Azure observou Enouf se afastando, ainda com o coração muito acelerado.
Não havia percebido o perigo que corria com a aproximação do cavalo selvagem, estava muito concentrada nos cuidados do jardim. Ela adorava cuidar das plantas, ficava tão envolvida pela natureza à sua volta que esquecia do resto do mundo. Se não fosse pelo marido, não sabia o que poderia ter acontecido com ela.Lembrou da forma como o homem a acolheu em seus braços, protegendo-a do perigo iminente. A pressão do corpo dele, mesmo sentindo todo seu peso não era desagradável, pelo contrário. O calor agradável do corpo másculo, o cheiro masculino... era reconfortante.Azure piscou várias vezes, tentando voltar à consciência.Deus, tinha enlouquecido?Só poderia estar louca ao pensar que o abraço daquele homem bruto era agradável. Provavelmente tinha batido a cabeça no solo e nem percebera, aquilo explica a ausência de bom-senso.“Senhora?” – a voz de Kira trouxe Azure de volta ao presente – “Você está bem?”“Estou sim, Kira.” – sorriu – “Foi só um susto.”A jovem serva observou a princesa, pensativa.“Nunca vi isso acontecer por aqui, um cavalo desorientado correndo pela floresta...” – Kira falou.“Não tem importância, Kira. Graças a Enouf nada de ruim aconteceu.” – a princesa falou – “Eu vou entrar e me lavar, amanhã continuo os cuidados do jardim.”A jovem princesa deixou as ferramentas que usava e entrou na casa antes que Kira pudesse falar algo mais. Quando chegou no quarto, retirou as roupas sujas de lama e grama, foi até o banheiro e tomou banho.Sem esquecer, nem por um minuto, o que tinha acontecido.Por que Enouf se arriscaria daquela forma? Eles nem se conheciam direito, o casamento acontecera por motivos alheios aos dois...Casaram apenas para manter a paz no Reino de Albero Blu, não havia nenhuma outra razão para que o homem lhe salvasse.Exceto se ele tivesse medo da reação de Àki, caso acontecesse alguma coisa com ela.Seria péssimo, se a pobre princesa forçada a um casamento com o ferreiro, aparecesse morta no dia seguinte à cerimônia. Provavelmente o Rei ficaria muito chateado e responderia com violência e vingança.Porém, seu marido não aparentava ser alguém que sentia medo tão facilmente. Pelo contrário, parecia não haver uma gota de medo naquele corpo forte.Azure decidiu que não pensaria mais nisso, o pior havia sido evitado, ela estava bem e tudo que precisava fazer era agradecer ao homem quando o visse novamente.#Quando era apenas uma princesa no castelo, Azure passava a maioria do tempo absorta em livros ou no jardim. Ali, enquanto esposa do ferreiro, a jovem tinha mais opções do que poderia fazer, não havia servos suficientes para impedir que a jovem fizesse o que quisesse. Não queria ficar sem fazer nada, por isso, depois do banho, desceu para a cozinha e encontrou Helga preparando o jantar.“Olá, Helga.” – saudou, com um sorriso, a cozinheira.A mulher de cabelos loiros, longos e trançados, de corpo arredondado que trajava um vestido longo e avental xadrez, apenas assentiu, sem dizer nada. Azure não sabia se a empregada não gostava dela, se o jeito da mulher era sisudo ou se ela não conseguia falar.“Você precisa de ajuda com alguma coisa?” – perguntou, sem desistir de quebrar o gelo da outra.Helga a observou por alguns instantes, como se estivesse pensando se Azure tinha capacidade de fazer alguma coisa ali, até apontar para uma bacia de batatas.“Descascar?” – perguntou para a cozinheira.A empregada assentiu e então Azure iniciou o trabalho. No castelo havia empregados suficientes para que as princesas não fizessem nenhum esforço, mas a jovem observava, quando pequena, a cozinheira e seus ajudantes trabalhando. Ela tentara ajudar algumas vezes, mas era um absurdo que a pequena princesa quisesse fazer o trabalho dos servos. Seu pai sempre a repreendia quando sabia que Azure andava pela cozinha.Lembrou de Melina e Diamanda... como as irmãs estariam?Talvez, depois do jantar, começasse a escrever uma carta para as duas, descreveria cada canto da casa, as pessoas que trabalhavam ali e as coisas que fizera naquelas poucas horas que estava lá, além da experiência de quase-morte que tivera com o cavalo selvagem.Estava pensando nisso quando a porta da cozinha foi aberta e Enouf entrou, a camisa, antes limpa, estava imunda, suja de lama e... sangue. Azure levantou-se rapidamente de onde estava e foi até o marido.“Você está ferido.” – ela olhou o rosto do marido e percebeu alguns ferimentos e hematomas, o sangue escorria de sua sobrancelha e do canto do lábio. Sem pensar, Azure afastou a gola da camisa dele e viu que o homem estava muito machucado – “Deus, como isso aconteceu?”“Princesa.” – ele disse, mas a mulher parecia não ouvir, continuava levantando sua camisa para ver a extensão de seus ferimentos – “Princesa!” – ele disse, firme e segurou sua mão, impedindo que a esposa tirasse sua roupa ali mesmo na cozinha.Os olhos azuis e os castanhos se fitaram por longos instantes. Azure sentia o calor da mão dele em seu pulso, seu coração batia descompassado sem nenhuma razão aparente. Ela percebia que o homem estava com dor, mas também parecia chateado. Talvez com raiva...Provavelmente ele a culpava por todos aqueles ferimentos.“Desculpe... eu...” – tentou dizer, mas o homem a ignorou. Enouf soltou seu braço e se dirigiu para Helga.“Helga, mande Kira ao meu quarto com os itens de primeiros-socorros.” – ele saiu sem nem mesmo dar um último olhar para Azure.A princesa observou o marido saindo, atônita.Por que ele agia daquela forma?Por acaso ela não tinha culpa de que um cavalo selvagem correra em sua direção e quase a matara...Ela pedira que ele bancasse o herói?Sentiu o sangue fervendo nas veias.“Helga, onde ficam os itens de primeiros-socorros?”A empregada a observou e foi até um dos armários no canto da cozinha, a mulher tirou de lá uma caixa de madeira pequena e entregou para a princesa.“Obrigada.” – ela disse, retirou o avental e foi atrás de Enouf, o marido ouviria algumas verdades enquanto ela cuidava de seus ferimentos.