Capítulo 9 - Eu tenho hipoglicemia

Mas eu o Sofia estávamos erradas. A fila foi andando bem rápido e assim como uma multidão de meninas entrou nos jardins do castelo, outras muitas saíram, tão rápido quanto ingressaram. Algumas saíam sozinhas, outras em duplas, algumas em pequenos grupos. Havia as que saíam em lágrimas e também as que não perdiam a compostura. No fim, eu não sabia se todas ali realmente tinham o mesmo objetivo. Fui me dando conta que as eliminadas estavam maquiadas, mesmo que algumas usando o mínimo dos mínimos. Por sorte eu deixei meu corretivo onde estava. Melhor passar pelo menos na primeira fase. Conforme a fila andava, eu conversava com as outras garotas e embora nenhuma que saísse confirmasse, todas achávamos que roupas muito curtas ou justas, bem como maquiagens e tintura iram eliminando uma a uma. Logo estávamos próximas do portão e embora fosse rápido, já passava do meio dia. Eu só me dei conta porque meu estômago roncou de fome. Ainda bem que aceitei o pão pela manhã, ou já teria caído. Eu tinha hipoglicemia, uma doença causada pela falta de açúcar no sangue. Por isso sempre tomava um copo de leite açucarado pela manhã. Eu até conseguia ficar algum período sem comer, mas não muito tempo. Preocupei-me um pouco com o ritmo que a fila andava. Eu não tinha nada na bolsa e nenhum dinheiro a não ser o da passagem da volta. Desmaiar quando chegasse minha vez não estava nos planos. Respirei fundo e tentei seguir adiante. Mas depois do grande número de meninas dispensadas, começou a ficar mais demorado. Algumas mulheres usando saia e blazer social, com o brasão da família real, foram de menina em menina na fila, eliminando as que não haviam seguido as regras da carta recebida em suas casas. Nossa recém amiga falante, que estava ali só para ver o príncipe estava fora e nem o veria.

- Estou ficando nervosa. – disse Sofia – Qual será a próxima forma de eliminação?

- Acho que quem aguentar mais tempo sem comer. – falei.

Ela riu:

- Você está com fome?

- Sim.

Ela olhou no relógio e disse:

- Kat, já são 3 horas. Finalmente vamos entrar no castelo.

- E eu vou rezar para não desmaiar de fome. – confessei.

Por sorte a fila andou mais rápido e em pouco tempo conseguimos entrar no grande salão, onde várias mesas estavam dispostas, uma ao lado da outra, com poltronas vermelhas simples onde podíamos sentar em frente a quem nos entrevistaria. Porém aquela parte era ainda mais demorada que as demais. Quando consegui finalmente sentar na cadeira, passava das 17 horas.

A mulher que me atendeu parecia ter uns 40 anos ou mais. Usava o mesmo terninho com blazer e saia cinza das demais. Os cabelos eram muito bem penteados e presos num belo coque, sem um fio deixado para trás. E ela usava uma maquiagem leve. Então acho que depois que passasse nos testes poderia usar um batom pelo menos. Ri da minha preocupação idiota no meio de todo caos daquele momento.

- Nome. – ela disse secamente.

- Katrina Lee.

Ela me olhou e sorriu ironicamente:

- Senhorita Lee... Pois bem. Como a senhora se sente?

- Cansada. – confessei.

Ela riu:

- Todas estão assim.

- Eu imagino.

- A senhora pode retornar amanhã às 8 horas da manhã.

Olhei para ela incrédula:

- Só isso?

Ela me olhou interrogativamente.

- Bem... Estou há horas na fila... Você nem me perguntou nada. – observei. – Por que posso vir amanhã?

- Deixe-me ver... – ela disse folheando os papéis para depois completar, ironicamente: - Oh, seu nome está grifado. Então acho que a senhorita conhece alguém aqui dentro, estou certa? Então não precisa falar nada para mim... Você já falou com as pessoas certas.

Eu fiquei olhando para ela confusa. Como assim? Meu pai havia dito que eu precisaria me esforçar para continuar no processo. Mas pelo visto não. Senti-me mal pelo que ela me disse. Era visível sua aspereza comigo. Mas também me lembrei de Sofia e tentei me sentir melhor: eu não era a única a ter uma ajuda de dentro do castelo.

- Estou liberada? – perguntei levantando.

- Sim. – ela disse voltando o olhar para seus papéis.

- Há um lugar que eu possa beber água? – pedi.

Ela me olhou novamente, zangada:

- Siga por este corredor. Encontrará um bebedouro no fim dele.

Eu já sentia alguns tremores por causa da baixa glicemia. Estava preocupada se conseguiria chegar em casa. Passei a suar bastante, mesmo não estando calor. Tive medo. Água não seria o bastante. Segui pelo corredor que não tinha fim. Tirei meu blazer, esfregando meu pescoço. Sentia tontura e minha visão me confundia um pouco. Acho que o corredor não tinha fim, porque eu não tenho certeza por quanto tempo andei naquele piso branco frio, sem uma sujeira no chão, olhando pelos vidros laterais limpos que refletiam perfeitamente o sol no jardim verdejante e convidativo, com algumas poucas flores, mas perfeito para passar um dia de primavera.

Eu estava confusa mentalmente e meu corpo já sentia os efeitos da falta de açúcar. Não vi o homem que estava na minha frente, batendo abruptamente nele.

- Me desculpe. – falei quase sem voz.

- Tudo bem com você? Está perdida? – ele perguntou gentilmente me vendo cambalear.

Olhei para ele. Era extremamente alto. Para alcançar seu rosto tive que me virar para cima. Meus olhos fixaram nos olhos verdes dele. Acho que eu estava sonhando... Um anjo havia vindo me buscar da terra. Poxa, morrer dentro do castelo seria horrível. Será que eu teria um funeral tipo da realeza? Não consegui pensar muito tempo, pois minhas pernas me abandonaram e eu caí.

Quando eu acordei estava deitada. Era uma sala ampla com duas macas separadas por uma cortina branca. Estava tentando entender o que estava acontecendo. Olhei para meu braço e vi que eu estava no soro. Não havia ninguém ali e eu não sabia como sair. Eu precisava ir embora. Quanto tempo havia passado? Vi uma campainha ao lado da cama e apertei. Logo veio uma mulher, vestida de branco.

- Oi... Eu sou... Katrina. – falei.

- Boa- noite, senhorita Lee.

- Boa noite? O que aconteceu? – perguntei preocupada.

- Bem, a senhorita teve...

- Uma crise de hipoglicemia. – completei. – Como vim parar aqui? – perguntei sentando na cama.

- Bem... A senhorita desmaiou.

- Você é... Médica? Estou no hospital? Chamaram minha família?

- Senhorita...

- Me chame de Katrina, por favor. – Por que tanta informalidade?

- Katrina... – disse ela atendendo meu pedido. – Não sou médica, mas enfermeira. O médico lhe atendeu quando chegou aqui... A senhora está tomando soro e vou lhe trazer algo para comer. Estava esperando que acordasse. Por hora o soro resolveu. Ficamos preocupados.

- Como... Eu cheguei aqui?

- A senhorita não lembra?

- Não... Estava tão mal que tive confusão mental. – confessei.

Mas eu lembrava do homem e dos olhos dele.

- Foi trazida por vossa Alteza, príncipe Magnus. – ela explicou.

- Aquele... Era o príncipe Magnus? – perguntei confusa.

- Sim. – ela disse sorrindo.

- Eu... Vou perder o emprego agora. – falei tristemente.

- Creio que não. – ela falou. – Vai ficar tudo bem.

- Eu... Preciso avisar meus pais. Eles devem estar preocupados.

- Já foram avisados.

- Como? Como souberam como avisá-los?

- Eu... Não posso lhe dar tantos detalhes, Katrina. Mas está tudo bem.

- Eu... Quero falar com alguém. Preciso sair daqui.

- Não vai sair. Vai terminar o soro e comer antes. Acho que amanhã poderão liberá-la.

- Eu não posso ser liberada só amanhã. Eu tenho entrevista às 8 horas no castelo.

- A senhorita está no castelo. – ela disse.

- Eu vou embora. – falei tentando tirar a agulha do soro cravada no meu braço. Estava doendo.

- Katrina, você não pode...

Eu não estava dando ouvidos à ela e consegui tirar o acesso do soro. Estava colocando minhas pernas para baixo quando chegou um homem.

- Acho melhor você não fazer isso. – ele disse.

Eu poderia ser alheia às coisas da realeza, mas aquele eu conhecia muito bem. Era o príncipe Dereck. Fiz uma breve reverência. Eu nem sabia se era daquela forma que fazia.

- Pode deitar novamente. – ele disse de forma séria.

- Vossa Majestade... – eu comecei.

- Alteza. – ele corrigiu.

- Vossa excelência Alteza...

Ele começou a rir:

- Quem é você?

- Eu sou Katrina Lee. Estava na entrevista de...

- Dama de companhia. – completou ele. – De onde você é?

- Zona E.

- Seus pais foram avisados. Você teve uma crise de hipoglicemia e está na enfermaria do castelo. – pode deixar que eu falo com ela, Louise.

A enfermeira me deixou sozinha com ele. Fiquei confusa. Por que o príncipe de Noriah estava ali comigo?

- Bem, completando...  – continuou ele. – Não será prejudicada de forma alguma pelo que aconteceu. Acho que houve um erro por parte dos organizadores deste evento, onde não se deu comida as participantes.

- Enfim... Eu não estava louca quando pensei exatamente isso. Um absurdo. – falei sinceramente.

- Exato. Então a senhorita dormirá na enfermaria, será bem cuidada e estará prontinha para a segunda fase amanhã pela manhã.

- Obrigada pela atenção, Vosso Príncipe.

- Vossa Alteza. – corrigiu ele. – Só isso. Não aprendeu na escola? – ele perguntou ironicamente, não disfarçando o sorriso.

- Escola não é uma oportunidade para todos neste reino, infelizmente. – falei sem medo.

 O que importava? Eu tinha certeza de que eu estava fora do processo. Quem contrataria uma dama de companhia que sofria desmaio se não comesse açúcar? Eu não podia nem usar maquiagem para a entrevista, imagina desmaiar e parar na enfermaria por falta de comida.

Ele arregalou os olhos e disse:

- Uma anti monarquista.

- Eu não disse isso... Não ponha palavras na minha boca. Além do mais... O que você está fazendo aqui? Você é o príncipe. Eu sou uma garota em busca de uma vaga que caiu pelo corredor, por fome. Por que a honra de estar acompanhada de vossa realeza?

- Alteza. – ele disse novamente. – Meu irmão encontrou você e trouxe para cá.

- E?

- Bem, ele se preocupou com você. Mas Magnus é muito ocupado, então não pôde vir pessoalmente se certificar se você estava viva ou morta. Então ele pediu que eu viesse pessoalmente.

- Ninguém morre de hipoglicemia.

- Magnus olhou no G****e e disse que sim.

- Isso não é verdade.

- Mas me parece que você realmente está bem. Pretendia até fugir do castelo, não é mesmo?

- Claro que sim. Eu não posso passar a noite aqui.

- Mas vai passar, Katrina Lee, nem que seja amarrada. Só sairá quando o médico disser que está liberada. E ele já disse que isso acontecerá na manhã seguinte. Louise fará o que preciso for para que você fique bem.

Eu balancei a cabeça, contestando:

- Eu estou bem.

- Não foi o que o médico disse. Seus pais estão a par.

- Bem... Obrigada por se preocuparem comigo.

- Não precisa agradecer. Vocês são responsabilidade nossa agora.

- De qualquer forma, obrigada, Alteza. – eu falei baixando a cabeça em reverência.

- Realeza. – ele disse rindo.

- Acho que você está zombando de mim.

- Um pouco. – ele confessou. – Você disse certo agora: alteza. Mas pode me chamar de Dereck. – ele estendeu a mão para mim.

Apertei a mão dele. Eu conhecia Dereck, o playboy que vivia na noite torrando o dinheiro da realeza, consequentemente o nosso. Minha falta de estudo poderia vir do espumante que ele tomava em uma noite numa boate badalada. Deitei e fechei meus olhos. Quando os abri novamente, ele não estava mais ali.

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