André me puxou para fora do escritório, com cara de quem estava sendo injustiçado.
— Íris, você tá de birra de novo. Quando é que você vai crescer um pouco? Cancelar o casamento dois dias atrás não foi escolha minha. A Selena veio como convidada, e acabou desmaiando por causa de uma reação alérgica. Eu não devia cuidar dela?
Fiquei ali, parada, olhando pra ele com calma.
— Eu não tô brava. É claro que você devia cuidar dela.
André ficou confuso. Me encarou, murmurando:
— Como assim, toda compreensiva de repente? Se não tá brava, por que pediu demissão?
— Porque achei um trabalho que realmente me deixa feliz.
Estudei medicina por muitos anos para ajudar quem está em sofrimento, por isso fico muito feliz em me tornar uma Médica Sem Fronteiras.
Mas André de repente ficou sério e disse:
— Você não pode sair agora. A Selena teve uma reação alérgica no nosso casamento e foi por isso que a cerimônia foi cancelada. Se você pedir demissão agora, ela vai achar que você está com raiva dela. Ela é órfã, é muito sensível...
Eu estava cheia de expectativa, mas ele jogou um balde de água fria. Só para que a Selena não se sentisse mal, ele queria que eu abrisse mão daquilo que eu mais amava.
Talvez minha decepção tenha sido óbvia demais, porque André suavizou o tom:
— Aguente só mais um pouco. Depois que a gente casar, eu vou apoiar tudo que você quiser fazer.
A essa altura, ele ainda queria se casar comigo.
Mas eu estava exausta demais, não tinha mais forças para continuar.
Eu não disse nada, e André presumiu que eu havia concordado. Afinal, em nosso relacionamento, eu nunca recusava um pedido seu.
— Pronto, não fica chateada. Que tal a gente sair pra um jantar hoje à noite?
André se aproximou e segurou minha mão. Tínhamos um combinado: não importava o quanto brigássemos, nossos encontros sempre tinham que ser felizes.
— Tá bom. — Aceitei.
Eu queria encerrar essa relação do jeito mais bonito possível.
Mas Selena surgiu do nada, mais uma vez se intrometendo.
— André, me ajuda! O velhinho do leito 8 tá me encarando com cara nojenta… Você pode fazer o exame dele por mim?
Olhei para Selena com frieza. Ela era enfermeira. Se estava com algum problema no trabalho, devia procurar a supervisora. Mas não… Ela só queria provocar pena no André.
Antes eu teria confrontado isso. Mas agora eu não me importava mais.
André hesitou. Pela primeira vez, parecia querer ouvir minha opinião. Só que antes, ele nem ligava pro que eu achava.
Fui compreensiva como sempre:
— A Selena é órfã, fácil de ser alvo dos outros. Você, como veterano dela, tem mesmo que ajudar.
Antes de ir, André me lançou vários olhares, como se não acreditasse no meu comportamento.
Selena, por sua vez, segurou minha mão com entusiasmo:
— Íris, você é uma pessoa incrível. Está até disposta a me "emprestar" seu noivo.
Fingi que nem ouvi.
Mas ela insistiu:
— Nossa, parece que o seu colar é parzinho com o meu!
Olhei para o colar que ela usava — e foi como ser atingida por um raio. A dor me atravessou inteira.
O pingente era uma chave. O meu era um cadeado.
Quando me mudei pra essa cidade com o André, ele mandou fazer esses colares combinando. Disse que só ele tinha a chave do meu coração.
Prometeu usar o dele pra sempre. Prometeu me amar pra sempre.
Mas agora, esse colar apareceu no pescoço de outra mulher. É irônico demais.
Fui tirando meu colar com as mãos trêmulas e entreguei pra ela.
— Então leva. Assim o par fica completo.
Depois do trabalho, André veio me buscar pro encontro.
Assim que me viu, notou que eu não estava usando o colar. Ficou nervoso, agarrou minha mão:
— Cadê seu colar? A gente não combinou que nunca ia tirar?
Olhei pro pescoço dele. Ele também não estava usando. Por que eu deveria?
Ele pareceu um pouco culpado.
— Desculpe, eu perdi o meu.
Sorri.
— Que coincidência. O meu também.
André respirou aliviado.
— Então vou comprar outro pra você.