Tudo tinha começado cerca de duas horas antes.
Josefina estava determinada a aplicar o “plano bolo” e começar finalmente a conquistar Clara pelo estômago. Mas havia um detalhe que ela havia esquecido: a escola.
Ainda tentando seguir algum resquício do “roteiro” que Minjae passou no primeiro dia, Josefina ficou parada diante da porta do quarto de Clara por quase vinte minutos, pedindo — depois implorando — para que ela se arrumasse e saísse para a escola, quanto antes.
— Clara… vamos? Ainda dá tempo, temos alguns minutos — chamou, com a voz já implorativa.
Mas tudo estava em silêncio.
— Por favor, Clara, só dessa vez… — insistiu, apoiando a testa na porta.
Exausta, Josefina suspirou e encostou o ombro na parede, ainda acreditando que, por algum milagre, a porta se abriria. Mas do outro lado, Clara tramava no banheiro, olhando-se no espelho com uma expressão de pura soberania.
'Eu? Com essa mulher? Jamais.'
Quando finalmente ouviu os passos da babá se afastarem pelo corredor, entrou em ação. Olhou para a estante próxima à escrivaninha. Em segundos, arrastou a cadeira com o pé, abriu a porta de vidro e pegou sua caixa de tintas — um kit profissional, organizado por cor. Especialmente guardado para sua aula semanal de pintura, mas agora…
Serviria para outra pintura.
— Ela vai tentar me levar… hm… acho que ainda dá tempo — murmurou para si mesma.
A primeira etapa foi simples: pegar os balões.
Subiu no banquinho do banheiro e abriu a torneira da banheira — bem devagar, para ninguém ouvir. Encheu os balões até o limite da explosão, misturando água e as tintas… as mãozinhas tremendo de entusiasmo e de pura travessura.
A cada balão cheio, caminhava até o quarto, equilibrando-os com cuidado sobre o carpete rosa. O chão ainda limpo parecia um convite.
Depois disso, abriu a porta lentamente, só o suficiente para espiar. O corredor estava vazio.
Josefina estava lá longe, próxima da sala de estar, conversando com a governanta inglesa, Sarah Bloom — uma mulher, que apesar das rugas, parecia não piscar nem quando estava irritada.
Clara mordeu o lábio inferior, vendo a oportunidade.
Atravessou o corredor na ponta dos pés, pegou três baldes pequenos que estavam empilhados próximos à área de serviço e voltou correndo, agora tão animada que já nem lembrava de ser discreta.
Fechou a porta com o pé e começou a segunda fase do plano. Foi até o banheiro e com o seu baldinho de praia, tirou água da banheira e despejou nos outros baldes. Um, dois, três… até ficarem cheios.
A cada mergulho do balde, seu sorriso aumentava.
— Agora está perfeito — sussurrou, balançando a cabeça de leve.
Então veio o toque final: abriu os potes de tinta e despejou no interior dos baldes. A água virou um redemoinho vibrante de cor.
Clara ergueu um dos baldes, subiu na cômoda e o apoiou cuidadosamente no batente da porta. Colocou os outros dois milimetricamente alinhados em cada lado do seu banquinho.
Uma armadilha digna de filme, ela pensou com orgulho.
Depois, de volta ao banquinho, cruzou os braços e ergueu o queixo, encarando seu campo minado de balões coloridos espalhados pelo carpete rosa. Pronta para começar a guerra.
Olhou para o relógio de parede acima da escrivaninha.
Marcava 7h55.
Cinco minutos até Josefina tentar chamá-la novamente. Tempo suficiente.
Um sorriso travesso — daqueles que paralisavam os funcionários — se formou em seu rosto.
— Nanny… venha, venha me buscar… estou pronta para ir, mas não consigo levar a mochila… — murmurou, colocando toda a dramaticidade possível. E esperou como uma pequena general prestes a emboscar o inimigo.
Sarah, ao ver a movimentação, ficou espantada e comentou com Josefina:
— Tenha cuidado ao entrar lá. A senhorita Clara… às vezes tem impulsos que são bem perigosos. — Sussurrou.
Josefina riu, achando exagero. Não imaginava nada. Absolutamente nada do que a esperava.
A chamada veio:
— NANNY! ME AJUDA AQUI!
Josefina, aliviada achando que tinha conseguido convencê-la, abriu a porta.
E congelou, a tinta caiu sobre seu cabelo, espalhando pelos ombros.
— Clara… o que é isso?! — Questionou, irritada.
— É o meu trabalho para o projeto da escola — respondeu, com a voz mais angelical que conseguiu forçar.
Ela desceu do banquinho, pegou um balão com um sorriso suspeito.
— Covardia não, hein, Jo… Jos… Josi… Nanny…
— Não! Não j**a! — Josefina tentou. — Você tem que…
tarde de mais. Antes que terminasse a frase, Clara lançou o balão com força. Explodiu no ombro dela como uma granada aquática azul.
Josefina ficou imóvel por uns dois segundos. Então, pegou um balão.
Clara arregalou os olhos.
— Não, não... vai sujar!
Josefina ergueu o braço e lançou num impulso. O balão estourou, tingindo tudo de tinta. O grito de indignação de Clara ecoou pelo corredor.
A guerra estava oficialmente declarada.
Balões voaram, pincéis foram usados como espadas curtas e papéis como munição. Clara não conseguia parar de rir, estava se divertindo muito com aquela bagunça toda. Em poucos minutos, estavam irreconhecíveis: molhadas, sujas com tinta nas mãos, no rosto e no cabelo.
Foi quando Josefina percebeu que era tarde demais — na tentativa de intervir acabou entrando de vez na brincadeira. As duas rolavam pelo chão, animadas.
E então, a porta se abriu.
Era o general — Minjae.
Parado.
Estático.
Olhos arregalados, encarando o desastre apocalíptico à sua frente.
Na mesma hora, Clara e Josefina se entreolharam em pânico, e se abraçaram instintivamente como duas cúmplices pegas no flagra.
Fim do flashback.