● Aneliese Moore •
Os almoços de domingo na casa dos meus pais são uma combinação perfeita entre tentativas frustradas de me arranjarem um pretendente e sessões de julgamento disfarçadas de conversas amáveis. Tudo isso enquanto exaltam a "vida perfeita" da minha irmã, Emily. Com o tempo, aprendi a simplesmente aparecer, sorrir quando necessário, observar tudo comendo em silêncio, pensar na bagunça que o Sirius - meu cachorro - deve estar fazendo sozinho em casa e, depois de tudo, ir embora com a satisfação de ter sobrevivido a mais um fim de semana em "família". Tedioso, eu sei. Mas entendam: eu não sou a pessoa mais sociável do mundo. E com a minha melhor amiga, Layla, fora da cidade em uma viagem de trabalho, fiquei sem desculpas plausíveis para escapar dessa vez. Por isso estou aqui, sentada à mesa da sala de jantar, com um prato à minha frente e a mente longe, calculando quantos dias faltam para minhas férias e cogitando meu próximo destino. Enquanto isso, Emily se gaba dos procedimentos mais recentes realizados pelo meu cunhado - como se tivesse ela mesma feito as cirurgias com as próprias mãos. Tedioso, eu sei. Mas a comida da minha mãe continua impecável, então quem sou eu para desperdiçar lasanha de forno e queijo derretido por causa de uma reunião disfarçada de julgamento? - Ane, querida, não vai nos contar como andam as coisas na sua vida? - pergunta minha mãe, pela primeira vez em quase uma hora de conversa. Talvez apenas para manter as aparências, ou quem sabe buscando uma nova brecha para criticar minhas escolhas. - Sem dúvidas a vida de Emy está bem mais interessante, mamãe. - respondo com um sorriso polido. - Na minha, nada de novo. Continuo na mesma empresa, no mesmo cargo... vivendo perigosamente no piloto automático. Claro que eu poderia mencionar que estou prestes a ir para a Bélgica com meu chefe, para mais uma de suas convenções internacionais. Mas sinceramente? Prefiro manter minha paz de espírito. Não vale a pena desperdiçar energia tentando explicar que, sim, estou bem, mesmo sem um noivo, dois filhos e um perfil perfeito no I*******m. - Continuo a dizer que você está perdendo tempo trabalhando como uma simples secretária. - A voz do meu pai ecoa pela sala com a firmeza habitual, como se estivesse discursando para uma plateia que precisa ser convencida. - Com um currículo como o seu, você deveria estar dirigindo aquela empresa, não servindo cafezinho para um magnata qualquer. - Meu currículo não é tão impressionante assim, papai. - respondo com um leve sorriso, tomando um gole de suco com a maior calma do mundo. - E, apesar disso, eu gosto do que faço. O senhor Blake é um ótimo patrão. Claro, ótimo exceto quando está de TPM, como costumo classificar os dias em que ele decide implicar com a cor do grampeador ou com o café que, segundo ele, está "mornamente inaceitável". Mas vá lá, ninguém é perfeito. - Se ele fosse tão bom patrão, já teria reconhecido seu valor. - Minha mãe entra no coro, com aquela doçura afiada que só ela domina. - Quem sabe até mesmo lhe promovido a um cargo mais digno do seu talento. Ah, se eles soubessem. Se tivessem ideia de que meu salário faz corar boa parte dos gerentes e diretores da empresa... Mas claro, pra quê jogar fatos quando preferem viver em novelas mentais onde só a vida da Emily importa? - Estou bem onde estou, mamãe. - digo num tom plácido, espetando meu macarrão com a tranquilidade de quem está muito acostumada a esses diálogos. - Gosto do que faço, e isso é o suficiente pra mim. - Você precisa ser mais ambiciosa, Ane. Olhe só pra mim. - E aí vem Emily, com aquele tom professoral que me arranca um leve arqueamento de sobrancelhas. - Hoje eu tenho a vida que sempre quis, graças às escolhas certas. Você deveria seguir os meus conselhos. Aham. Inspiração total. Só se for para uma peça de comédia. Fico encarando Emily por alguns segundos, me perguntando exatamente o que, na vida que ela leva, seria digno de admiração. Nada contra ser sustentada pelo marido, claro, cada um sabe do que precisa - mas vamos combinar, não foi exatamente uma jornada de superação digna de Oscar. E o pior: ela acredita mesmo que construiu aquilo sozinha. Eu, por outro lado, sou o tipo de mulher que nunca precisou de um coadjuvante para garantir o próprio final feliz. Meu carro, minhas economias, meu apartamento, minhas viagens... tudo veio das minhas horas extras, das reuniões intermináveis e de noites em claro digitando relatórios. Se o mundo desabar, sei exatamente quem vai me colocar de pé de novo: eu. E honestamente? Isso vale mais do que qualquer promoção de fachada ou aplauso de conveniência. Estou prestes a responder Emily com a língua afiada que herdei da minha avó paterna, quando o toque do meu celular ecoa pela sala, interrompendo o espetáculo da minha irmã. Respiro fundo, aliviada por um motivo para calar a boca, e olho a tela. Arqueio as sobrancelhas em descrença. Senhor Blake. Ele nunca liga aos domingos. - Sem celular à mesa, mocinha. - diz meu pai, naquela pose de autoridade suprema que ele acha que tem, como se fosse o patriarca de um império e não só de uma família levemente disfuncional. - Preciso atender, é importante. - respondo já me levantando da mesa, sem dar espaço para discussões. Sigo direto para a cozinha, ouvindo ao fundo os murmúrios indignados dos meus pais pela minha "falta de respeito". Francamente, eu deveria mandar flores para o senhor Blake. Ele acabou de me salvar de uma emboscada emocional digna de tribunal familiar. O celular vibra de novo. Respiro fundo e atendo. - Senhor Blake, aconteceu algo? - pergunto tentando parecer profissional, mas a curiosidade já me corrói por dentro. Ligação de domingo nunca é boa... ou é boa demais para ser verdade. - Senhorita Moore, graças aos céus que atendeu. - A voz dele carrega um certo alívio, o que não é nada típico. E quando Blake sai do protocolo, é porque tem coisa. - Peço desculpas por ligar em seu dia de folga. Espero não estar incomodando. - Sem problemas, senhor Blake. - digo, me contendo para não soltar um "o senhor acaba de me salvar de um interrogatório dos infernos". - Mas então... aconteceu algo? Está precisando de mim para alguma coisa? - Na verdade, sim. Preciso que venha à minha casa, de preferência agora, se for possível. Tenho alguns assuntos que gostaria de tratar pessoalmente com a senhorita. Lá vem. Voz formal, postura rígida, e aquela sensação de que algo grande está prestes a cair no meu colo. - Bem, senhor Blake, ir até aí não seria um problema, mas... eu não sei onde o senhor mora. - digo, tentando não parecer nem desesperada, nem excessivamente disponível. - Mandarei que meu motorista vá até sua casa, senhorita Moore. Ele deve chegar em alguns minutos. - Eu... não estou em casa. - digo, um pouco sem jeito. - Estou na casa dos meus pais, fora da cidade. Mas não se preocupe, apenas envie o endereço e eu me encarrego de chegar aí o mais rápido possível. - Tudo bem então. - ele responde naquele tom cortante, mas contido. - Enviarei por mensagem. Até breve. - Estarei a caminho, senhor. - digo antes de encerrar a chamada. Desligo e encaro o nada por alguns segundos, agradecendo mentalmente ao universo, ao karma e até à Emily por ter aberto a boca a tempo de me empurrar direto para essa válvula de escape. Agora só falta bolar um plano de fuga digno de missão impossível, porque convencer meus pais de que estou saindo no meio do almoço não vai ser nada fácil. Deus me ajude.