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A Lei do Cuidado
A Lei do Cuidado
Por: N. R. Ferreira
capítulo 1 - Recomeço

Clara acordou mais cedo nesse dia. Era segunda-feira e, apesar de ainda não conhecer bem a cidade, sabia que pegaria trânsito. Tinha que levar o filho até a escola e depois correr para o local da entrevista. Entrevistas não eram frequentes, e por isso precisava aproveitar. Um salário razoável, benefícios e um horário que permitia estar com seu filho era mais do que havia encontrado ultimamente.

 

Então correu, arrumou Antônio e conseguiu seguir com tudo dentro do horário. Chegando ao local da entrevista, encontrou uma casa muito bonita. Não era uma mansão, mas lembrava aquelas casas tradicionais norte-americanas, grandes, com parte da fachada em pedras. Tudo parecia bem tradicional e, apesar de simples, tinha um ar de “coisa de rico”.

 

Ela foi recebida por uma funcionária — uma espécie de faxineira e governanta — que pediu para que aguardasse na sala, pois a patroa logo chegaria.

 

Em poucos minutos, uma senhora de aproximadamente 60 anos entrou na sala de forma calorosa e simpática. Ela secava as mãos com um pano de prato. Apesar da idade, não aparentava os 60 anos que se espera. Nada nela era exagerado, mas tudo era sofisticado. Tinha os cabelos tingidos de um loiro médio, olhos castanhos e um rosto delicado, porém marcante.

 

Apresentou-se como Isadora Nogueira. Falou sobre sua casa, sobre a rotina de uma cuidadora de idosos ali, e também sobre a saúde do marido, o Dr. Pedro. Ele enfrentava vários problemas, mas o principal era a insuficiência cardíaca e problemas de locomoção causados por um AVC sofrido há alguns anos. As obrigações de Clara seriam fazer-lhe companhia, cuidar da alimentação, administrar os horários dos remédios e ajudá-lo a evitar esforços — já que ele era bem teimoso, como todo idoso de 75 anos.

 

Elas se deram bem, e a Sra. Isadora resolveu apresentá-la ao paciente.

 

Ao entrar no quarto, Clara se deparou com um senhor debilitado, mas que claramente já fora um homem forte e atlético. Tinha pouco cabelo — quase todo branco —, olhos muito azuis e grandes, e um rosto anguloso e expressivo, embora cansado, com olheiras. Um misto entre força e fragilidade.

 

— Olá, senhorita. Você foi a sortuda escolhida para me ajudar?

— Espero que sim — Clara respondeu, devolvendo o tom divertido da conversa.

— Tem algumas coisas que eu não gosto, mas com o tempo a senhorita aprenderá. Diga-me, você gosta de ler?

— Sim, mas não tanto quanto vocês, advogados. Gosto de ler por hobby mesmo.

— Verdade, mocinha. Advogados leem muito, mas no geral é uma leitura enfadonha. Hoje, sendo aposentado, gosto de ler por diversão, assim como você. A propósito, sou Pedro.

— Me desculpe, também não me apresentei. Me chamo Clara.

 

A conversa seguiu de forma informal e até agradável. Clara se sentiu acolhida naquela casa. A princípio achou que seria um lar esnobe, mas as pessoas pareciam gentis e, mesmo com toda aquela aparência elegante, havia simplicidade.

 

Dr. Pedro pediu que ela chamasse sua esposa, que havia saído durante a conversa. Do lado de fora, Clara encontrou a Sra. Isadora conversando com um homem alto, que lhe pareceu um segurança. Ela notou uma discussão já em seus momentos finais. A senhora falava entre os lábios:

 

— Já disse que não quero que o irrite. Você sabe que ele não vai gostar das suas notícias.

— Só vou informá-lo. Ele diz que faço questão de manter todos fora da minha vida, mas quando eu tento incluir vocês, sou arrastado para esse drama de novo.

— Você começou com isso tudo.

— Quatorze anos, mãe, pelo amor de Deus. Superem!

— Você pode falar amanhã à noite, mas nada na frente da família.

 

O homem suspirou e saiu pela porta. A senhora parecia incomodada com a discussão, mas caminhou até Clara com um sorriso.

 

— Como foi a conversa com o Dr. Pedro?

— Foi ótima. Ele é muito espirituoso e me indicou vários livros.

— Maravilha. Vamos analisar seu currículo e, entre hoje e amanhã, ligaremos. Você tem disponibilidade para início imediato?

— Sim, com certeza.

 

Naquela mesma tarde, Clara recebeu o telefonema que tanto esperava. Foi aprovada e iniciaria no dia seguinte. Ela e o filho comemoraram juntos. Era um alivio ter encontrado um trabalho e que parecia bem legal. As economias já estavam acabando, o que deixaria ela e o filho em uma situação complicada.

 

Tinham se mudado há apenas dois meses, pois Clara não aguentava mais a capital. Tudo remetia ao ex-marido. Dizia que a casa tinha o cheiro da traição dele. Seus amigos já não se importavam mais com ela. Desde que conheceu Kleber, ele a convenceu a se afastar de todos e, após tantos anos, eles já não sentiam sua falta.

 

Quando descobriu que ele a traía com a própria chefe, estava tão distante de todos que não tinha com quem desabafar. Engoliu a mágoa e decidiu se mudar para uma cidade menor, que não conhecia, mas onde sua finada mãe havia nascido. Quem sabe, voltando às raízes, ela conseguiria se reencontrar.

 

E parecia que Serra Alta era um bom lugar.

 

Ao acordar no dia seguinte, sentiu que estava realmente recomeçando.

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