva, medo e tristeza. Minha cabeça estava muito confusa com aquilo, não entendia nada, não entendia o porquê daquelas reações e suas emoções. Olhando para ele uma última vez, se fosse outra pessoa com aquele olhar, eu teria pena, mas era o Lúcius, afinal, então fui embora.

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