Capítulo 2 ‐ Boa Garota

Kyra

Não consegui dormir. A ansiedade tomava conta de mim. A forma como ele me olhou e tudo que não foi dito ali, me deixou apavorada e com medo. Aproveite a noite para beber algo bem forte, assim esqueceria do dia e amanhã estaria bem melhor para encarar a nova vida.

O céu ainda estava cinzento quando voltei à mansão na manhã seguinte, desta vez com minha mala pequena em mãos e a garganta apertada pela expectativa, e se rudo desse errado? Tudo ali parecia silencioso demais. Sem música. Sem vida. Como se ninguém respirasse forte dentro daquela casa — apenas sussurrasse ordens ou se calasse para não incomodar o chefe.

A porta foi aberta novamente pelo mesmo funcionário da noite anterior. Ele apenas fez um gesto com a cabeça, como se eu já pertencesse àquilo. Mas eu não pertencia. Nem mesmo me sentia Bem-vinda.

Liam, ou melhor, o Sr. Blackthorne me esperava no corredor lateral, vestindo um terno escuro e com um relógio caro no pulso — o tipo de homem que parece atrasado para tudo, menos para mandar em alguém. E o tipo de homem que eu quero distância.

— Pontualidade — ele disse, seco. — Bom começo, senhorita Lystem.

Assenti, apertando a alça da mala com força. Eu queria ser forte. Mas tudo nele me fazia sentir… exposta. Como se ele conseguisse ler meus pensamentos antes mesmo de eu organizá-los. Que droga!

— Vou te mostrar o que precisa saber — continuou. — A casa é dividida em três andares. Você fica no primeiro, no quarto ao lado de Julie. Nunca suba. O segundo andar é privado e o terceiro é meu quarto e alguns cômodos. Pode subir quando quiser, mas mantendo distância dos corredores do segundo.

A forma como ele disse privado soou como um código. Como uma parede invisível que, se ultrapassada, teria consequências que não vinham com aviso.

— Certo — murmurei.

Passamos pela sala de estar minimalista, pela cozinha ampla demais para ser usada e por um corredor decorado com quadros monocromáticos. Alguns quadrados eram apenas rabiscos de criança, talvez de Julie.

— Essa é a sala da Julie. Ela só usa quando quer desenhar. Raramente fala ou convera muito. Quase nunca sorri para alguém. Não se esforce para forçar nada. Ela vai te observar por dias antes de permitir qualquer aproximação. Espero que não haja problemas para você.

— Respeitar limites jamais será um problema para mim. Estou aqui para aprender com ela também.

— Ela é asmática — completou, parando diante de uma porta branca. — Isso é importante. As crises podem ser raras, mas quando acontecem, você precisa agir em segundos. Porque as crises são silenciosas.

Ele abriu a porta e revelou um armário embutido repleto de remédios, bombinhas, máscaras e cilindros de oxigênio e instruções plastificadas.

— Leia tudo. Duas vezes. Até saber de cor. Essa é a única parte da casa em que não tolero erro.

Assenti, engolindo seco. Eu conhecia aquele tom. Aquele peso nas palavras. Liam não estava pedindo. Estava dando um veredito.

— Ela vai para a escola três vezes por semana. O motorista já sabe os horários. Quando estiver em casa, mantenha as janelas fechadas. A umidade afeta a respiração dela.

— Ela dorme com a porta aberta?

Ele me olhou com intensidade.

— Ela não dorme a noite toda. Tem pesadelos com frequência e costuma acordar bastante durante a madrugada.

Silêncio. E então a vi. A pequena Julie. Pequena. Cabelos loiros até os ombros, olhos enormes azuis e tristes, e um coelhinho de pano manchado de tinta nos braços.

Ela estava parada na porta do quarto, em silêncio, apenas nos observando.

— Julie — Liam chamou, a voz mais baixa, mas ainda firme. — Essa é Kyra. Será sua nova babá a partir de hoje. Quero que a conheça, meu bem.

A menina não respondeu. Nem se mexeu. Apenas virou e saiu como se já soubesse que não havia motivo para interagir. Enquanto ele, parecia se esforçar.

— Ela tem quatro anos — explicou. — Mas parece mais velha às vezes. Espero que consiga lidar com ela de forma leve e amigável. Espero que não desista facilmente.

Ele passou os dedos pelos punhos da camisa. Ajeitou a gravata com precisão. Tudo nele era controle. Inclusive o amor. Se é que ainda havia algum ali dentro.

— Você pode começar agora. Leve sua mala. Leia as instruções. E esteja pronta às 19h. Jantamos pontualmente. Todos os dias, na mesma hora

Eu o encarei, sem saber se “jantamos” incluía ele, ou apenas a criança.

— Eu devo servir o jantar? — Porque era isso que também estava escrito, mas apenas o da pequena Julie.

Ele deu um meio sorriso. O primeiro. Mas era cruel.

— Não. Deve apenas estar presente. Quero observar como ela reage com você à mesa. — Ele se aproximou dois passos. — E como você se comporta quando é colocada sob expectativa.

O ar pareceu ficar mais pesado. Não houve contato físico. Nem ameaça direta. Mas havia algo em suas palavras que me marcou como um ferro em brasa. Eu assenti lentamente. Mantive o queixo erguido, mesmo sentindo tudo em mim estremecer. Mas antes de se afastar, ele me olhou firme e djsse:

— Bem-vinda à rotina, senhorita Lystem.

Liam

Ela não perguntou mais nada. Boa garota. Observei enquanto ela desaparecia pelo corredor com a mala. O andar era hesitante, mas o pescoço mantinha-se firme. Kyra não era feita para se submeter facilmente. Mas algo nela… já se curvava, mesmo sem perceber. Seria medo ou precaução? Era isso que me interessava.

Julie ainda me observava de longe, escondida atrás da porta do quarto, com aqueles olhinhos curiosos que me lembravam o meu cruel passado.

— O que achou dela? — perguntei olhando para ela e sorrindo, tentando não me perder ali.

Minha filha apenas apertou o coelho contra o peito e voltou para o quarto sem responder.

Era o mais próximo de uma aprovação que eu conseguiria ter naquele momento. Mas já era bastante coisa.

Voltei para meu escritório. O dia seria longo. Reuniões, contratos, decisões. Mas, pela primeira vez em meses, algo na casa parecia diferente. Não mais silenciosa. Mas inquieta.

E eu gostava dessa inquietação. Porque me fazia relembrar que ainda sou humano. Que tenho uma filha e eu preciso seguir em frente sem olhar para trás, ou continuar me perdendo.

Julie precisa de mim interio, porque temos apenas um ao outro agora.

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