A Missão da Leoa
O frio da manhã cortava como navalha quando Helena Costa atravessou os portões da sede da Athena. As botas pesadas batiam firmes no chão de concreto, cada passo marcando o retorno de uma mulher que nunca deixou a guerra, mesmo quatro anos após ter voltado dela. Atrás de si, o sol tentava romper o céu acinzentado, mas a claridade parecia hesitar diante dela como se soubesse que Helena ainda caminhava entre as sombras. Ela vestia preto. Sempre preto. Calça de tecido reforçado, camiseta justa, jaqueta de couro e olhar de quem sabia exatamente onde mirar para matar. Aos 40 anos, o tempo não havia tirado sua beleza, apenas a esculpira com traços mais profundos. Era bela como a linha do horizonte antes da tempestade. Perigosa, silenciosa, determinada. A recepcionista da Athena a observou com respeito. Ninguém ali ousava encarar Helena nos olhos por muito tempo. Ela era uma lenda viva: A primeira mulher a comandar uma missão de resgate em território hostil. A soldado que sobreviveu à explosão que levou seu marido e parte da tropa. A viúva de guerra que voltou grávida e criou o filho sozinha, sem alarde, sem fraqueza. “Diretoria. Sala três” Disse a recepcionista, sem precisar perguntar seu nome. Helena assentiu com um leve movimento de cabeça e seguiu em frente. As paredes da sede estavam decoradas com fotos de mulheres em ação: missões, treinamentos e conquistas. Ela reconhecia muitos rostos, alguns vivos, outros já enterrados. Nenhum deles a fazia parar, exceto o de Thiago. Era uma foto pequena, num quadro lateral. Ele sorria com o uniforme camuflado, os olhos iluminados como se enxergassem um futuro que nunca aconteceu. Helena desviou o olhar. Não era o momento. A sala três estava com a porta entreaberta. Lá dentro, estavam duas mulheres que ela conhecia bem: Sílvia, a atual diretora operacional da Athena, e Dandara, analista de inteligência e velha amiga da época de caserna. As duas levantaram-se quando Helena entrou. —Leoa, disse Sílvia, abrindo um sorriso. O apelido não era apenas símbolo de força, mas de respeito. —Bom tê-la de volta. —Só estou aqui porque disseram que é missão classe vermelha. Respondeu Helena, seca. Sentou-se na cadeira de frente para a mesa. —Se for proteção de político em campanha, podem arrumar outra. —Não é isso, disse Dandara, empurrando um dossiê grosso sobre a mesa. —É proteção de alto risco. Perfil corporativo. —Mas com histórico de ameaças e investigações abertas. —Ele está no topo da lista de alvos de dois grupos extremistas. Helena folheou as páginas sem pressa. O nome na capa a fez franzir a testa. Leonardo Bianchi. O magnata da Bianchi Group. Conhecido por sua fortuna bilionária, negócios polêmicos com criptomoedas e pela quantidade absurda de inimigos corporativos que colecionava. Já havia sido processado mais de trinta vezes e, segundo os jornais, tinha a delicadeza emocional de uma pedra. Helena já o vira em uma entrevista tempos atrás: arrogante, irônico, manipulador. Não gostava do tipo. —Por que eu? Perguntou, ainda sem levantar os olhos. —Porque você é a melhor, e ele não aceita trabalhar com homens. E, segundo ele, só confia em uma mulher que tenha matado antes. Respondeu Sílvia. —Ele viu seu histórico e exigiu você. —Que ótimo! Disse Helena, fechando a pasta. —Um bilionário machista com fetiche em soldados. —Mal posso esperar. Dandara riu. —Você vai receber o dobro. E tem direito a levar Gabriel com você. O coração de Helena parou por meio segundo. —Ninguém toca no nome dele durante o serviço. Ela avisou, a voz cortante como faca. —Ele não é parte do pacote! — Só vem comigo porque não confio em ninguém para deixá-lo. Entendido? —Entendido. Disse Sílvia, séria. —Você terá uma casa anexa à residência do cliente. Gabriel terá sua rotina preservada. Helena respirou fundo. A cabeça latejava desde o despertar. Sonhara com a explosão de novo: O chão tremendo, os gritos, o sangue quente no rosto. O cheiro de pólvora misturado ao último olhar de Thiago. Ela segurou firme a lateral da cadeira. Não agora. Não ali. —Preciso de uma semana pra treinar o perímetro, revisar o esquema de segurança e conhecer os protocolos pessoais do cliente. Disse, retomando o controle. “ —Depois disso, assumo a escolta. Se ele não gostar, manda trocar. Eu não trabalho pra agradar o ego. —Ele já sabe disso. Respondeu Sílvia. —E mesmo assim, insistiu em você! Helena se levantou. Pegou a pasta e se virou para sair. Parou apenas por um segundo, a mão no trinco. —Vocês sabem que isso não é sobre dinheiro, certo? Sílvia assentiu. —A gente sabe. É sobre manter os vivos vivos! Helena saiu da sala sem olhar para trás. No estacionamento, destravou o carro e sentou ao volante, com a pasta no banco ao lado. Ligou o motor, mas não saiu imediatamente. Ficou ali, encarando o próprio reflexo no espelho retrovisor. O rosto estava cansado, a pele marcada pelas noites em claro, mas os olhos... Os olhos ainda tinham aquela luz de combate. No banco traseiro, uma vozinha surgiu sonolenta. —Mamãe? Gabriel, com os cabelos bagunçados e o pijama azul, a olhava com os olhos do pai. Sempre os olhos do pai. –Oi, amor? Ela disse, virando-se com um sorriso leve. —Você vai pra guerra de novo? Helena segurou a mãozinha dele com firmeza. —Não. Só vou cuidar de um homem que acha que é mais forte que uma leoa. Gabriel sorriu, ainda sem entender. —Ele tem medo? Helena sorriu de volta, ligando o motor. Vai ter!