Brianna Me lembro como se fosse hoje o dia em que eu ainda era feliz. Verdadeiramente feliz. Estávamos em casa, só nós três, curtindo o fim de semana em família. Meu marido e meu filho pareciam dois meninos planejando a tarde perfeita: futebol, pipoca, refrigerante... Um “programa de garotos”, como meu pequeno príncipe Richard gostava de dizer, todo orgulhoso da atenção do pai. E mesmo vendo aquele sorriso lindo no rostinho do meu filho, uma pontada de angústia se instalou no meu peito. Um incômodo silencioso, quase inexplicável... Acho que era só saudade antecipada. A ideia de passar um dia longe do meu Richard me deixava com o coração apertado. — Amor, você precisa parar com essa superproteção toda. — disse meu marido, rindo enquanto arrumava algumas coisas na sala. — Nosso filho precisa se divertir um pouco, crescer, viver as aventuras dele. Ele vai estar comigo e com os amiguinhos. Vai ficar tudo bem. — Eu sei... — suspirei, tentando parecer convencida. — Mas ele é o meu bebê
Lina Minha vida sempre passou diante dos meus olhos como se fosse um filme – mas não um daqueles que te arrancam suspiros. O meu era mais parecido com um pesadelo sem fim. Naquele dia, voltei para casa com os pés doendo e as mãos calejadas. Dona Lourdes, uma senhora ranzinza que me oferecia pequenos bicos de faxina, me explorava até a última gota de força. Mas eu aguentava. Eu precisava comer. Precisava viver. Eu só tinha quatorze anos. Enquanto meninas da minha idade estavam na escola, rindo, aprendendo, sonhando… eu estava cuidando de uma casa que nem era minha, tentando juntar moedas pra comprar arroz e feijão. Minha mãe? Aquela que deveria me proteger, cuidar de mim, me dar carinho? Ela só sabia se enterrar nas drogas. Eu era a mãe da minha mãe. Ela já tinha perdido vários empregos por causa do vício. Não me perguntava mais como conseguia droga, já que não trabalhava. Bastava olhar para os homens estranhos que encontrava dentro da nossa casa. Alguns nem disfarçavam: saíam do q
Rodrigo Querem saber o que me fez mudar? O que fez o delegado frio e racional perder o chão? Então senta, porque essa história não começa com heroísmo… mas com tragédia. Era um dia comum na delegacia. Café quente na mesa, relatórios sobre a mesa e o silêncio típico das manhãs de segunda-feira. Até o telefone tocar. — Delegado Rodrigo? É sobre o seu sobrinho e o seu cunhado... houve um acidente... O tempo parou. Minha respiração travou e meu coração... bom, esse já sabia o que vinha. Levantei num salto, largando tudo. Dirigi feito um louco até o local indicado, cada segundo uma eternidade. Quando cheguei e vi o carro completamente destruído, meu mundo caiu. Não precisei de laudo técnico. Aquilo era uma sentença. Me ajoelhei no asfalto ainda úmido da madrugada anterior, olhos arregalados e mãos tremendo. As sirenes ao fundo, os bombeiros tentando manter a ordem... mas dentro de mim, tudo era caos. — Não pode ser... não ele, não meu menino! Meu sobrinho. Meu anjinho de sorriso fá
Michael Faz alguns meses que vi aquela linda mulher — a irmã do meu amigo Rodrigo — e, desde então, não consigo tirar a tristeza dos olhos cor de mel dela da minha mente. Mesmo sem ela sequer ter me notado, fiquei impactado. Pobrezinha… Perder o marido e o filho deve ser uma dor inimaginável. Uma mulher jovem, linda, com o rosto ainda suave de juventude, marcada por um luto pesado demais para alguém da sua idade. Enquanto estou metendo com gosto numa morena de parar o trânsito, é nela que penso. Só que diferente das outras, com ela, não penso em sexo. Penso na dor que ela carrega, no vazio que vi em seu olhar. Não sei o nome dela, não sei quase nada, só que algo me marcou profundamente. — Você está muito longe… — a morena fala, interrompendo meu devaneio — Não vai transar comigo ou quer só olhar? — Desculpe, princesa… Onde estávamos mesmo? Volto minha atenção para o corpo quente à minha frente. Beijo sua boca, deslizo pelos seios, pela barriga até chegar ao centro do seu
Brianna Eu estou aqui. Implorando. Implorando de novo, como uma criança desesperada, querendo algo que nunca deveria ter sido tirado de mim: meus cartões. Meus malditos cartões de crédito e débito. Rodrigo, meu irmão, me olha com aquele ar de superioridade, como se ele fosse meu tutor e eu uma adolescente inconsequente. — Já falei que não vou fazer merda nenhuma, Rodrigo! — gritei, quase esmurrando a mesa. — Você quer o quê? Que eu fique de joelhos? Ele me encara com os olhos frios, sem se abalar. — Quero que viva, Brianna. E não apenas sobreviva se escondendo atrás de bebida e pílulas. Caralho. Ele fala como se fosse simples. Como se levantar da cama todos os dias sem meus amores, sem a alegria da minha vida... fosse fácil. Três anos se passaram e eu continuo aqui. Fingindo. Fingindo que estou bem. Fingindo que não quero desaparecer toda vez que me lembro daquele maldito domingo. O dia em que perdi tudo. Meu filho. Meu marido. A mim mesma. A dor ainda rasga meu peito como s
Brianna — Oi, meu anjo, como você está? — a voz de Rodrigo preencheu a sala com um calor que eu quase havia esquecido. — Estou melhorando — respondi, tentando sorrir, embora ainda sentisse a dor latejando em meu peito. — Ainda dói... mas eu juro que vou superar. Vou tentar ser como era antes, eu prometo. — Meu olhar se turvou. — E queria te agradecer por nunca desistir de mim, mesmo quando fui grossa, quando tentei te afastar... Eu te amo muito, meu irmão! Rodrigo me puxou para um abraço apertado, desses que pareciam costurar as partes quebradas dentro de mim. — Graças a Deus — sussurrou ele. — Minha irmã está voltando. Nestes três anos, você nunca mais disse que me amava. Mas eu te entendia... Eu também senti a mesma dor. Só que agora, chega disso. Vamos olhar para frente, Bri. O que você queria falar comigo? Limpei as lágrimas apressadamente. — Primeiro queria agradecer. E segundo... queria saber se na sua delegacia não tem algum cargo para mim. Qualquer coisa. Preciso ocupar m
Lina A vida nunca foi fácil para mim. Desde que fugi de casa, encontrei um refúgio pequeno, mas seguro, para criar meu filho. Trabalhar era uma necessidade vital, não uma escolha. Eu precisava garantir que nada faltasse para o meu pequeno anjo. Meu bebê está prestes a completar três anos — é a luz que ilumina a minha vida e a força que me faz seguir em frente, mesmo nos dias mais difíceis. Cada sorriso dele é uma promessa silenciosa de que tudo vai melhorar, mesmo que, às vezes, eu mesma duvide disso. Consegui um emprego em uma casa de família. Não é o que sonhei para mim, mas é o que pude alcançar. Para trabalhar, deixo meu filho com uma vizinha, uma senhora gentil que cobra barato para cuidar dele. Cada moeda que gasto é pensada mil vezes. Ganho pouco, mas o suficiente para pagar o aluguel de um quartinho simples e garantir comida na mesa. A patroa... Ah, a patroa. Uma mulher amarga, que parece ter nascido para humilhar os outros. Me trata como se fosse invisível quando está de b
Lina Acordei com o barulho suave do vento batendo contra a janela. O relógio marcava pouco mais de cinco da manhã. Suspirei fundo, sentindo o peso da responsabilidade em meus ombros, mas também um fio de esperança se infiltrava no meu peito. Levantei devagar para não acordar meu bebê, Willy, e fui direto para o banheiro. Tomei um banho rápido para espantar o sono e, depois, preparei um café forte, do jeito que aprendi a gostar nas noites intermináveis em que precisei estar forte. Enquanto tomava o café amargo, meus olhos se perderam na janela embaçada. Hoje poderia ser o começo de uma nova vida. Troquei de roupa rapidamente e ajeitei Willy no colo. Ele, ainda sonolento, aninhou-se contra meu peito. Fechei a porta da pequena casa com cuidado e, com meu filho nos braços, caminhei até o ponto de ônibus. O sol nem havia nascido direito, e o ar fresco da manhã parecia prometer algo diferente. Logo o ônibus chegou, e seguimos viagem. Eu observava cada rua, cada rosto adormecido pelas ja