Mundo ficciónIniciar sesiónPOV Alessandro
A primeira vez que meus olhos a encontraram naquela cabine estreita de primeira classe, o mundo parou. Não poeticamente. Não metaforicamente. Literalmente. Como se cada sentido que eu possuía — humano e Lycan — tivesse sido puxado para um único ponto de existência: aquela mulher sentada a poucos assentos do meu. A pele me arrepiou antes mesmo que meu cérebro aceitasse a possibilidade.Era ela. A sétima vida da minha rainha. A mesma alma. O mesmo perfume leve — agora misturado ao cheiro humano — mas inconfundível para mim. E, claro… a mesma aparência. Trigo dourado nos cabelos, caindo como fios de sol; olhos verdes como a esmeralda mais antiga; postura ereta, instintivamente graciosa… até mesmo quando tentava apenas controlar a respiração. Cassiopeia. Minha consorte. Minha guerreira. Meu amor. Mortos duzentos e oitenta anos atrás nos meus braços, sangrando enquanto tentava proteger a minha vida durante aquela emboscada covarde entre Lycans, vampiros e bruxas. Eu ainda sentia o cheiro do sangue dela quando fecho os olhos. Ainda escuto seu último sussurro, pedindo que eu vivesse. E agora… ali estava ela. Viva. Respirando. Alheia a tudo. Fazendo força para parecer indiferente ao meu olhar — e falhando miseravelmente. Ela nunca disfarçou bem. Nem na primeira vida. Nem nas outras seis. Pelo canto do olho, percebi Derik se aproximar atrás de mim, carregando a maleta como se fosse um acessório e não um compartimento com dois séculos de segredos. Ele soltou um assobio baixo quando viu para onde eu olhava. — Pelo Ancestor… Alessandro… — murmurou, quase imperceptível para humanos. — É ela. — É — respondi sem mover os lábios. Porque eu já sabia no instante em que senti o perfume dela antes mesmo de vê-la. Cassiopeia renasceu inteira. Mas... vazia. Humana. Sem memória. Sem instinto. Sem vínculo. A maldição da bruxa Selene a condenava a isso sempre que sua alma retornava: viver como mortal até reencontrar o próprio nome, sua história, ou… morrer aos trinta e quatro. Ela sempre reencarnava com a mesma idade para morrer. Sempre igual. Sempre ao perder a guerra contra o esquecimento. E agora ela estava com trinta e três. Eu jamais permitiria que a sétima vida dela terminasse. Entramos na cabine, e o corredor ficou pequeno demais para meu corpo. Ou talvez eu estivesse simplesmente tão consciente da presença dela que tudo ao redor se tornou irrelevante. Quando passei por ela, nossos olhos se encontraram. E, por todos os deuses… eu senti. O vínculo. O elo da alma. A antiga corrente que sempre nos manteve unidos através de séculos. Mas ela… não. Ela só me olhou como se fosse um estranho interessante. Talvez perigoso. Mas nada mais. Ela inclinou a cabeça. O coração acelerado denunciou algo em seu subconsciente. E então desviou. Derik mordeu o lado da boca para não rir.— Vai ficar assim? Olhando como se fosse comer a pobre garota? Ignorei-o e me sentei na poltrona larga da primeira classe, duas fileiras à frente da dela. As luzes ainda estavam acesas, banhando a cabine em um tom âmbar suave. Ajustei o blazer e respirei fundo. Aquele perfume dela… como diabos um simples aroma humano podia me atravessar assim? — Ela está igualzinha, — Derik murmurou, espreguiçando-se no assento ao lado. — Mesmo rosto. Mesmo olhar perdido. Como alguém pode renascer seis vezes com essa aparência sem atrair atenção? — Porque os humanos não enxergam o que não entendem — respondi. Derik riu. — E você entende? — Entendo o suficiente para saber que ela não pode morrer de novo. Ele me olhou com mais seriedade do que eu esperava. — Alessandro… ela não te reconhece. — Eu sei. — E se não reconhecer até o aniversário…? Minha garganta se apertou. A resposta correta seria “eu estou preparado”, “já lidei com isso antes”, “viverei outra vez sem ela”. Mas tudo isso era mentira. — Eu vou fazer reconhecer — disse. Derik ergueu uma sobrancelha. — Você tentou isso nas outras vidas. — Desta vez será diferente. — Por quê? Virei discretamente o rosto. Ela mexia na tela do celular, provavelmente falando com alguém que nem imagina o que ela é. O sobretudo branco descansava dobrado no colo, e os cabelos dourados escorriam como luz solar sobre o tecido claro. — Porque agora eu estou pronto para aceitar o que ela precisa — murmurei. — Nas outras vidas eu só queria tê-la de volta. Nesta… eu só quero que ela viva. Derik ficou em silêncio por um instante. Eu sabia o que ele pensava. Sabia o que todos pensariam, se soubessem. O rei imortal. Príncipe da linhagem Blackwood. Líder dos Lycans. Trezentos anos carregando um luto. E agora, sentado num avião, sentindo cada batida do coração daquela mulher humana, como se cada uma fosse um lembrete de que eu tive que enterrá-la seis vezes. — Ela parece… diferente, — Derik comentou, olhando por cima do assento na direção dela. — Menos… guerreira. — Mais frágil. — Você gosta de frágil? — Gosto dela viva — respondi sem hesitar. Derik ergueu ambas as sobrancelhas, impressionado com minha falta de humor. — Entendi. E qual é o plano? Você vai chegar nela dizendo: "Olá, prazer, eu sou seu marido de 300 anos atrás e você morreu me protegendo"? Fechei os olhos. — Não. — Ótimo, porque eu realmente achei que você ia tentar. Olhei novamente para ela. — Vou começar do zero. Derik franziu o cenho. — Do zero? Alessandro… você sabe falar com mulheres do século XXI? Elas não se apaixonam por promessa de eternidade. Elas querem café, respeito e terapia. — Então eu aprendo — disse, respirando fundo. — Uma mulher com sete vidas merece um homem que aprenda a viver todas elas. Derik riu alto — um pouco alto demais. A comissária lançou um olhar rápido em nossa direção; ele limpou a garganta, mantendo a postura. Inclinei a cabeça, sentindo de novo aquela coisa estranha. Aquele fio invisível entre nós. O mesmo que existia quando éramos rei e rainha. Quando governávamos juntos. Quando lutávamos juntos. Quando morremos juntos — embora eu tenha permanecido vivo. Naquela noite da emboscada, quando ela sangrava nos meus braços e a bruxa usou o feitiço que lhe daria outra vida… ela me prometeu uma coisa. "Se eu esquecer você… encontre-me." E eu encontrei. De novo. E de novo. E agora, mais uma vez. — Alessandro… — Derik chamou minha atenção. — Você está olhando de novo. Eu não desviarei o olhar, pensei. Não dessa vez. — Ela vai lembrar — murmurei. — E se não lembrar? Fechei o punho, os músculos tensionados. — Então eu a faço se apaixonar por mim de novo — disse baixinho. — Mesmo que minha alma lembre cada detalhe, cada vida, cada morte… eu viveria tudo outra vez, do começo. Derik sorriu. — Boa sorte, meu rei. E pela primeira vez em trezentos anos… Eu senti esperança. Porque a sétima vida dela estava diante de mim. E desta vez, eu não perderia, minha rainha.






