Sage
Quando cheguei na casa da alcateia, uma multidão já tinha se formado. O Alfa estava do lado de fora, nos degraus de pedra, com a imponente fachada cinzenta da casa reforçando ainda mais a aura de poder que cercava ele. Aos pés dele, os corpos de três renegados estavam jogados no chão, uma oferenda dos seus guardas leais.
A alcateia inteira esperava em silêncio, prendendo a respiração pra ouvir o que ele tinha a dizer. Todos queriam respostas sobre essas invasões frequentes, sobre o que seria feito pra proteger o povo. Me estiquei nas pontas dos pés, tentando enxergar por cima da multidão.
Cassius estava ao lado do pai. E, colada nele, com um sorriso pretensioso estampado no rosto, estava Daphne.
Em termos de companheiras escolhidas, Cassius podia conseguir alguém muito melhor. Todo mundo sabia que ela só queria ele por causa do dinheiro e do poder. Não entendia como ele não enxergava isso.
Ele merecia estar com alguém que amasse ele de verdade, por quem ele era por dentro. Alguém que lembrasse ele, todos os dias, do quanto era incrível — e não que só quisesse tirar vantagem do que ele podia oferecer. Não que Daphne fosse permitir que alguém chegasse perto o suficiente pra mostrar isso a ele.
Daphne vasculhava a multidão com o olhar, como se estivesse procurando alguém. Quando os olhos dela encontraram os meus, vi o mal espreitando logo abaixo da superfície. O sorriso dela se alargou num gesto cruel, antes de se transformar numa máscara de desprezo e horror fingido.
— Foi ela! — Acusou ela, apontando uma unha perfeitamente feita direto pra mim. — Foi ela quem deixou eles entrarem!
Ela não podia estar falando de mim... podia?
Eu era apavorada com renegados. Quase deixei meu estranho bonito morrer por causa desse medo. Nunca, jamais, conspiraria com eles.
Mas a multidão se abriu ao meu redor como o mar se abrindo diante de Moisés. Todos me olhavam com desconfiança. Eu não entendia o que tava acontecendo. Não tinha feito nada de errado. Eles não podiam acreditar nela... podiam?
— O-oi? — Balbuciei, encolhendo sob os olhares de raiva e desprezo.
— Daphne, essa acusação é séria! — A voz de Cassius se ergueu acima da multidão. — A gente não pode condenar ela só com base nisso. Diga exatamente o que você viu.
Uma fagulha de esperança acendeu dentro de mim. Talvez ele fosse me defender. Com certeza ele enxergava a mentira ridícula que ela tava inventando. Ela não tinha nenhuma prova. Porque não existia nenhuma. Talvez ele até castigasse ela por mentir...
A multidão gritava, exigindo explicações, mas o Alfa silenciou todo mundo com uma única mão erguida. Um silêncio tenso caiu sobre o pátio enquanto todos prendiam a respiração, atentos a cada palavra da Daphne. Eu queria gritar pra que eles abrissem os olhos, que enxergassem a bruxa maldita que ela era. Mas parecia que todos estavam sob o feitiço dela.
— Eu percebi que ela tava agindo de forma estranha ultimamente — Disse Daphne, posando sob o olhar atento da alcateia, dramatizando cada sílaba. — Ela anda roubando comida da cozinha da casa da alcateia e sempre sai correndo, como se estivesse indo encontrar alguém. Então resolvi seguir ela... e descobri que ela tava escondendo um deles naquela choupana miserável onde mora!
A reação foi imediata. A alcateia inteira soltou um suspiro coletivo de choque.
— O quê? Não! Isso não é... — Gritei, mas a ordem do Alfa me cortou no meio.
— Silêncio! — Rosnou. — Tragam ela até mim!
Fiquei onde estava enquanto os guardas avançavam, porque sabia que não tinha nada pra esconder. A alcateia se fechou ao meu redor, ansiosa pra assistir ao espetáculo. Supliquei pra que me ouvissem, implorei, mas ninguém deu ouvidos. Ninguém ousaria desafiar o Alfa, ainda mais por uma ômega sem loba como eu.
Deixei que os guardas me arrastassem, porque resistir não adiantaria de nada. Eles me jogaram aos pés do Alfa, e nem Cassius se moveu pra me ajudar. Eu estava completamente à mercê deles.
Agora que até Cassius me abandonou, a verdade ficou clara. Eu não tinha esperança nenhuma. Era só uma ômega sem loba, valendo menos que nada pra alcateia. É claro que acreditariam nas mentiras da Daphne, e não em mim.
— Levante. — Ordenou o Alfa, e meu corpo obedeceu.
Ele se inclinou pra perto, respirando fundo pra sentir meu cheiro e então recuou como se tivesse levado um empurrão. O rosto dele ficou vermelho e as mãos se fecharam em punhos, tremendo de raiva. Mas eu não entendia o motivo. Será que eu cheirava tão mal assim?
Ele se aproximou outra vez e sussurrou no meu ouvido, baixo o bastante pra só eu ouvir.
— Você esteve na presença de um lobo poderoso. Consigo sentir a aura dele em você, e ele não é um renegado. Quem era? — Exigiu o Alfa. — Quem tá conspirando pra tomar minha alcateia?
— N-não, Alfa! Eu juro! Eu não conspirei com ninguém. Nunca conheci ninguém poderoso. — Supliquei pra ele acreditar em mim.
— Muito bem, sua ingrata. — Gritou o Alfa. — Se insiste em não responder, talvez uma noite no calabouço faça sua língua se soltar.
— Por favor! Eu tô dizendo a verdade! — Supliquei, chorando, mas ele me ignorou e deu um passo pra trás, virando-se pra multidão.
— A aura de outro lobo cerca essa garota — Anunciou. — Ela ainda cheira a ele, e ele não carrega o cheiro da alcateia Blackthorn. Ela é culpada de traição! Levem ela pras celas até a hora da punição!
— Não! — Gritei. — Eu não fiz nada errado! Cassius, por favor, me ajuda!
Mas quando ele olhou pra mim, os olhos estavam frios. Ele virou o rosto e me deixou pro meu destino. Daphne enlaçou o braço no dele, encostando o corpo e sorrindo vitoriosa enquanto o arrastava pra longe.
— Ele não era um renegado! Ele era meu amigo! — Continuei gritando, mas ninguém me ouviu. Todos apenas comemoravam enquanto eu era arrastada pra longe.
Por fim, desisti. A voz falhou, a garganta arranhava de tanto gritar. Me jogaram numa cela minúscula, cercada por paredes de concreto e um chão gelado e duro. Fiquei ali, imaginando quantas horas ainda me restavam de vida.