Diário da Karin

Dia 1 – 12:00h

Caramba! Como estou cansada. Ainda bem que está terminando o último plantão. Daqui a pouco vou pegar a estrada para encontrar o Giulio pessoalmente. Acho tudo muito estranho. Faz tantos anos que não o vejo, e ao mesmo tempo parece que nos vimos ontem.

Quem disser que não existe realidade no mundo virtual, é por que nunca viveu algo assim. Conversar pela internet com ele está sendo muito divertido. Este meu vício de ficar online pelo celular, e ele trabalhando direto na frente do computador, faz com que estejamos sempre juntos, mesmo na madrugada.

Até durante os plantões e na correria dos hospitais, dou um jeito de ver se ele está conectado. Chego a ficar ansiosa. Ele me dá presentinhos virtuais e me surpreende todos os dias. Meu estoque de músicas aumentou muito. Já me mandou poesias, fotos e vários textos bacanas. É um homem inteligente e sabe tirar o melhor de mim.

Sou extremamente detalhista e reparei que ele quase não erra na gramática e mostra cultura de forma sutil. Coisa rara hoje em dia. Fiquei curiosa para ler o romance que ele vai lançar. Acho que deve ser bem legal, os trechos que ele publica são bem redigidos e provocantes... Bem provocantes.

Outro dia, me mandou um texto sobre uma de suas aventuras incríveis. Ele me garantiu que era verdade, mas a história era quase um roteiro de filme de espionagem. Bastante diferente das conversas que costumo ouvir dos meus amigos. Algumas passagens engraçadas e outras um pouco picantes e instigantes. Tem de tudo um pouco. E eu já sei que ele sabe seduzir embora não vá adiantar tentar algo comigo.

Fiquei especialmente encantada com a relação dele com os filhos, isso sempre me sensibiliza. Inclusive, copiei do seu perfil uma lista de conselhos escritos para os dois e levei para os meus filhos também. Demonstra sabedoria de alguém bem mais velho e experiente. Tornou-se um cara interessante e diferente da maioria daqueles que eu estou acostumada a conviver. Acho que esta curiosidade em saber mais sobre ele me fez aceitar o convite de ir passar alguns dias na casa de praia perto daqui.

Lembro muito bem do Giulio no colégio. Embora tivesse o maior jeito de malandro e briguento, sempre foi muito educado e gentil comigo. A maioria dos meninos tinha medo dele, provavelmente por que tinha vindo de escola pública, e quem vinha de lá era encrenca na certa. Sua atitude contestadora e independente desafiava os professores. Ele sempre discutia com eles sem medo das consequências. Ninguém fazia aquilo naquela época.

Ele era muito bonito. Os seus olhos verdes fizeram com que eu e minhas amigas suspirássemos muitas vezes. Eu me lembro de escrever o nome dele no caderno várias vezes, envolto em corações coloridos, coisa de menina sonhadora, algo que tento conservar na minha personalidade. O Giulio era alto, cabelo castanho escuro e com a pele sempre bronzeada, se destacava dos outros. Pena ele não ter se interessado por mim. Também... Praticamente todas as meninas se atiravam para cima dele.

Modéstia à parte, eu era bem bonita também, mas o que ele iria querer com a garota nerd da escola? Eu até tentaria me aproximar, mas sou tímida até hoje, nem pensaria em me insinuar. Além do mais, eu queria ser médica e minha prioridade era estudar e passar no vestibular. Namorar ficaria para depois.

Hoje ele usa óculos e está muito charmoso, mesmo aparecendo sério demais nas fotos. Reparei que embora sua experiência de vida pudesse ter feito um certo estrago em seu rosto, as rugas não haviam aparecido ainda. Mesmo o sol, sempre seu implacável companheiro de aventuras (como ele diz), parecia ter curtido sua pele sem deixar nenhuma marca indesejada, apenas um bronzeado uniforme.

Ou ele é vaidoso e se esforça muito para evitar o aparecimento das marcas do tempo, ou a genética o favoreceu muito nisto. (o que torna ele sortudo também.)

Vasculhei no seu perfil e vi que, além de escritor, era empresário, gostava de aviação, paraquedismo, mergulho e fala três idiomas estrangeiros. O que é ótimo, pois às vezes nós praticamos escrever em inglês e italiano também. Tem um casal de filhos lindos e uma porção de amigos em comum comigo. Temos conversado bastante sobre nossas vidas. Discutimos sobre nossas crianças e relacionamentos anteriores. Não está mais casado e acho que não teria me convidado para ficar com ele se estivesse comprometido. Será? Não, não parece ser o seu estilo fazer este tipo de canalhice.

Bendito aparelho e internet. Posso encontrar pessoas que nunca imaginei reencontrar e fico sempre em contato com as que eu gosto. Mesmo trabalhando fico sabendo da família e amigos. No meu trabalho tenho usado para anotar casos interessantes para estudar, receitas de remédios e pesquisar melhor seus princípios ativos. Esta tecnologia tem outra vantagem adorável: Nela eu posso escrever meu diário. Esta mania que tenho desde criança, antes no papel e caneta, agora ficou bem mais fácil no teclado do celular. Mesmo que aqui eu não possa usar cola colorida e adesivos. Escrever sobre o que sinto diariamente é uma terapia sensacional. É muito bom mesmo!

Que droga. Um caminhão tombou ali na frente e o tráfego está todo parado, e eu não posso fazer nada. Só esperar liberar a pista. Para piorar, o sinal do celular não pega e não posso avisar para ele que vou chegar atrasada. Detesto combinar e não conseguir cumprir. Droga!!!!!