Capítulo 10 - Ninguém morre disso

Passar a noite no castelo de Noriah não estava nos meus planos. Muito menos conhecer os dois príncipes no mesmo dia e ser chamada de anti monarquista. Dereck era mais ou menos como eu imaginava: um homem com cara de garoto, que falava o que vinha à sua cabeça. Mas o fato de eles se preocuparem comigo de alguma forma me deixou muito impressionada. Eu era somente uma garota comum da zona E atrás de um emprego no castelo. Pensando bem não era um emprego qualquer; eu estaria lado a lado com a rainha Anne, a mãe deles. Então de certa forma era um cargo importante dentro do castelo. Agora, ser socorrida por Magnus, realmente não estava nos meus planos. Ele era um homem bem discreto, pouco aparecia sua imagem nos veículos de comunicação. Geralmente ele estava mais nas aparições na televisão, ao vivo. Como eu não assistia muito, acabava não sabendo muito sobre ele ou sua aparência. Eu sabia que ele era bonito... No entanto não sabia que ele podia ser mais do que bonito. Eu lembrava que última coisa que pensei quando caí nos braços dele era que estava sendo levado para o céu por um anjo. Ri sozinha. Eu estava mesmo pensando no príncipe Magnus depois de tudo de surreal que aconteceu comigo naquele dia? Quanta vergonha eu sentia: na enfermaria do castelo, por falta de comida. Poderia ser pior? Sim, cair nos braços do príncipe. O lado bom é que eles se importaram comigo. E eu nem sabia ao certo o motivo. Talvez só o fato de uma garota bonita ter caído dos braços de um deles. Eu sabia que não servia para uma mulher feia, embora achando que a falta de maquiagem não me favorecia em nada. Eu não era uma maquiadora profissional, mas Kim havia me ensinado muitos truques que me deixavam disfarçar meus pontos fracos e destacar os fortes. Então eu torcia para que, mesmo sem maquiagem, eu tivesse causado uma boa impressão. Mas por que eu queria causar uma boa impressão? Teriam os príncipes possibilidade de me auxiliar de alguma forma a conseguir o emprego no castelo? Mas eles fariam isso por algum motivo? Eu nem sabia por que eu estava pensando em mil coisas ao mesmo tempo.

Louise chegou novamente, trazendo uma bandeja com leite, chá, biscoitos doces e salgados e uma linda maçã. Eu estava com tanta fome que nem falei nada. Aceitei tudo que me foi oferecido e comi saboreando cada alimento. No fim, enquanto ela me observava o tempo todo, entreguei a bandeja vazia e disse:

- Obrigada pelo banquete, Louise.

Ela riu:

- Aposto que quem fez esta simples bandeja ficará bem feliz em recebê-la vazia. Ninguém aqui costuma comer tanto.

- Deve ser porque tem em abundância, o que não é o meu caso. – falei sincera.

Ela simplesmente sorriu, discretamente.

- Além da hipoglicemia, eu estava com muita fome. Acho que as outras meninas também estavam com fome. – observei.

- Imagino... – disse ela. – Mas ouvi dizer que o príncipe vai providenciar uma nota se desculpando pelo acontecido.

- De qual Vossa Alteza você fala? – perguntei confusa.

- Vossa Alteza, príncipe Magnus. – ela disse rindo.

- Por que você acha que o príncipe Dereck veio até aqui? Acha que eles se sentiram tão culpados assim pelo tempo que tivemos que esperar?

- Talvez... – ela disse.

- Não tenha medo de falar, Louise. Eu não vou contar pra ninguém. Sou uma simples garota da zona E em busca de emprego. Na verdade, quase fora da vaga eu acho. – falei tristemente.

- Aqui as paredes tem ouvidos. – ela disse.

- Mas que mal há em falarmos sobre isso? – perguntei confusa.

Ela sorriu:

- Acho melhor você deitar novamente e descansar. – ela disse. – Quer assistir televisão?

- Eu aceito. –falei.

Ela abriu a cortina branca e vi a enorme TV na parede. Enquanto ela ligava em volume baixo, eu continuei:

- Louise, você trabalha aqui há muito tempo?

- Alguns bons anos.

- Gosta?

- Sim...

- Ganha bem?

Ela me olhou, arqueando as sobrancelhas.

- Desculpa a pergunta... – eu expliquei. – Só perguntei por que estou concorrendo a um emprego aqui no castelo. E sei que a remuneração deve ser bem boa, tamanha fila de meninas que havia interessadas na vaga. Mas não sei exatamente de quanto estou falando.

- De muito mais do que você pode imaginar. – ela disse olhando atentamente para ter certeza de que ninguém nos ouvia.

Não entendia o medo dela. Só havia nós duas ali. Senti meu coração palpitar quando ela falou que era muito dinheiro. Talvez eu estivesse fazendo pouco caso do cargo. Eu precisava muito daquele dinheiro, mesmo que fosse pouco. O fato de saber que poderia ser muito mais do que eu imaginava me deixou mais atenta.

- É bom trabalhar aqui?

- Na enfermaria sim.

- Isso que dizer que dependendo o lugar pode não ser?

- Exato.

Parece que Louise falava em códigos. Mas eu entendia o que ela tentava me dizer. O cargo que eu concorria talvez não fosse dos melhores.

- A rainha é como eu vejo na TV?

- Sim. – ela disse olhando para trás. – Agora acho melhor você descansar, Katrina.

- E os príncipes?

Ela riu:

- Os príncipes de Noriah são verdadeiros príncipes, Katrina.

Eu ri também:

- Desta vez você não me ajudou muito.

- Você teve sorte de conhecê-los, querida. Não é qualquer garota que tem esta oportunidade.

- Eu imagino.

- Mas eles são assim mesmo: preocupados, amáveis...

Eu suspirei:

- Lindos.

Ela riu novamente:

- Também.

- Mais bonitos ao vivo que na televisão.

- Katrina Lee, hora de descansar. Eu preciso ir.

- Tem mais alguém doente?

- Eu preciso levar o remédio do Rei Alfred.

- O rei ainda está doente?

- Sim. Preciso ir agora.

- Louise, obrigada por tudo.

- É minha função, senhorita. – ela foi saindo e piscou para mim sorrindo, dizendo: - Mas foi um prazer atendê-la junto dos príncipes.

Fiquei ali, olhando as imagens na televisão do castelo. Só havia notícias da família real. Acho que era um documentário. Olhei atentamente tudo, pois vi que eu era uma anti monarquista que detestava a rainha e o modo como ela conduzia o país, mas sabia muito pouco sobre o rei e os príncipes. Acho que era hora de me inteirar um pouco mais sobre a verdadeira história de Noriah, bem como o que meu pai tinha a ver com o rei Alfred. Óbvio que um documentário sobre a família Chevalier dentro do castelo era extremamente a favor deles, só trazendo as coisas boas que fizeram por Noriah e tratando todo e qualquer ato de rebeldia como agressivo, ofensivo e ruim ao reino.

Quando acabou o documentário, iniciou novamente. Eu assisti duas vezes, até que meus olhos começaram a pesar e eu adormeci.

Ouvi um som e abri meus olhos. Eu estava deitada, coberta. A sala estava com uma iluminação fraca e com uma boa temperatura. Não havia ninguém ali, mas eu senti um cheiro no ar, como se uma pessoa tivesse acabado de sair. Levantei calmamente e coloquei minhas pernas para fora da cama. Eu não sentia tontura e me sentia normal. Fui até a sala ao lado e Louise não estava mais ali. Havia um enorme relógio que marcava 6 horas. A porta estava fechada, mas havia um pequeno vidro nela. Fui até lá, mas só havia um corredor. Sair dali não parecia uma boa ideia. Voltei para o quarto e fui até a janela que estava fechada por uma cortina. Abri-a por inteiro, olhando o sol da primavera nascer brilhante no céu. A janela era enorme e dava para o centro do castelo, onde havia um enorme gramado bem cortado. Eu mal conseguia enxergar o outro lado, tamanha amplitude do espaço central. Observei um homem correndo. Quem acordaria àquela hora da manhã para correr num castelo? Se eu morasse num castelo dormiria o dia inteiro eu acho. A não ser que eu fosse... Um membro da família real. Ele corria em torno do espaço centralizado, onde havia uma espécie de pista para aquele fim. Não era Dereck, pois ele não era tão alto. Poderia ser... Ele passou em frente à minha janela e meu coração disparou. Recostei-me na parede branca, pelo lado de dentro. Eu não queria ser tiete de príncipe, como todas as garotas. Eu sempre detestei aquilo e fui contra. Eu tinha até certo preconceito pela família real. Ouvi uma batida na janela e pulei assustada. Olhei e fiquei paralisada. Era o homem que havia me salvado no dia anterior, ou seja...

- Bom dia. – ele disse do lado de fora, usando um casaco grudado ao corpo de tanto suor.

- Bom dia... – eu disse com voz fraca. Nem tenho certeza se eu havia falado ou se era impressão minha.

- Como você se sente?

- Bem e você?

Ele riu, mostrando os dentes brancos perfeitos:

- Eu vou bem, eu acho.

Que pergunta idiota. Eu já sabia que ele era o príncipe Magnus, então não adiantava fingir que não era ele.

- Obrigada por ter me ajudado ontem.

- Fiquei preocupado...

- Acontece de vez em quando. – falei.

Fiquei arrependida de falar aquilo. Ele poderia pensar que eu era doente e não querer que eu ficasse com o emprego. Então resolvi emendar:

- De vez em quando se não me alimento corretamente.

- Entendo. – ele disse. – Eu li que é uma doença séria.

- Não é uma doença séria. – contestei.

- Mas eu li...

Abri o vidro da janela, para poder ouvi-lo melhor.

- Você leu... Eu vivo há anos com isso. Falta de açúcar no sangue, só isso. Eu faço tudo normalmente...

- Caiu sobre mim...

- Porque vocês me deixaram quase 10 horas sem comer. – expliquei deixando transparecer minha indignação.

- Isso foi uma grande falha.

- Bem, já aconteceu. Eu também poderia ter trazido algo na bolsa para comer... – eu não queria causar uma má impressão. Eu ainda precisava do emprego.

- Hoje faremos um pedido de desculpa público. Não imaginávamos que aconteceria daquela forma. Sinceramente, não estávamos preparados para tudo aquilo de meninas.

- Acho que todo o reino estava aqui.

- Um dia de inscrição... Só um dia. – observou ele.

- Eu... Preciso estar às 8 horas na próxima fase. Será que você poderia falar com alguém para me liberar? – tentei.

Ele riu:

- Acha que chegaria a tempo se fosse em casa?

- Não. – admiti.

- Descanse, relaxe e curta os privilégios, Katrina Lee. – ele disse. – Tenha um bom dia. E boa sorte na próxima fase.

- Obrigada, vossa realeza. – ou seria alteza, pensei confusa.

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