####A Flagrante

A Vergonha de Ryan

Etienne Trovato deixou o setor financeiro ainda com o peso do encontro com Aimee em sua mente. Aquela menina, filha da dedicada Mercedes, tinha algo diferente. Havia nela uma força que lhe lembrava os dias em que ele próprio ainda acreditava em destino. Ele segurou a bengala com mais firmeza, não porque precisasse dela para andar, mas porque gostava de sentir o símbolo da autoridade em suas mãos. O velho patriarca ainda estava longe de ser um homem vencido pelo tempo.

— Essa jovem vai mudar muita coisa por aqui… — murmurou, antes de entrar no elevador.

O destino, porém, o conduzia para uma cena que abalaria não só a sua paciência, mas a própria imagem da família Trovato.

Quando chegou ao andar da diretoria executiva, o ambiente tinha aquele silêncio solene que ele sempre cultivou: corredores de mármore polido, quadros imponentes nas paredes, o brasão da família entalhado no vidro da recepção. A secretária se levantou apressada ao vê-lo, quase tropeçando nos saltos.

— Senhor Trovato! — disse, um tanto nervosa. — Não sabia que viria até aqui…

Ele ergueu as sobrancelhas grossas e imponentes.

— O meu neto está ocupado?

A mulher gaguejou.

— N-não, senhor. Apenas a senhorita Lucy está com ele. Está… está digitando uns processos.

Etienne suspirou fundo. O nome soou como confirmação de boatos que já lhe haviam chegado aos ouvidos. Lucy. A secretária provocadora, de saias curtas e olhos calculados. Ele sabia reconhecer o tipo.

— Muito bem. — A voz grave ecoou pelo hall. — Eu mesmo vou entrar.

— Sim, senhor…

Ele não esperou mais nada. Empurrou a porta do escritório com força, e o que viu fez o sangue ferver em suas veias de quase oitenta anos.

Ryan, o neto em quem depositara confiança e esperanças, estava de pé, colado à mesa de mogno, os braços envolvendo Lucy em um ato vergonhoso. Ela arfava, a blusa aberta, enquanto ele, com a calça aberta, parecia alheio ao mundo. O estalar da porta contra a parede os despertou como um trovão.

— Mas que palhaçada é essa?! — rugiu Etienne, a voz atravessando o ar como um chicote.

O corpo de Lucy se eriçou de susto. Ela puxou a blusa às pressas, desceu da mesa tropeçando nos próprios pés. Ryan, com o rosto vermelho, apressava-se em fechar a calça.

— V-vovô, eu… — balbuciou o neto, mas foi interrompido.

— Cale-se! — Etienne ergueu a mão, imperioso. Os olhos dele, frios como aço, se voltaram para Lucy. — Retire-se daqui imediatamente.

Lucy, no entanto, ergueu o queixo em desafio.

— O senhor não é o meu patrão para me mandar sair.

O silêncio que se seguiu foi cortante. O coração de Etienne bateu firme no peito, mas seus olhos faiscaram com ira. Ele avançou dois passos, apoiando a bengala com força contra o chão.

— Como é que é, sua insolente? — A voz dele ribombou pelo escritório. — Eu não sou o seu patrão? Pois ouça bem: o meu neto pode ser o CEO, mas o dono disso aqui sou eu ainda! Sou eu quem paga os salários, quem construiu cada tijolo dessa empresa, quem carrega o nome Trovato há mais de meio século!

Lucy empalideceu, mas não recuou completamente.

— Mesmo assim, o senhor não tem o direito de me ofender. Eu estava no meu horário de almoço.

Etienne inclinou a cabeça para o lado, como quem observa um inseto prestes a ser esmagado.

— No seu horário de almoço… servindo de comida? De lanchinho para o meu neto? — O desprezo em sua voz era palpável. — Está demitida.

Lucy ofegou, arregalando os olhos.

— O quê?!

— Está demitida! — repetiu Etienne, cada sílaba como um martelo. — E por justa causa. Primeiro, por insubordinação. Segundo, porque aqui não é a sua casa, nem o seu apartamento, muito menos um motel barato para os seus joguinhos de sedução. Você estava em pleno horário de trabalho, dentro de uma sala de diretoria, desonrando esta empresa e este nome.

Lucy tentou recuperar a compostura, ajeitando a saia com mãos trêmulas.

— Eu, posso explicar.

— Não há nada a ser explicado. — A voz do patriarca cortou como uma lâmina. — Junte suas coisas, entregue seu crachá e nunca mais ouse colocar os pés nesta empresa.

As lágrimas começaram a se acumular nos olhos da secretária, mas Etienne não se compadeceu. Ele já havia visto mulheres desse tipo muitas vezes ao longo da vida: usavam beleza como arma e confundiam sedução com poder. Para ele, não passava de podridão disfarçada.

Lucy olhou para Ryan, buscando apoio.

— Senhor Ryan, o senhor não vai dizer nada?

Ryan hesitou, passando a mão pelos cabelos em desalinho.

— Vovô, talvez estejamos exagerando…

Etienne o cortou de imediato, o olhar flamejante.

— Exagerando? Você ousa chamar de exagero ver o CEO desta empresa com as calças arriadas no meio da tarde, enquanto clientes, acionistas e funcionários confiam neste nome? Você tem ideia da vergonha que poderia cair sobre nós se alguém além de mim tivesse visto isso?

Ryan abaixou a cabeça, envergonhado. Lucy, percebendo que não teria defesa, pegou a bolsa e saiu apressada, ainda soluçando. A porta bateu atrás dela, e o silêncio caiu pesado no escritório.

Etienne respirou fundo, tentando conter a fúria que latejava em suas têmporas. Caminhou até a janela, olhou a cidade pulsando lá fora e então voltou-se para o neto.

— Já ouvi muitos boatos sobre você, Ryan. Boatos de que transforma esta sala em alcova. Eu quis acreditar que eram intrigas. Mas hoje vi com os meus próprios olhos.

Ryan fechou a calça por completo, tentando parecer digno.

— Eu… sou homem, vovô. Tenho minhas necessidades.

— Não confunda virilidade com libertinagem — retrucou Etienne, a voz firme. — Um homem se define pelo caráter, não pelos instintos. E um líder carrega responsabilidade maior do que os desejos que o consomem. Você é o CEO desta empresa, não um adolescente depravado em busca de aventuras proibidas.

Ryan tentou encarar o avô, mas a vergonha o corroía.

— E o que o senhor pretende fazer comigo?

Etienne se aproximou, batendo a bengala no chão mais uma vez.

— O que eu pretendo? Vou pensar seriamente se você merece continuar sentado nesta cadeira. O nome Trovato é muito maior que você, Ryan. Se não aprender a honrá-lo, vou arrumar outro herdeiro.

A ameaça pairou no ar como um trovão prestes a cair.

Ryan engoliu em seco, sentindo o peso da tradição familiar esmagando seus ombros.

Etienne não se deu por satisfeito apenas com a saída de Lucy. A fúria ainda queimava em seus olhos. Ele respirou fundo, ajeitou o paletó e apontou para o neto com a bengala.

— Agora, se arrume. — A voz dele soou como uma ordem militar. — A minha secretária pessoal vai ficar de olho em você, e a outra assistente da diretoria, que está lá fora, também vai lhe assistir. E mais: eu vou arranjar outra secretária para você.

Ryan bufou, fechando o cinto com raiva.

— E agora o senhor vai arranjar uma velha para mim?

O riso curto e seco de Etienne ecoou pelo escritório.

— Não, rapaz. Não vou arranjar uma velha. Vou arranjar alguém que não caia na sua sedução barata, seu playboyzinho.

Ryan se remexeu, sentindo o golpe da palavra.

— Playboyzinho?

— Exatamente! — o avô disparou, firme. — Fora da empresa, você que viva sua vida como bem entender, colecione escândalos e manche a sua reputação pessoal, se isso é o que deseja. Mas aqui dentro aqui não! Aqui você não é playboy, aqui você é o CEO. E como CEO, deve se portar como líder, não como um moleque inconsequente.

Ryan tentou argumentar, mas Etienne ergueu a mão, cortando-o no ar.

— E mais uma coisa: vamos acabar com essa sua farra de mulheres desfilando pelos corredores como se fossem troféus. Não quero mais aventuras entrando nesta empresa. Este é um local de trabalho, Ryan. É aqui que se faz história, que se constrói futuro, que se honra o nome da família. Não é motel, não é boate, não é o seu playground particular. Entendeu?

O neto abaixou os olhos, mordendo os lábios, como um menino repreendido.

— Sim, senhor. — respondeu, com a voz carregada de frustração.

Etienne se aproximou, firme, e concluiu:

— Ótimo. Porque se eu tiver que repetir isso mais uma vez, você deixará de ser CEO no mesmo instante.

O Peso do Nome Trovato

Etienne respirou fundo, fechou os olhos por um instante, como se buscasse forças nas lembranças do passado. Quando voltou a fitar o neto, seus olhos estavam mais duros do que nunca.

— O que está faltando para você, Ryan, é responsabilidade. Responsabilidade como homem. Responsabilidade como marido. — A bengala bateu no chão com firmeza. — E já que você não é capaz de escolher sozinho, eu vou arranjar uma esposa para você. E você vai me dar um neto.

Ryan arregalou os olhos, pasmo.

— Como é que é?! — exclamou, incrédulo. — Eu só tenho trinta e dois anos de idade, vovô. Ainda tenho muito o que aproveitar da vida!

Etienne inclinou o corpo para frente, os olhos faiscando.

— Trinta e dois anos? Pois saiba que na sua idade eu já era casado com a sua avó. E a sua avó já esperava a sua mãe em seu ventre.

O velho patriarca parou por um instante, a voz embargada pelo peso da memória.

— Infelizmente, sua avó só pôde ter a sua mãe. Nós não tivemos mais filhos. E porque foi filha única, sua mãe foi mimada demais… mimada por mim e pela sua avó. Nós a protegemos de tudo, e ela não soube se defender sozinha quando escolheu o homem errado para a vida.

Os olhos de Etienne se estreitaram, a dor se transformando em fúria.

— O seu pai, Ryan, foi um mau caráter. Traiu a minha filha, enganou, fez-na sofrer até morrer de tristeza. E pelo que vejo agora, o filho carrega apenas o sangue do pai, e não o sangue da mãe.

As palavras caíram como pedras sobre o coração de Ryan. Ele tentou protestar, mas não conseguiu.

— Se a minha filha estivesse viva hoje… — a voz de Etienne tremeu, mas não perdeu a firmeza — ela morreria novamente ao ver que o sangue do sangue dela herdou o mesmo instinto lascivo, a mesma devassidão do homem que a destruiu.

Ele balançou a cabeça, decepcionado, como se cada palavra fosse um punhal que também o ferisse.

— Isso é um desgosto muito grande para um avô. Ainda bem… ainda bem que a minha esposa e a minha filha não estão vivas para testemunhar essa vergonha.

O silêncio que se seguiu foi sepulcral. Ryan, atônito, não encontrou palavras. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se pequeno diante de alguém. Não pelo poder, mas pelo peso da verdade.

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