● Alexander Blake ●
Estaciono meu carro na garagem e respiro fundo, apoiando a cabeça no volante por alguns segundos. Preciso de coragem para enfrentar o furacão triplo que me espera dentro de casa. Três pequenos corações impacientes. Três mundos que giram em torno de promessas, rotina, e, acima de tudo, da saudade. Esse não era o tipo de aniversário que eu havia imaginado para eles. A ideia original era perfeita - uma viagem para a Flórida, alguns dias na casa de praia dos avós, castelos de areia, mergulhos no mar, risadas... talvez um ou dois arranhões no joelho e uma quantidade absurda de sorvete. Mas a vida - essa senhora que adora atrapalhar - decidiu mudar os planos sem aviso prévio. No fim, fiquei preso a reuniões intermináveis, contratos urgentes e uma empresa que teima em exigir mais de mim do que deveria. Me vi afogado em compromissos quando tudo que eu queria era estar presente. Pego o bolo, de maneira quase acrobática, com uma mão, e seguro com a outra as sacolas recheadas de presentes. Abro a porta da cozinha com dificuldade, empurrando-a com o ombro, e dou de cara com três pares de olhos castanhos, fixos em mim com uma intensidade que só crianças magoadas conseguem carregar. - Você prometeu, papai - dizem as gêmeas ao mesmo tempo, suas vozes uma mistura de mágoa e acusação. Suspiro fundo antes de enfrentá-las. O peso da culpa me cai sobre os ombros como uma avalanche silenciosa. - Você prometeu que chegaria cedo, que faríamos uma noite de cinema como fazíamos com a mamãe - diz Maya, seus olhos grandes e úmidos cravados nos meus, como se tentassem encontrar uma explicação plausível para o meu atraso. - E mais uma vez, você não cumpriu - completa Marie, com os braços cruzados e a expressão espantosamente parecida com a da mãe quando estava decepcionada comigo. A dor b**e forte no peito. Quatro anos. Quatro longos e silenciosos anos desde que perdi a mulher da minha vida. A mãe dos meus filhos. O coração da nossa casa. Ainda me lembro do último aniversário em que estávamos todos juntos. Ela cantava parabéns desafinado de propósito só pra ver as gêmeas darem risada. E Lucca, envergonhado, escondia o rosto no meu braço. Desde que ela se foi, temos caminhado sobre cacos de saudade, tentando juntar os pedaços da nossa rotina. Mas algumas noites são mais difíceis que outras - como essa. Antes que eu conseguisse abrir a boca para tentar uma explicação qualquer, Lucca - meu pequeno grande homem - se adiantou. - O papai estava ocupado - ele disse, surgindo atrás das irmãs. - Ele me ligou avisando que ia se atrasar. Estava... socorrendo um filhote de cachorro que encontrou na estrada. Eu pisquei, surpreso. Um filhote? - Por isso ele demorou - finalizou, dando-me um leve aceno com a cabeça. Um pacto silencioso entre nós dois. As gêmeas arregalaram os olhos, o brilho da curiosidade substituindo, aos poucos, a sombra da decepção. - É verdade, papai? - perguntou Maya, já com um sorrisinho tímido nos lábios. - Você salvou um cachorrinho? - E a gente pode ver ele? - Maitê se aproximou empolgada. - Podemos ficar com ele? Pigarreei, tentando parecer convincente. - É verdade, sim - improvisei, colocando um pouco de drama na voz. - Mas ele está sendo cuidado na clínica. Estava bem machucado... Mas quando ele melhorar, vamos buscá-lo. E sim, podemos ficar com ele. As duas começaram a pular e gritar de alegria, dando voltas pela cozinha como se tivessem acabado de ganhar um unicórnio. Lucca, com um sorrisinho orgulhoso, me ajudou a colocar os presentes sobre a mesa. - Salvo pela criatividade do filho mais velho - murmurei para ele, e ele apenas deu de ombros, como quem dissesse: "Alguém tem que manter essa casa de pé." - Onde está a tia de vocês? - perguntei, me referindo à Jade, minha irmã que veio de Boston especialmente para cuidar deles neste fim de semana. - Está dormindo - responderam os três em uníssono, com uma naturalidade que me fez estreitar os olhos de imediato. A essa altura da vida, eu já aprendi a identificar quando meus filhos estão escondendo alguma coisa. E, meu Deus, eles raramente estão sem esconder alguma coisa. Depois da terceira babá ter saído da casa chorando, alegando que tinha sido perseguida com um sapo no travesseiro e "amaldiçoada" por Marie com uma canção bizarra em latim que ela aprendeu sabe-se lá onde, nenhuma agência quis mais nos atender. Sim. Um sapo verdadeiro, que eles conseguiram não sei onde, sobre o travesseiro, e uma música ritualística cantada por duas meninas de na época sete anos. Elas são talentosas. E um pouco assustadoras, para ser honesto. A última babá anterior à minha irmã teve a brilhante ideia de tentar impor horários rígidos. Resultado: trancaram-na do lado de fora com o alarme ativado e fingiram que ela estava invadindo a casa. Foi a polícia quem me ligou naquela noite. Foi... constrangedor. Perfeito! Aqui está a continuação com mais detalhes cômicos e expressivos, mantendo o equilíbrio entre humor e a personalidade do Sebastian como pai: - O que fizeram com sua tia dessa vez? - pergunto, tentando manter a compostura. Minha voz sai com firmeza, mas suavizo o tom. É o aniversário das gêmeas, afinal. Ainda assim, não posso parecer um completo banana. A autoridade tem que existir... nem que seja de fachada. Não recebo nenhuma resposta imediata. Maya finge estar extremamente concentrada nos pratos. Marie subitamente encontra um interesse profundo em dobrar um guardanapo. E Lucca apenas ergue os ombros como quem diz: não me meto. Antes que eu pressione mais, ouço passos pesados no corredor, e então a imagem surge na porta da cozinha, me fazendo engasgar com a saliva e segurar o riso com tanta força que quase me dá uma hérnia. - Mas que diabos... - murmuro, completamente sem filtro. Jade aparece com os cabelos desgrenhados, espetados em direções que desafiam a gravidade. O rosto está completamente coberto por maquiagem infantil - base rosa-choque, círculos vermelhos nas bochechas, uma sobrancelha desenhada com canetinha verde-limão e o que parece ser um bigode torto pintado com batom escuro. Um verdadeiro palhaço de filme de terror. - VOCÊS. TRÊS. - ela grita, apontando com o dedo manchado de tinta. - Colocaram sonífero no meu suco! E depois me trancaram na sala de cinema com musicas infantis tocando em em um looping por CINCO HORAS ALEXANDER! As gêmeas caem na gargalhada. Maya se dobra sobre a mesa, quase derrubando os pratos. Maitê chega a escorregar no chão de tanto rir. Lucca morde o lábio inferior, claramente tentando manter a pose de "irmão mais velho responsável", mas seus ombros tremem com a risada contida. - Achamos que você iria gostar tia... - Maya diz entre risos. - Eram as preferida da mamãe... - E a maquiagem - completa Marie, orgulhosa - foi porque a tia prometeu que poderíamos testar nossas novas habilidades. Jade me lança um olhar mortal. - Eu vou precisar de terapia. E talvez de um padre. - Talvez uma garrafa de vinho ajude por enquanto - digo, segurando o riso, mesmo com a culpa dançando no meu peito. Apesar do caos, há algo reconfortante naquela cena. As risadas delas, a bagunça, até a frustração tragicômica da minha irmã - tudo aquilo me lembra que, de alguma forma, ainda estamos vivos. Ainda estamos juntos. E mesmo sem ela aqui, sem o nosso eixo... há amor. E onde há amor, há esperança. E confusão. Muita confusão. Suspiro fundo e sirvo uma fatia generosa de bolo para cada um. - Tá bom. Vocês venceram. Mas por favor, por favor, não enfiem mais sonífero em ninguém. Temos um fim de semana inteiro pela frente... e eu preciso da minha sanidade até segunda. - Sem promessas - respondem as gêmeas em uníssono, os olhos brilhando com aquele fogo sapeca que já destruiu uma piscina inflável, três celulares e a dignidade de sete babás. Deus me ajude.