POV: Kael
Cinco anos. Cinco malditos anos. E ainda assim, meu lobo não se cala. Ele uiva nas noites de lua cheia. Lembra o perfume que já não sente, o calor de uma presença que o tempo não conseguiu apagar. Ayra está morta. É o que todos dizem. É o que repito. Mas, mesmo assim… estou aqui. No extremo norte da floresta. No território dos renegados. — Aqui foi o último ponto de atividade incomum. Informou Eros, meu batedor mais experiente. — Pegadas. Rastros de acampamento. Mas desaparecem antes do rio. Como se tivessem sido apagados... de propósito. Aproximei-me de uma árvore grossa, arranhando a casca com as unhas. A fera dentro de mim se agitava, inquieta, desconfiada. Algo estava errado. Ou prestes a acontecer. A floresta sussurrava. Mas se recusava a contar seus segredos. — Os renegados têm se movido diferente ultimamente. Eros continuou. — Há boatos de uma alcateia nas sombras. Discreta. Extremamente bem treinada. E comandada por... — Por quem? — Um Alfa. Aruk. Exilado do leste. Há mais de uma década. Mas não lidera sozinho. Disse, hesitante. — Falam de uma mulher ao lado dele. Ninguém sabe o nome. Só... histórias. Minhas costas enrijeceram. — Que tipo de histórias? — Chamam-na de A Loba Escarlate. Feroz. Invisível. Como parte da floresta. Ninguém a vê. Só sentem a presença... e recuam. Fechei os olhos. Um calafrio subiu pela espinha. Coincidência. Tinha que ser. — Provavelmente são apenas boatos. Murmurei, virando de costas. Mas meu lobo rosnou. Ele não acredita em coincidências. Nem eu deveria. De volta à fortaleza, o silêncio era sufocante. Espalhei os mapas sobre a mesa. A fronteira norte. O rio coberto de névoa. A trilha abandonada. Tudo levava ao mesmo lugar: a floresta das sombras. Território neutro. Terra de ninguém. Ou de alguém que não queria ser encontrado. Aruk era uma ameaça. Mas não era ele que me tirava o sono. Era ela. A presença invisível ao seu lado. A loba escarlate. Um nome sem rosto. Um título sem origem. Uma sombra poderosa demais para ser ignorada. Reina entrou sem bater, como sempre, com aquele sorriso que me dava náuseas. — Ainda está obcecado com esses mapas? Disse, se aproximando com falsa leveza. — Estou analisando uma ameaça. — A única ameaça aqui, Kael, é essa fixação que você carrega. Cinco anos e ainda se recusa a me aceitar. O Conselho começa a sussurrar. Ignorei. — Alguma movimentação ao sul? Ela bufou. — Nada. Mas, se quer brincar de caçador, vá para o norte. Só não espere voltar com respostas. Reina saiu, seus saltos ecoando pelo corredor de pedra. Mas meu lobo continuava agitado. E, naquele instante, a carta chegou. Sorren, meu conselheiro mais antigo, me entregou o envelope com as mãos trêmulas. Era antigo. Sem brasão. Selado com cera preta. — Veio preso à pata de um corvo negro. Disse. — Pousou diretamente nos portões da fortaleza. Sem magia detectada. Só... intenção. Rompi o lacre. Um pergaminho. Curto. Apenas uma frase: "O que você rejeitou floresceu. E agora tem garras." Sem nome. Sem assinatura. Mas o cheiro... Rosa selvagem. O mesmo perfume que Ayra usava quando enfrentava o Conselho de queixo erguido. Meu estômago afundou. Não. Não podia ser. Ela desapareceu. Nenhum corpo. Nenhum rastro. Eu a rejeitei. Ela sumiu. Todos disseram que estava morta. Até eu acreditei. Até agora. — Há pistas de quem enviou isso? perguntei, tenso. Sorren hesitou. — Rumores de que Aruk tem uma consorte. Uma loba misteriosa que ninguém vê. Só a chamam de Escarlate. Dizem que ela comanda com ele... há anos. Meus dedos cerraram o pergaminho como se quisessem esmagar a memória. Será? Não. Mas... e se fosse? — Prepare os batedores, ordenei. — Vamos ao norte. Em silêncio. — Vai enfrentar Aruk? — Quero descobrir quem está ao lado dele. Sorren baixou a cabeça. — E se for... ela? Não respondi. Porque eu não sabia o que faria. Se Ayra estiver viva... Se ela se tornou a Loba Escarlate... Se agora pertence a outro Alfa... Talvez o erro não tenha sido só tê-la rejeitado. Talvez eu tenha perdido o que jamais poderei recuperar..