Mundo de ficçãoIniciar sessãoELLA
A casa sempre foi diferente à noite.
Mais silenciosa. Mais funda. Mais… verdadeira.
Os passos ecoam mais forte, os pensamentos fazem mais barulho, e qualquer sentimento escondido encontra espaço para crescer. Talvez por isso eu gostasse tanto de vir até a cozinha quando todo mundo já estava dormindo. Era o único horário em que eu sentia a casa inteira só minha.
Ou pelo menos… costumava sentir.
Desço as escadas devagar, ainda com o cheiro do sabonete no corpo, depois de um banho quente que não ajudou em nada a tirar Noah da minha cabeça.
O dia inteiro na empresa foi estranho. Tenso.
Pior foi a forma como ele me olhou.
Como se percebesse algo que nem eu consigo esconder.
Entro na cozinha. A luz da geladeira ilumina o ambiente quando abro a porta e pego a jarra de água. Coloco o copo na mesa, sento, respiro fundo.
Quero que essa sensação passe.
Levo o copo à boca, mas paro antes de beber.
Porque sinto.
Não vejo primeiro.
Uma presença atrás de mim. O peso de um olhar quente na pele da minha nuca. O ar parece mudar de temperatura, meu corpo também, e eu sei. Antes mesmo de me virar, eu sei.
Noah.
Viro devagar, como se pudesse ganhar tempo, mas não há tempo para ganhar. Ele está ali, encostado na porta da cozinha, com os braços cruzados e a camisa cinza marcando o peito e os ombros largos.
A respiração trava no meu peito.
— Não consegui dormir — ele diz, a voz baixa, um pouco rouca. — E pensei que talvez você estivesse aqui.
Meu coração dispara.
Ele pensou em mim?
— Eu… — engulo seco — vim pegar água só.
Ele dá um passo. Depois outro. Cada passo dele faz o chão parecer menor, a cozinha menor, o mundo menor. Ele para a menos de um metro de mim, e meu corpo inteiro reage como se tivesse sido treinado para isso.
— O dia foi longo — Noah murmura.
— Foi — respondo, tentando manter a naturalidade que claramente abandonei no primeiro passo que ele deu na minha direção.
Ele me olha como se procurasse alguma coisa no meu rosto. Como se quisesse confirmar uma suspeita.
— Você ficou… estranha na empresa — ele diz, arrastando as palavras, como se estivesse com medo do que aquilo significava.
— Não fiquei estranha. — Minto. Pior: minto mal.
Noah ergue um canto da boca, um quase sorriso, mas sem humor. Um sorriso que derruba defesas.
— Ella… — ele diz meu nome como se estivesse dizendo um segredo — você nem consegue olhar pra mim sem prender a respiração.
Eu engasgo com o ar, porque… é verdade.
E ele sabe.
Meu rosto esquenta, minhas mãos tremem levemente sobre o tampo da mesa.
— Isso não significa nada — digo, baixo demais, rápido demais.
Noah ri pelo nariz, um som curto, quente, incrivelmente próximo.
— Então olha pra mim — ele sussurra.
Eu deveria levantar.
Mas meus olhos se levantam sozinhos.
E quando os meus encontram os dele… sou eu quem para de respirar.
É naquele instante que percebo que estou perdida.
O olhar dele não é de curiosidade.
Desejo contido. Guardado. Controlado. Mas ali.
Bem ali.
Ele dá o último passo. O suficiente para ficar entre minhas pernas, para colocar uma das mãos na mesa atrás de mim e a outra na borda da cadeira onde estou sentada.
Eu fico presa.
Presa entre o corpo dele e o meu próprio coração acelerado.
— Tem certeza que isso não significa nada? — ele pergunta, a voz tão baixa que parece uma vibração na minha pele.
— Noah… — tento avisar, alertar, lembrar de que isso é errado, proibido, impossível, perigoso.
Mas ele não me beija.
Ele espera.
Noah sempre foi assim — firme, mas nunca invasivo. Ele não toma. Ele espera ser convidado.
E de alguma forma isso é ainda pior, porque me dá o poder de decidir… quando eu não confio em mim mesma para isso.
Meu corpo se inclina primeiro. Não é consciente. Não é racional. É instintivo, visceral. A respiração dele b**e na minha boca. Meu nariz toca o dele. Uma linha fina separa as nossas bocas.
Eu fecho os olhos.
— Ella… — ele sussurra, como se meu nome fosse um pedido.
E então eu quebro.
Eu mesma.
Seguro a camisa dele.
O beijo não é suave.
É urgente.
É de anos de silêncio.
Noah segura minha cintura, me puxando para perto como se não conseguisse evitar. Eu sinto a tensão do corpo dele, quente, sólida, intensa. Ele me beija como se estivesse faminto. Como se estivesse segurando isso desde o momento em que me viu na porta da casa no dia da volta.
E eu…
— Ella… — ele murmura contra minha boca, respirando rápido — isso não devia estar acontecendo.
— Eu sei — sussurro, mas minha mão sobe pela nuca dele, puxando-o de volta.
Ele me ergue pela cintura e me coloca sentada na bancada. Um movimento firme, seguro, que faz meu coração disparar.
Suas mãos sobem pela minha coxa, parando ali, apertando devagar, como se memorizar fosse mais importante que tocar.
E eu estou perdida demais para lembrar das consequências.
Do lado de fora, a casa continua silenciosa.
Mas aqui dentro, na cozinha iluminada apenas pela luz da geladeira que ficou entreaberta… eu finalmente percebo:
Eu nunca tive chance.
E Noah também não.
Porque o momento em que nossas bocas se encontraram… não foi o começo de algo proibido.
Foi a confirmação de algo inevitável.







