06

Azure observou Enouf se afastando, ainda com o coração muito acelerado.

Não havia percebido o perigo que corria com a aproximação do cavalo selvagem, estava muito concentrada nos cuidados do jardim. Ela adorava cuidar das plantas, ficava tão envolvida pela natureza à sua volta que esquecia do resto do mundo. Se não fosse pelo marido, não sabia o que poderia ter acontecido com ela.

Lembrou da forma como o homem a acolheu em seus braços, protegendo-a do perigo iminente. A pressão do corpo dele, mesmo sentindo todo seu peso não era desagradável, pelo contrário. O calor agradável do corpo másculo, o cheiro masculino... era reconfortante.

Azure piscou várias vezes, tentando voltar à consciência.

Deus, tinha enlouquecido?

Só poderia estar louca ao pensar que o abraço daquele homem bruto era agradável. Provavelmente tinha batido a cabeça no solo e nem percebera, aquilo explica a ausência de bom-senso.

“Senhora?” – a voz de Kira trouxe Azure de volta ao presente – “Você está bem?”

“Estou sim, Kira.” – sorriu – “Foi só um susto.”

A jovem serva observou a princesa, pensativa.

“Nunca vi isso acontecer por aqui, um cavalo desorientado correndo pela floresta...” – Kira falou.

“Não tem importância, Kira. Graças a Enouf nada de ruim aconteceu.” – a princesa falou – “Eu vou entrar e me lavar, amanhã continuo os cuidados do jardim.”

A jovem princesa deixou as ferramentas que usava e entrou na casa antes que Kira pudesse falar algo mais. Quando chegou no quarto, retirou as roupas sujas de lama e grama, foi até o banheiro e tomou banho.

Sem esquecer, nem por um minuto, o que tinha acontecido.

Por que Enouf se arriscaria daquela forma? Eles nem se conheciam direito, o casamento acontecera por motivos alheios aos dois...

Casaram apenas para manter a paz no Reino de Albero Blu, não havia nenhuma outra razão para que o homem lhe salvasse.

Exceto se ele tivesse medo da reação de Àki, caso acontecesse alguma coisa com ela.

Seria péssimo, se a pobre princesa forçada a um casamento com o ferreiro, aparecesse morta no dia seguinte à cerimônia. Provavelmente o Rei ficaria muito chateado e responderia com violência e vingança.

Porém, seu marido não aparentava ser alguém que sentia medo tão facilmente. Pelo contrário, parecia não haver uma gota de medo naquele corpo forte.

Azure decidiu que não pensaria mais nisso, o pior havia sido evitado, ela estava bem e tudo que precisava fazer era agradecer ao homem quando o visse novamente.

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Quando era apenas uma princesa no castelo, Azure passava a maioria do tempo absorta em livros ou no jardim. Ali, enquanto esposa do ferreiro, a jovem tinha mais opções do que poderia fazer, não havia servos suficientes para impedir que a jovem fizesse o que quisesse. Não queria ficar sem fazer nada, por isso, depois do banho, desceu para a cozinha e encontrou Helga preparando o jantar.

“Olá, Helga.” – saudou, com um sorriso, a cozinheira.

A mulher de cabelos loiros, longos e trançados, de corpo arredondado que trajava um vestido longo e avental xadrez, apenas assentiu, sem dizer nada. Azure não sabia se a empregada não gostava dela, se o jeito da mulher era sisudo ou se ela não conseguia falar.

“Você precisa de ajuda com alguma coisa?” – perguntou, sem desistir de quebrar o gelo da outra.

Helga a observou por alguns instantes, como se estivesse pensando se Azure tinha capacidade de fazer alguma coisa ali, até apontar para uma bacia de batatas.

“Descascar?” – perguntou para a cozinheira.

A empregada assentiu e então Azure iniciou o trabalho. No castelo havia empregados suficientes para que as princesas não fizessem nenhum esforço, mas a jovem observava, quando pequena, a cozinheira e seus ajudantes trabalhando. Ela tentara ajudar algumas vezes, mas era um absurdo que a pequena princesa quisesse fazer o trabalho dos servos. Seu pai sempre a repreendia quando sabia que Azure andava pela cozinha.

Lembrou de Melina e Diamanda... como as irmãs estariam?

Talvez, depois do jantar, começasse a escrever uma carta para as duas, descreveria cada canto da casa, as pessoas que trabalhavam ali e as coisas que fizera naquelas poucas horas que estava lá, além da experiência de quase-morte que tivera com o cavalo selvagem.

Estava pensando nisso quando a porta da cozinha foi aberta e Enouf entrou, a camisa, antes limpa, estava imunda, suja de lama e... sangue. Azure levantou-se rapidamente de onde estava e foi até o marido.

“Você está ferido.” – ela olhou o rosto do marido e percebeu alguns ferimentos e hematomas, o sangue escorria de sua sobrancelha e do canto do lábio. Sem pensar, Azure afastou a gola da camisa dele e viu que o homem estava muito machucado – “Deus, como isso aconteceu?”

“Princesa.” – ele disse, mas a mulher parecia não ouvir, continuava levantando sua camisa para ver a extensão de seus ferimentos – “Princesa!” – ele disse, firme e segurou sua mão, impedindo que a esposa tirasse sua roupa ali mesmo na cozinha.

Os olhos azuis e os castanhos se fitaram por longos instantes. Azure sentia o calor da mão dele em seu pulso, seu coração batia descompassado sem nenhuma razão aparente. Ela percebia que o homem estava com dor, mas também parecia chateado. Talvez com raiva...

Provavelmente ele a culpava por todos aqueles ferimentos.

“Desculpe... eu...” – tentou dizer, mas o homem a ignorou. Enouf soltou seu braço e se dirigiu para Helga.

“Helga, mande Kira ao meu quarto com os itens de primeiros-socorros.” – ele saiu sem nem mesmo dar um último olhar para Azure.

A princesa observou o marido saindo, atônita.

Por que ele agia daquela forma?

Por acaso ela não tinha culpa de que um cavalo selvagem correra em sua direção e quase a matara...

Ela pedira que ele bancasse o herói?

Sentiu o sangue fervendo nas veias.

“Helga, onde ficam os itens de primeiros-socorros?”

A empregada a observou e foi até um dos armários no canto da cozinha, a mulher tirou de lá uma caixa de madeira pequena e entregou para a princesa.

“Obrigada.” – ela disse, retirou o avental e foi atrás de Enouf, o marido ouviria algumas verdades enquanto ela cuidava de seus ferimentos.

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