03

Enouf não conseguia se sentir confortável naquela roupa estranha que foi obrigado a vestir, tentava remexer os ombros, mas nada adiantava. O terno negro parecia pequeno demais para seus ombros largos e aquela gravata lhe enforcava todo tempo.

O homem observava sua noiva dançando com os convidados. Ela era simpática com todos, menos com ele. Enouf percebia o olhar assustado toda vez que a jovem princesa olhava para ele. Provavelmente Azure imaginava que ele a violentaria assim que estivessem sozinhos.

Aquele homem com aparência bestial não ficava surpreso com esses preconceitos, já estava habituado a isso, mas o olhar de sua (agora) esposa deixara Enouf chateado. Ele não entendia a razão, não estava apaixonado por ela, aquele casamento era parte apenas de um plano, de um bem maior, as opiniões de sua noiva sobre ele não deveriam lhe atingir.

Mas atingia.

Algo em Enouf queria que Azure lhe fitasse com amor, do mesmo jeito que ela olhava para o pai e as irmãs. Ele gostaria de ser o motivo de um sorriso dela, pelo menos.

Enredou as mãos pelos cabelos, tentando desanuviar a mente. Estava pensando besteiras, não fazia sentido querer atenção de Azure, afinal ela era filha do déspota Àki, provavelmente tinha a mesma personalidade má do pai.

“Agora teremos a dança dos noivos!’ – alguém disse da multidão e logo um coro de pessoas pedia que ele e Azure dançasse. Olhou para a esposa e percebeu o quanto ela parecia assustada, apesar do sorriso no rosto. Enouf quis declinar, mas olhou para Àki e percebeu que o rei tinha um olhar que mandava os dois dançarem.

O homem foi até a mulher e pegou sua mão. Ele fez uma reverência e a multidão aplaudiu com entusiasmo. Enouf deslizou uma mão para a cintura da esposa, enquanto a outra continuava entrelaçadas nos dedos finos da princesa. A música lenta iniciou e os dois começaram a se movimentar, ele sabia alguns passos que via nos passos no povoado, mas se manteve alerta para não pisar os pés de Azure.

Ele encarou a mulher, que evitava seu olhar de todas as formas.

“Por que me olhar te incomoda tanto?” – ele sussurrou, enquanto dançavam pelo salão.

“Não incomoda.” – ela respondeu, ainda sem fitá-lo.

“Então, por que você não olha para mim?”

Azure virou o rosto para ele e Enouf sentiu o corpo arrepiado ao fitar aqueles olhos de gelo. Naquele momento eles pareciam desafiadores, mas o homem ainda conseguia perceber um fio de medo naquele olhar congelante.

Enouf sorriu.

“Você é corajosa, princesa.”

A moça que era baixinha empinou o nariz e o queixo, numa atitude muito principesca, mostrando todo o orgulho que ela tinha.

“Eu não tenho medo de nada, senhor.” – disse, ainda encarando o homem – “Nem que isso signifique minha morte, eu enfrento tudo o que for preciso.”

Ele assentiu e não falaram nada mais. A dança terminou sem maiores estragos.

A festa de casamento acabou no início da noite. Enouf se sentia muito cansado, ficar ali, observando sua noiva falar com todos com um sorriso no rosto, era cansativo demais.

Assim que a multidão foi dispersada e apenas a família ficou no salão (a família de Azure, uma vez que Enouf era órfão), Àki foi falar com ele, em particular, enquanto a esposa trocava de roupa.

“Eu espero que você cuide bem de Azure.” – o monarca disse quando ficaram sozinhos.

Enouf assentiu. O casamento era um plano para destituir Àki, mas nunca machucaria a princesa.

“Esse é o dote dela.” – o rei apontou para uma caixa de madeira de tamanho médio. Ele abriu o objeto e várias joias se derramavam dentro do recipiente – “São as joias da minha falecida rainha, Azure é a herdeira delas.”

Enouf assentiu novamente. Não pretendia usar aquele dote, não tinha nenhum interesse financeiro naquele casamento.

Os dois homens se encararam em silêncio. Enouf sabia que o rei tentava desvendá-lo, mas o rapaz era bom em disfarçar seus sentimentos, aprendera muito cedo a não revelar suas fraquezas.

“Acredito que você saiba que se alguma coisa acontecer com minha filha, eu mato você.” – Àki disse, calmo, como se informasse as horas – “Ela é sua esposa, mas também é princesa de Albero Blu, minha filha e não admitirei que você a machuque.”

“Eu não a machucarei. Prometo.”

O monarca ia falar novamente, mas a porta foi aberta e Azure entrou. Ela trocara o vestido branco por um traje longo rosa, de mangas cumpridas e decote quadrado. Os cabelos estavam soltos e caíam livremente até o meio das costas.

“Papai.” – ela fez uma reverência – “Marido.” – pontuou com mais uma reverência – “Estou pronta.”

“Tudo bem, minha querida.” – o monarca andou até ela e beijou a filha no rosto – “Eu desejo que você seja feliz.”

A princesa assentiu, sem sorrir.

“Você sempre será minha filha, minha princesa, minha herdeira.” – ele olhou para Enouf – “Se precisar, me chame.”

Ela abraçou o pai, em silêncio.

Enouf via a cena impassível, as ameaça veladas do rei não lhe atingiam de nenhuma forma.

Poucos minutos depois, o jovem casal recém-casado estava na carruagem rumo à casa de Enouf. O percurso foi feito todo em silêncio, Azure mantinha os olhos na janela, olhando a paisagem, ignorando o marido.

Mas o rapaz percebia o nervosismo nela. As mãos retorcidas no colo, as leves mordidas que ela dava nos lábios... Azure estava apavorada.

O veículo parou em frente a uma casa de dois andares, perto da floresta de Albero Blu. Enouf era o ferreiro local, não era um homem rico, mas nada lhe faltava. Morava sozinho naquela habitação, tinha ajuda apenas de uma cozinheira, uma faxineira e um cocheiro, que cuidava dos cavalos que tinha.

“Chegamos.” – anunciou.

Azure olhava para a casa sem revelar nenhum sentimento. Ele desceu e ofereceu a mão para a esposa, que recusou a ajuda e desceu da carruagem levantando um pouco da saia do vestido.

“Infelizmente, não tenho um palácio, princesa.” – disse para ela, que continuava olhando a casa como se nunca tivesse visto uma – “Você terá que se acostumar com isso.”

Os três empregados estavam enfileirados na entrada, esperando por eles. Enouf viu KIra (faxineira), Helga (cozinheira) e Percy (cocheiro) fazerem reverências para Azure e sentiu vontade de rir. Os três eram órfãos como ele, seus amigos do orfanato, eles se tratavam como amigos e era muito estranho vê-los agindo de maneira tão formal.

“Não são necessárias reverências aqui.” – disse aos empregados que, para ele, eram sua família – “Azure é minha esposa, aqui ela não é princesa mais. Podem voltar para seus serviços.”

Os empregados saíram e o casal ficou sozinho na entrada da casa. Os dois se encararam e Enouf sentiu-se vitorioso ao perceber o lampejo de ódio nos olhos azuis de gelo da sua esposa.

“Você é um...” – ela pensou em algo, o homem percebia os lábios da mulher crispados de raiva – “Ignorante!”

Enouf não aguentou mais e riu. Sua risada parecia mais um latido rouco, há muito tempo ele não ria tanto.

“Pare de rir!” – ela se aproximou e tentou golpeá-lo com um tapa no peito, mas Enouf segurou sua mão e aproximou-se, sério.

O rosto da mulher mudou de raiva para medo, mas o homem não se importou.

“Não faça isso, princesa. Ou você vai se arrepender.” – ele se aproximou mais dela – “Aqui você não é filha do rei, não tem privilégios, a partir de agora você é a esposa do ferreiro. Uma aldeã como outra qualquer.”

Enouf ignorou as estranhas batidas de seu coração que estava acelerado. Ele tinha vontade de tocar o rosto da mulher, contornar os traços refinados, tocar a pele alva e suave, garantir que não faria nenhum mal a ela, seu inimigo era Àki, apenas ele. Mas se conteve, soltou a mão de Azure e saiu de perto dela, poderia fazer alguma coisa que se arrependeria depois.

O homem foi para sua oficina, que ficava nos fundos da casa, precisava distrair sua mente, pois já estava arrependido daquele casamento.

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