A FLOR DA PELE
A FLOR DA PELE
Por: franco.rovedo
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A espera

“Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante”

Antoine de Saint-Exupéry

Estava parecendo um adolescente. Andava de lá para cá ansioso à espera da mulher que havia confundido minha vida nas últimas semanas. As dúvidas e receios ficavam me perturbando. Coisa rara, já que nos meus quase cinquenta anos de vida, havia me acostumado a tomar resoluções e providências de forma rápida e sem hesitações.

O encontro com ela aconteceu através de uma das redes sociais quando uma amiga nos citou em uma conversa, que ambos, por coincidência, acompanhávamos no mesmo instante. Jamais havia esquecido aquela minha colega de escola. Karin sempre foi lindíssima além de ser a melhor aluna da sua classe. Ao ver as fotos recentes dela, fiquei impressionado. Ela havia conseguido se tornar mais bela do que antes. O sorriso fácil e gentil, além de uma elegância no vestir sem igual, completava a figura de uma mulher particularmente charmosa. Havia uma boa porção de fotogenia, mas era inegável que a natureza havia sido bastante generosa com ela.

Ao começarmos a trocar mensagens, fiquei encantado com seu jeito brincalhão, seu bom gosto e a leveza fluente em todas as conversas. Sua disposição em ser agradável, mesmo em momentos de perceptível tensão, fazia dela alguém especial em se ter como amiga.

Compartilhávamos músicas, poesias, textos interessantes e pensamentos que me faziam refletir e sentir emoções que há muito não sentia. A convivência, mesmo virtual, era vívida e ansiosamente esperada.

Frequentemente ela me desejava um bom dia ou boa noite. Em poucas semanas me viciei em trocar mensagens, nem que fosse apenas para receber uma “cutucada”. Conversamos sobre nossas famílias, amores, desamores e as dificuldades que cada um de nós enfrentou. Logo ficou óbvio que tínhamos muitas coisas em comum e só faltava aquele olhar nos olhos para aproveitarmos melhor as boas sensações trazidas pelo reencontro.

Meses se passaram até que, após uma série de contatos e tentativas de aproximação, surgiu uma oportunidade bastante conveniente. Ela deveria cumprir uma série de plantões médicos em uma cidade próxima de onde eu estaria escrevendo meu mais recente romance. Após o fim do período de contrato, ela teria uma semana de férias antes de começar nova série de plantões e atendimentos. Depois de certa insistência minha, ela garantiu que ao fim daquela jornada de trabalho, me encontraria e passaríamos alguns dias juntos.

Depois de toda esta expectativa não podia deixar de pensar em como ela julgaria minha aparência. Após um ligeiro encontro aos vinte e poucos anos, nunca mais nos encontramos pessoalmente. Provavelmente ela estranharia a diferença entre aquele rapaz de setenta quilos com um homem de quase cem. Permanecia alto e forte, mas não alto o suficiente para justificar este peso. A quantidade de cabelo diminuíra, embora a maioria deles continuasse lá, apenas que mais espaçados entre si. A cor escura, mesmo com uma mecha branca mais chamativa na fonte direita, ajudava a não denunciar minha idade.

Não posso negar que estou apreensivo com o julgamento que ela fará de mim. Até hoje isto nunca havia me importado, mas estou ansioso em agradar. Tentando usar a razão, procuro em mim mesmo algo de diferente e que seja especial para ela.

Lembro que uma coisa que sempre me ajudou foi o senso de humor peculiar. Irônico, provocativo e irreverente, sempre arrancava risos inesperados que descontraia a ouvinte. Este atributo ela já conhecia e demonstrava que lhe era atraente.

Também estava inseguro em contar para ela sobre a minha formação acadêmica. Ou melhor, a falta dela. Karin é uma médica pós-graduada e reconhecida na comunidade científica. Já eu tomei um caminho pouco convencional.

Minha personalidade aventureira e curiosa fez de mim um autodidata. Não tive paciência e nem dinheiro para aprender pelos métodos tradicionais. Onde faltava verba e juízo sobrava coragem e cara de pau. Pouca coisa me impediu de frequentar um curso interessante ou aprender um ofício por conta própria. Todo tipo de desafio ainda me atrai. Ser um leitor voraz acrescentou uma cultura que se mostrou fundamental nos desafios da vida.

Outro motivo para a insegurança era o que algumas mulheres que me conheciam bem comentavam sobre o meu jeito. Eu sempre soube que era um romântico levemente indecente. Algumas pessoas diriam que levemente seria uma atenuação da verdade. Jamais grosseiro ou vulgar, mas um pouco exótico e atrevido, para ser indulgente comigo mesmo.

Nem todas compreendem um elogio sincero, principalmente quando se trata de beleza, embora eu reconheça que a sinceridade sem algum polimento, possa ser um pouco desconcertante. Tentarei me controlar ao máximo para não ser inconveniente sem intenção.

Quanto aos assuntos para conversa, eu não tinha preocupação alguma. A quantidade de histórias em meu repertório poderia entretê-la por semanas. Fui marinheiro, paraquedista, piloto, socorrista, músico e mais uma infinidade de atividades que me renderam, no mínimo, emoções fortes, casos divertidos para contar, além de alguns ossos quebrados. Talvez por isso mesmo tenha me tornado escritor. Fonte de inspiração para os livros não será problema. Embora jamais tenha largado a profissão de administrador e consultor de empresas, tenho me dedicado cada vez mais à escrita de romances baseados em fatos reais. Esta semana será o lançamento do meu primeiro livro do gênero e já tenho mais dois sendo escritos neste momento.

Eu costumo escrever na casa de praia de um amigo, pois a ausência de distrações faz o trabalho render mais. A calma do lugar e a chance de sair para navegar são fatores importantes para minha criatividade e produtividade. Para mim, respirar esta maresia é a maneira ideal de encontrar a paz de espírito sempre bem-vinda. Aqui também seria um cenário ideal para um reencontro com alguém especial como a Karin.

A ansiedade da espera não era à toa, a intuição já estava me alertando que estes próximos dias poderiam fazer parte dos grandes momentos da minha vida.

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