POV: Ayra Blake
Dizem que quando a marca do destino se aproxima, a pele formiga, o peito aperta e o corpo sabe, antes mesmo da alma.
Comigo foi assim.
A clareira estava silenciosa, banhada pela luz fria da lua cheia. Os anciões formavam um círculo ao redor da fogueira, suas peles brancas refletindo as chamas como espectros de um passado que se recusava a morrer. Meus joelhos estavam cravados na terra dura. A frieza do solo me lembrava: nada ali era confortável. Nada ali era meu.
E ele ainda não havia chegado.
Kael Ashford. O Alfa Supremo da alcateia. Meu companheiro destinado.
Meu erro.
Cada segundo de ausência dele era uma punhalada invisível. Mas ninguém falava. Todos esperavam. O Conselho. Os soldados. Os curiosos. Esperavam para ver se o Alfa aceitaria a loba marcada pelo destino. Ou se me rejeitaria ali, diante de todos.
Uma brisa cortante soprou entre as árvores, e então... eu o senti.
O cheiro.
Madeira queimada. Terra molhada. E algo intensamente masculino, selvagem, cru.
Minha espinha se arqueou antes que eu pudesse controlar. Meus sentidos despertaram. Os batimentos aceleraram. A marca, até então adormecida, começou a ferver sob a pele. O vínculo se formava. Era real. Ele estava perto.
Kael atravessou a clareira como uma tempestade silenciosa. Alto, imponente, olhos âmbar como brasas vivas, os ombros largos envoltos em couro negro, seus cabelos castanhos levemente bagunçados. Ele exalava autoridade. Força. Perigo.
E, por um instante, nossos olhos se encontraram.
O tempo... parou.
Meu lobo interior se curvou. Um impulso primal me tomou, arrastando-me à beira do abismo. Eu o desejei. Com raiva. Com fome. Com esperança.
Ele parou diante de mim. O mundo segurou o fôlego. O Conselho aguardava sua palavra. Meu coração tamborilava contra meu peito como se quisesse fugir dali.
— Ayra Blake. Ele disse.
Seu tom cortou o ar como lâmina gelada.
— Eu recuso a marca.
Tudo dentro de mim estilhaçou.
— O quê? Sussurrei, mas minha voz morreu antes de alcançar alguém.
Ele não repetiu. Apenas virou de costas.
A dor veio de imediato.
A marca, que se selava como brasa sob minha pele, se rasgou por dentro.
Foi como uma queimadura em carne viva. Um fogo no peito. Um corte na alma.
Meu corpo tombou para frente, mãos cravadas na terra úmida.
Alguns lobos murmuraram. Outros riram, baixinho. E eu sangrei. Por dentro e por fora.
Kael me rejeitou. Publicamente. Fria e completamente. Como quem pisa em pó.
— Fraca. Disse uma voz à esquerda.
Reina. A cadela que todos sabiam que dividia a cama dele.
O sorriso dela era puro veneno.
Eu deveria ter gritado. Mordido. Me levantado. Mas meu corpo não se movia.
Tudo em mim queria morrer ali. Sumir.
Tudo… menos meu ventre.
Ali, pulsava um calor diferente. Um brilho novo. Algo... vivo.
Algo dele.
Kael podia me rejeitar. Podia me humilhar diante do mundo.
Mas o destino já estava selado.
E um dia, ele se ajoelharia.
Não diante de mim.
Mas diante do nosso filho.
E quando esse dia chegasse, eu não seria mais uma loba quebrada na terra.
Eu voltaria como rainha.
Como a Luna que ele jamais mereceu.
Como a mulher que queimaria tudo.
Inclusive ele.
Sob a mesma lua que um dia nos uniu.