Hoje, André e eu tivemos mais um casamento.
Para mostrar que estava mesmo comprometido em se casar comigo, André convidou muitos convidados. Isso me deixou super ocupada com os preparativos.
Passei a noite inteira sem comer, quase não conseguia ficar de pé de tanta dor no estômago. Mas André não notou nada, naquele momento, ele estava rindo e brincando com a Selena.
Eu me controlei para não fazer uma cena, rezando em silêncio para que, desta vez, o casamento corresse bem.
De repente, Selena empalideceu e agarrou a mão de André, apavorada:
— André, acho que comi algo com pasta de amendoim...
André se virou pra mim, com raiva e cheio de reprovação:
— O que você fez? Eu já não te falei que a Selena é alérgica a amendoim? Como você ainda preparou algo com isso?
Olhei pra ela, em silêncio. Eu sabia que ela estava fingindo. Eu não preparei nada com pasta de amendoim.
Depois de verificar a situação dela, André pegou ela no colo:
— Não dá, preciso levá-la ao hospital agora.
Segurei sua mão e sussurrei:
— Desta vez, fica... tá bom?
Ele me olhou, depois olhou pra Selena nos braços dele. Hesitou por um momento, mas logo decidiu:
— Vamos cancelar o casamento. A situação da Selena parece séria... Ela é órfã, não tem ninguém por ela. Eu preciso cuidar dela.
Meus pais apertaram os dentes de raiva, meus amigos não seguraram os xingamentos, até os convidados começaram a cochichar:
— Coitada da noiva... Já estive em 65 casamentos dela, e sempre sobra pra ela arrumar a bagunça.
— É... Cada cerimônia tão caprichada, ela deve amar muito esse cara pra aguentar tudo isso.
André viu que eu não soltei a mão dele, e falou impaciente:
— Íris, custa entender? Uma reação alérgica pode matar! Eu juro, no próximo casamento eu estarei lá!
Essa promessa... já ouvi vezes demais.
E, como sempre...
Essa foi a 66ª vez que ele cancelou nosso casamento por causa da Selena.
Antes, eu chorava, implorava pra ele ficar. Já gritei, já briguei. Mas agora... agora eu só me acostumei. Chorar ou fazer escândalo não faz ele voltar.
Soltei a mão dele. Mesmo com a dor no estômago me dilacerando por dentro, forcei um sorriso:
— Vai logo. Leva ela ao hospital. Ela parece mesmo mal.
André ficou paralisado. Nunca tinha me visto tão compreensiva, por um instante, ele até se desesperou:
— Íris, me desculpa. Eu só vou levar a Selena pro hospital e volto, tá?
— Tá bom. — Respondi, enquanto via ele ir embora.
Mas eu sabia que ele não voltaria. Igual às outras 65 vezes.
A dor no estômago me deixou tão fraca que, na frente de todo mundo, eu desmaiei.
Meu estômago nunca foi bom.
André sempre soube disso.
No começo do nosso relacionamento, ele fazia questão de me ver comer todos os dias. Se eu pulasse uma refeição, ele já se preocupava achando que minha gastrite ia atacar.
Ele sabia que o estresse me fazia passar mal, então cozinhava pra mim com as próprias mãos, lembrava dos alimentos que eu não suportava.
Ele dizia que cuidaria de mim pro resto da vida, que eu era a pessoa mais importante pra ele.
E tudo isso… terminou no dia em que a Selena entrou na equipe do hospital.
Por ela, ele me deixou 66 vezes.
Cansei. Não queria mais dar nenhuma chance.
Quando acordei, só meus pais estavam ao meu lado.
Disseram que o casamento foi cancelado. André não voltou nem uma vez o dia inteiro.
Eles tentaram avisar que eu tinha desmaiado, mas o celular dele estava desligado.
Dei um sorriso amargo. Sempre que a Selena se metia em algum problema, André me deixava pra depois. Porque ela é órfã. Porque ela é "coitada".
Olhei pro meu vestido de noiva. Tão branco, tão sagrado… usei esse vestido 66 vezes por causa do André.
Me levantei com esforço e joguei ele direto no lixo.
Minha mãe chorava enquanto enxugava minhas lágrimas:
— Íris, dessa vez, volta com a gente. O André não te merece.
Na 65ª vez que ele cancelou, meus pais me arrastaram de volta pra casa. André passou a noite inteira ajoelhado na porta, implorando perdão.
Meus pais cederam e deixaram que marcássemos o “último” casamento.
E agora?
Se ele ficasse três dias e três noites ajoelhado?
Eu já não tinha mais forças para suportar, de novo, o desespero de ser deixada por ele:
— Pai… Mãe… me perdoem. Eu não vou voltar pra casa. Daqui a três dias, vou partir pra Nárnia.
Sempre quis trabalhar como médica voluntária internacional. Na época, recusei o convite da organização só pra ficar com o André.
Agora, só quero uma coisa:
Sumir da vida dele de uma vez por todas.