Lara acordou sem ter noção de onde estava, até que viu o Sr. Schein sentado em uma cadeira ao seu lado.
— Até que enfim, acordou. Como está se sentindo? Ela olhou em volta e percebeu que estava na clínica. Lembrou do banquete do Alfa e da dor, mas agora, não sentia nada. Tentou se levantar e a dor nas costelas apareceu. — Não se esforce, você tem fratura em três costelas. — Pensei mesmo que teria. Aquele Alfa estúpido me tratou como um cachorro, jogando pedaços de carne para eu comer do chão e me chutava se eu não comece. Schein franziu o rosto, preocupado. Todos sempre trataram a jovem como uma empregada, serva, e até escrava, mas nunca soube que ela foi agredida ao ponto de quebrar os ossos. Isso era uma crueldade, porque ela não tem uma loba para curá-la rapidamente e vindo do Alfa, a agressão ainda era pior, pois vinha acrescida de humilhação. — Qual é a família que está contigo esta semana? — perguntou o mestre das ervas. — A do Beta Gomes, chefe da manutenção. — respondeu ela. — Pode deixar que avisarei a eles. O médico ordenou que você fique dois dias internada, de repouso. — Minhas costelas não vão curar em dois dias e não tenho para onde ir. Caso vá para a casa dos Gomes, eles acharão que estou curada e terei que trabalhar do mesmo jeito. Lara não estava reclamando, pois realmente não tinha um lugar para si, nem sobrenome tinha, que dirá um canto onde pudesse ficar. Precisava ter sua loba o mais rápido possível, para se livrar daquela situação. Não falou em voz alta, não queria que o mestre tirasse conclusões precipitadas, achando que ela era mal agradecida e não gostava da vida que tinha. Ela sabia que era muito difícil agradar as pessoas e quanto mais reclamasse ou chorasse, mais ela seria humilhada e menosprezada. Então, guardou para si sua opinião e deixou para pensar neste problema quando a hora chegasse. A porta do quarto abriu e Corina passou por ela. — Então a paciente já acordou, que bom. Como se sente, pequena? — Bem, é só não me mexer. O que aconteceu, senhora? — Nem eu sei, o Alfa parecia não estar em seu juízo perfeito, ontem. O segurança a encontrou desmaiada debaixo da mesa e me chamou. Trouxemos você para cá e só então descobrimos todos os seus ferimentos. — Eu queria entender porque ele me odeia tanto. — Acho que ele não te odeia, só te rejeita. Lara pensou, mais uma vez, que precisava sair daquela Alcateia o mais rapidamente possível, mas para isso, precisava de documentos, não tinha nenhum registro de seu nascimento ou de uma família e isso dificultava muito as coisas. Como poderia sair e se identificar em algumas cidades, mesmo que fosse humana, sem ter um documento qualquer? — Estávamos falando sobre a casa onde ela deveria ficar esta semana, você pode tentar amenizar a situação dela? — perguntou Schein. — Não se preocupe, já cuidei disso, solicitei ao Beta Clóvis, que ela fique comigo durante as próximas duas semanas. — disse Corina. — Isso será ótimo. Você cuidará dela, não é certo? — perguntou Schein. — Sim, ela ficará oculta no quartinho da despensa. — Mas e se ele me encontrar? — perguntou Lara, com medo. — Não vai, querida e se acontecer, não permitirei que ele faça nada contigo. Lara ficou mais tranquila, em duas semanas seria a lua cheia e tentaria sair da casa, para deixar sua loba sair. Assim que se transformasse, fugiria, não importava para onde, correria o mais rápido e longe que pudesse, contanto que ficasse longe de todos que a escravizavam. Dois dias passaram rápido e Corina foi buscá-la antes que todos acordassem, para ninguém saber onde Lara estava. O Beta Gomes já tinha reclamado o suficiente, por ter perdido sua semana de servidão e ela não queria ter que ouvir mais ninguém reclamando. Lara sentiu que sua perna e tornozelo estavam bem melhores, só as costelas ainda doíam. Talvez pela proximidade de seu aniversário e da lua cheia, sua loba parecia ter despertado e curava-se mais rápido. Entraram no casarão pela cozinha e Corina levou-a direto para o quartinho da despensa, onde deixou algumas mudas de roupa para a jovem. — Fique aqui o máximo de tempo possível e quando se sentir bem, poderá me ajudar na cozinha, mas só quando eu disser que pode. — Corina sabia que a jovem não ficaria quieta e queria impedir que ela abusasse. — Obrigada, senhora Corina, nunca ninguém me tratou tão bem quanto a senhora. Corina percebeu um aroma leve e suave, vindo da jovem e perguntou: — Você está começando a exalar o aroma da loba. Acho que finalmente ela vai sair, você percebeu? — Sim, farei 21 anos em duas semanas, será minha última oportunidade. — Nunca entendi o porquê de você não ter se transformado. — jogou Corina, querendo confirmar suas suspeitas. Lara olhou para Corina, sem saber se podia confiar nela, vai que ela resolvesse a trancar também e perderia a sua última oportunidade de se transformar. Corina notou que ela estava insegura e resolveu lhe dar mais confiança, contando que ela ficaria ali indefinidamente, pois ela, Corina, havia decidido acabar com sua escravidão. — De verdade, mesmo, não precisarei mais trabalhar para eles? — Não, querida, você ficará aqui comigo. Que tal confiar em mim e me contar o que aconteceu para sua loba não sair. — Em toda noite de lua cheia, eles me trancavam em um quarto sem janelas e totalmente vedado, onde nenhum raio de luar penetrava. Corina cobriu a boca com as duas mãos, com um a de horrorizada. Não podia acreditar que sua própria família poderia fazer isso com uma semelhante. Suspeitar não era o mesmo que ter certeza e tudo que fizeram a jovem, a deixou muito triste. — Isso é tão horrivel, como você pôde suportar sem falar nada para ninguém. Creio que o alAlfa não sabe sobre isso. — A ordem partia do Beta Clóvis e como eu poderia ir contra o segundo na liderança da Alcateia? — Você tem razão. Você é muito valiosa nos serviços de casa, é diligente, esmerada e não faz corpo mole, mas não entendo o porquê de prenderem sua loba. Afinal, o que mais você fazia na casa deles? — As damas gostavam que eu escovasse o pelo de suas lobas e me faziam costurar várias roupas para elas. Como aprendi a trabalhar com ervas, me pediam para fazer cremes e loções de beleza. — Tudo que você não deveria fazer de graça. Agora entendo o porque do salão e da farmácia natural não prosperarem, elas têm tudo de graça através de você! — Pensei que a senhora soubesse disso e que tivessem a permissão do Alfa. — Não, querida, nós não sabíamos de nada disso. Mas agora chega de conversa, descanse que vou preparar o café da manhã e trago para você.