Sage
— C-, C-, Cassius... D-, Deusa s-, seja louvada! — Meus dentes batiam com tanta força que minha mandíbula doía, tornando difícil falar. Mas, apesar do frio que congelava os ossos, meu coração se aqueceu ao vê-lo. — P-, p-, por favor... me ajuda!
— Ah, passarinha, o que foi que você fez? — Ele estalou a língua, fechando a porta da cela atrás de si.
O tom dele era quase alegre, e havia um brilho animado nos olhos que fez meu estômago despencar de nervosismo. O Cassius gentil, aquele que sempre tinha um sorriso fácil pra mim, tinha sumido. Meus olhos correram pelo espaço minúsculo, procurando desesperadamente algum lugar pra me esconder, mas não havia nada, só um quarto de concreto, frio e vazio.
— N-, nada... — Gaguejei, me encolhendo até o canto mais distante. — Eu juro!
— Isso não é verdade, é? — A calma na voz dele contradizia a violência que borbulhava logo abaixo da superfície, prestes a explodir. — Eu não quero machucar você, passarinha. Mas vou ter que fazer isso se não me disser a verdade.
Eu não acreditei. Ele queria me machucar — ia me machucar —, não importava o que eu dissesse. Mesmo assim, implorei:
— Por favor, Cassius! — As lágrimas transbordaram e o terror queimou quente, derretendo o gelo do meu corpo. — Eu não conheço nenhum renegado!
— Eu só salvei um homem ferido por eles! Ele entrou na alcateia pra se esconder dos atacantes. Era só um ômega, tão fraco que a aura dele mal dava pra sentir! Eu não participei de nenhuma conspiração, eu juro!
— Mentira! — A dor explodiu na minha bochecha, tão intensa que tive certeza de que meu olho ia saltar da órbita. Ele sacudiu a mão, os nós dos dedos vermelhos do golpe brutal. Depois agarrou meu braço com força e me puxou pra ficar de pé.
— Levanta!
— Se você não quiser cooperar, eu vou fazer você cooperar! — Me empurrou contra a parede, o rosto colado no concreto gelado, me prendendo lá com uma das mãos enquanto rasgava as costas do meu vestido com a outra.
— Não se mexe, porra! — Rosnou ele, e eu não tive escolha a não ser obedecer.
— O q- que você vai fazer? — Minha voz tremeu ao som do cinto sendo desabotoado.
— Vou te mostrar o que acontece quando você mente para mim. Vou espancar a verdade para fora de você! — Ele respondeu, com um toque de satisfação em seu tom.
Como pude ser tão cega a esse lado dele, sem jamais enxergar o demônio cruel e sem coração à espreita por trás? Esse foi o último pensamento que tive antes de o couro impiedoso do cinto estalar nas minhas costas, fazendo meus joelhos fraquejarem com a ardência do golpe.
Ele me chicoteou de novo e de novo, golpes implacáveis que rasgaram e dilaceraram minha pele. Gritei, solucei até meus pulmões travarem de agonia, mas ele continuou a me açoitar. Mesmo ainda presa à sua ordem, meu corpo estava fraco demais, e desabei sobre o concreto áspero. Mas ele não parou. Entre uma chibatada e outra, ainda me chutou.
Batidas na porta metálica da cela me trouxeram um raro alívio. Ele ofegava com o esforço da punição, atravessou a sala e arrastou a porta para a abrir.
— Alfa, é hora. Seu pai mandou levar a prisioneira pra praça, pra execução. — Ouvi uma voz dizer.
Eu devia estar apavorada, implorando por misericórdia. Mas, em vez disso, acolhia a morte como um alívio. Se ela acabasse com essa tortura, que viesse logo.
— Olha pra ela! Mal consegue ficar de pé! — Cassius rosnou. — Não espera que eu carregue essa traidora, espera? Leva você mesmo. Eu preciso me limpar. E não matem ela antes de eu chegar. Tenho uma despedida especial planejada pra ela.
Passos ecoaram pelo quarto e, logo depois, alguém me ergueu do chão e me jogou sobre o ombro. A dor explodiu, mas só consegui soltar um gemido fraco antes que tudo escurecesse de novo.
Quando recobrei a consciência, ouvi os gritos da alcateia, pedindo minha morte. Estava de joelhos, as mãos amarradas atrás das costas, a cabeça pendendo sobre o peito, incapaz de encarar meus acusadores.
— Que a morte dessa traidora sirva de aviso pra todos vocês! — Bradou o Alfa, a voz ecoando por cima da multidão. — Quem conspirar com renegados vai ser pego e vai pagar com a própria vida!
— Pai, espera! — A voz de Cassius cortou o ar, e uma fagulha tola de esperança acendeu dentro de mim.
Mas, depois da surra que ele tinha me dado, eu devia saber melhor. É claro que ele só queria me dilacerar mais uma vez antes do fim.
— Tenho algo a dizer pra essa vadia sem loba antes que acabe essa vida miserável dela.
— Eu, Cassius Blackthorn, futuro Alfa da alcateia Blackthorn, rejeito você, Sage Starling, como minha companheira e futura Luna.
Achei que o couro do cinto dele tivesse me deixado em agonia. Mas a dor da rejeição esmagou minha alma. O grito que escapou da minha boca atravessou o rugido chocado da multidão, um som cru, desesperado, de partir o coração. E Cassius... ele riu.
Ele sabia. O tempo todo. Ele viu o ódio, os abusos que eu sofria todos os dias. Ele sabia que eu era a companheira dele e mesmo assim não fez nada.
Cassius nunca me quis. Nunca acreditou em mim, apesar de ter fingido. Sempre esteve esperando por esse momento, a chance de me rejeitar quando doesse mais.
E doeu.
Fiquei até feliz por estar prestes a morrer. Essa dor no peito, esse vazio, era demais pra suportar. Nunca teve muita felicidade no meu mundo. Mas o pouco que existia agora desmoronava ao meu redor, em ruínas.
Quis gritar. Quis berrar contra a injustiça de tudo isso. Mas o que saiu foi uma risada oca. Um som seco, prestes a se partir... como eu. Quando o Alfa estendeu as garras, pronto pra arrancar minha garganta e acabar com tudo, fechei os olhos e tentei me agarrar à memória mais feliz que tinha. Algo pra segurar antes de despencar de vez.
Lembrei do meu estranho bonito. Meu único amigo de verdade. Ele era rude, mal-humorado, mas também gentil. E doce comigo.
Espero que ele tenha conseguido voltar pra casa em segurança, onde quer que a casa dele fique. Queria ter visto ele mais uma vez. Queria que o rosto lindo dele fosse a última coisa que eu visse antes de morrer. Esperei o golpe. Mas, em vez disso, ouvi um rugido ensurdecedor:
— Parem!
A ordem explodiu no ar com tanta força que me tirou o fôlego. Abri um olho devagar e vi o Alfa congelado, a garra suspensa no ar, prestes a atacar. Toda a alcateia estava ajoelhada, esmagada pelo peso daquela voz.
— Quem ousa tentar matar essa mulher? — Bradou meu salvador.