Capítulo 7

POV: Ayra

Estava observando Aruk e Lucian brincarem no tapete macio feito com pele de urso. Após o jantar na casa do Alfa, Lucian pediu para brincar com o "pai". Mesmo após cinco anos, eu ainda não me acostumei com meu filho chamando outro homem de pai. Meu pequeno nunca conheceu o pai verdadeiro e para ele, Aruk era seu pai.

— Está pensando muito hoje, sabia? O Alfa diz me encarando com seus olhos cinzentos.

—Consigo ver fumaça saindo de sua cabeça. - ele brinca, me fazendo revirar os olhos.

— A mamãe vai virar chaminé? Meu filho perguntou curioso.

Seus olhinhos âmbar, tão parecidos com os de Kael. sorri afastando esses pensamentos. Eu não quero pensar nele. Pelo menos não enquanto sinto meu coração disparar no peito ao perceber os olhares avaliadores do Alfa em minha direção.

Sorri para o meu filho, tentando disfarçar o aperto no peito que se formava toda vez que ele chamava Aruk de "pai". Era uma palavra simples, mas que carregava tanto peso. Uma palavra que me fazia lembrar, dia após dia, que Kael nunca o segurou nos braços, nunca ouviu sua risada ou o viu dar seus primeiros passos.

— Só se você soprar a fumaça pra longe, brinquei, tocando seu nariz com a ponta do dedo, arrancando uma risadinha que aqueceu meu peito.

Lucian voltou à brincadeira com Aruk, empolgado com os bloquinhos de madeira e as pequenas figuras de animais. A cada risada dele, sentia uma pontada de culpa misturada com alívio. Ele era feliz. Mesmo que não soubesse a verdade, era amado. Aruk cuidava dele como se fosse seu de sangue. E isso... era algo que nem todos os ômegas rejeitados podiam oferecer a seus filhos.

— Você deveria descansar. A voz de Aruk soou mais próxima, com aquele tom sereno, mas firme. Ele se aproximou do sofá, os olhos cinzentos sempre atentos aos meus gestos. — Passou o dia todo resolvendo coisas da aldeia. A loba precisa de tempo pra si.

— Não sou uma loba comum. Murmurei, ajeitando a manta sobre as pernas. — E você sabe disso.

Ele soltou um suspiro breve e se sentou ao meu lado, respeitando o espaço entre nós, sempre respeitando. Aruk nunca forçava aproximações, nunca exigia mais do que eu podia dar. Era paciente. Firme, sim, mas não invasivo. E esse cuidado... era uma forma de amor que eu ainda estava aprendendo a aceitar.

— Ayra. Ele disse, me chamando com calma

— Sei que não é fácil... Mas você precisa saber que não está sozinha aqui. Nunca esteve.

Minhas mãos apertaram a manta, como se pudessem conter a onda de emoções que suas palavras traziam.

— Você diz isso porque é bom com o Lucian, falei baixo, quase um sussurro. — Mas isso não significa que está preso a mim.

— E se eu estiver? Ele rebateu com um sorriso pequeno, carregado de algo mais profundo.

Aruk tinha essa habilidade desconcertante: me fazer sentir vista, mesmo quando eu tentava me esconder. E naquele momento, sua presença era tão sólida quanto a dor que eu carregava.

— Eu não sou fácil de amar. Admiti, com a voz embargada. — Tenho partes quebradas demais.

— Eu não quero você perfeita. Ele respondeu.

— Só quero você inteira. Do seu jeito. No seu tempo.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Lucian correu até nós, pulando no colo de Aruk com uma risada leve e os cabelos bagunçados.

— Papai! Olha! Fiz um lobo! Ele mostrava a figura feita de blocos de madeira encaixados de forma desajeitada, mas criativa.

Aruk sorriu, orgulhoso, e o abraçou com firmeza.

— Está ficando cada vez melhor, pequeno. Logo vai construir a alcatéia inteira.

Assistir àquela cena era como assistir a uma memória que nunca foi minha. Uma realidade que eu construí a duras penas. E mesmo que houvesse dor, havia também gratidão. Aruk nunca tentou ser o pai que Kael deveria ter sido. Ele simplesmente foi.

Lucian se aninhou entre nós dois, sua cabecinha encostada no ombro de Aruk, e por um instante, tudo pareceu certo. Simples. Verdadeiro.

— Mamãe, você vai contar a história hoje? Ele perguntou, com os olhos cintilando.

— Só se você prometer escovar os dentes antes. brinquei.

Ele assentiu energicamente, saltando do sofá e correndo antes que eu pudesse piscar. Aruk riu.

— Ele te domina com um olhar.

— Ele é um lobo disfarçado de filhote, retruquei com um sorriso cansado.

O silêncio caiu sobre nós de novo, confortável, mas carregado. Eu sabia que Aruk queria dizer algo. E quando ele se virou levemente para mim, senti o momento mudar.

— Ayra... se eu pedisse, você ficaria esta noite?

Virei o rosto em sua direção, surpresa. Aruk raramente quebrava as barreiras que ele mesmo ajudava a manter. Sempre esperava por mim. Por meus sinais. Mas havia algo nos olhos dele... um cansaço que ia além do físico. Um desejo sincero por algo mais que convivência.

— Por que hoje? perguntei, mesmo sabendo a resposta.

— Porque você está se afastando de novo, ele disse com honestidade. — Porque eu te vejo... tentando ser forte o tempo todo. E porque talvez, só talvez, você também queira alguém que te segure sem peso. Sem passado. Sem culpa.

Fechei os olhos por um segundo. Havia tantas noites em que desejei exatamente isso, um toque quente, uma presença calma. Um corpo que não me lembrasse o abandono, mas a escolha.

— Eu fico. Sussurrei, antes que a coragem fugisse.

Aruk não comemorou. Não sorriu com vitória. Apenas assentiu, respeitoso, como sempre. E ficou ali, ao meu lado, como fazia há cinco anos. Silencioso. Constante.

Lucian voltou correndo logo depois, se jogando entre nós com seu livrinho de contos nas mãos.

— Prontos pra história? — perguntei, tentando manter a voz firme.

Ele assentiu, se acomodando com a cabeça no colo de Aruk e as perninhas sobre as minhas. Um pequeno elo entre mundos que um dia pareciam irreconciliáveis.

Naquela noite, li a história com a voz suave, sentindo o calor dos dois ao meu lado. E, pela primeira vez em muito tempo, meu coração não doeu tanto.

Ainda não era amor.

Mas era o começo de algo que, com sorte, poderia florescer.

E por enquanto, isso era mais do que suficiente.

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