Após o susto do trovão, o silêncio retornou à sala de jantar, mas a atmosfera havia se transformado sutilmente. Tian, ainda agarrado à perna de Ethan, olhava para ele com uma mistura de curiosidade e cautela. Ethan, por sua vez, mantinha o olhar fixo no menino, sua expressão agora mais suave, quase pensativa.
Noan, sentindo o peso do momento, aproximou-se lentamente.
"Tian, meu amor, o senhor Ethan precisa jantar."
Tian soltou a perna de Ethan hesitante, mas manteve os olhos fixos nele. Ethan, como se despertasse de um transe, pigarreou e voltou a sua postura habitual, levantando-se com uma rigidez quase defensiva.
"Já terminei", disse ele, sua voz voltando ao tom frio e distante de sempre. Sem olhar para Noan, dirigiu-se para fora da sala, deixando para trás um rastro de confusão e uma ponta de admiração em Noan.
Nos dias que se seguiram, pequenos incidentes como aquele se repetiram, como rachaduras sutis surgindo na armadura de Ethan. Tian, com sua inocência e espontaneidade, parecia ter uma capacidade única de alcançar o homem por trás da máscara. Ele o abordava no jardim para mostrar uma flor, pedia ajuda para alcançar um brinquedo que havia caído ou simplesmente sorria para ele sem qualquer receio.
E, para a surpresa de Noan, Ethan, embora inicialmente hesitante, raramente o rejeitava completamente.
Ele podia não se envolver ativamente nas brincadeiras, mas sua expressão suavizava, e por vezes, um quase imperceptível sorriso curvava seus lábios.
Noan observava tudo com uma mistura de gratidão e cautela. Era grato por Tian parecer estar se adaptando bem à nova casa e por Ethan não ser tão inflexível quanto ele inicialmente temera.
Mas também havia uma cautela persistente, uma sensação de que a qualquer momento a fachada fria de Ethan poderia se reconstruir completamente.
Uma tarde, enquanto ajudava Jonathan a organizar a biblioteca, Noan decidiu quebrar o gelo e tentar descobrir um pouco mais sobre o passado de seu empregador.
"Jonathan, o senhor trabalha para o Ethan há muito tempo, não é?"
O mordomo, com sua habitual compostura, assentiu. "Sim, Noan. Desde que ele era criança."
"Ele sempre foi... assim?", perguntou Noan, buscando as palavras certas.
"Tão reservado?"
Jonathan suspirou levemente, limpando cuidadosamente a capa de um livro antigo. "Ethan passou por muita coisa, meu jovem. Um acidente terrível há alguns anos... mudou tudo."
Noan sentiu uma pontada de curiosidade e compaixão. "O acidente... foi o que causou a cicatriz em seu rosto?"
Jonathan hesitou por um momento, como se ponderasse o quanto deveria revelar. "Sim. Mas as cicatrizes físicas foram apenas uma parte. As emocionais foram muito mais profundas." Ele parou de limpar o livro e olhou para Noan com um olhar sério. "Ele era um jovem cheio de vida, Noan. Alegre, sociável... O acidente levou muito dele."
Aquelas palavras ecoaram na mente de Noan, dando sentido às fotos que ele vira no álbum. O Ethan daquelas imagens parecia um estranho para o homem que ele conhecia agora.
"E a mulher nas fotos... era alguém importante?"
Um leve traço de tristeza surgiu no rosto de Jonathan.
"Sim. O nome dela era Sophia... como a nossa cozinheira. Eles eram muito próximos."
Ele não disse mais nada, mas o tom de sua voz sugeria uma história dolorosa.
Naquela noite, enquanto Noan preparava o jantar para ele e Tian na cozinha, Sofia se aproximou, oferecendo ajuda. Noan aproveitou a oportunidade para perguntar sobre o passado de Ethan.
"Sofia, Jonathan mencionou que você conhecia o Ethan antes do acidente."
A cozinheira suspirou, seus olhos marejando levemente. "Conhecia sim, querido. Éramos como irmãos. Ele era um menino tão doce, sempre sorrindo. E a Sophia... ela era a namorada dele. Uma jovem linda e gentil. Eles eram o casal perfeito."
"O que aconteceu?", perguntou Noan, com o coração apertado.
Sofia secou uma lágrima discreta com a ponta do avental. "Eles estavam juntos no carro no dia do acidente. Sophia... ela não sobreviveu. Ethan ficou muito ferido, física e emocionalmente. Ele nunca mais foi o mesmo."
A revelação atingiu Noan com força. Agora ele entendia a dor e o isolamento que permeavam a vida de Ethan. A mansão à beira do oceano não era apenas um refúgio, mas também um lembrete constante de sua perda.
Naquela noite, após colocar Tian para dormir, Noan encontrou Ethan na varanda, observando o mar agitado sob a luz da lua. Hesitou por um momento, mas sentiu uma necessidade inexplicável de se aproximar.
"Senhor Ethan?", chamou Noan, sua voz suave.
Ethan virou-se lentamente, seus olhos escuros e profundos encontrando os de Noan. Havia uma vulnerabilidade em seu olhar que Noan nunca havia visto antes.
"Não consegue dormir?", perguntou Ethan, sua voz rouca e cansada.
"Não exatamente", respondeu Noan, aproximando-se da beirada da varanda. O som das ondas quebrando nas rochas abaixo era o único ruído que quebrava o silêncio da noite.
Eles ficaram lado a lado, em silêncio, observando o mar. A tensão que geralmente pairava entre eles parecia ter se dissipado, substituída por uma estranha sensação de proximidade.
"Jonathan e Sofia me contaram sobre... o acidente", disse Noan, finalmente, sua voz quase um sussurro.
Ethan não respondeu imediatamente. Ele continuou olhando para o mar, sua expressão impassível. Após um longo momento, ele finalmente falou, sua voz carregada de uma dor antiga.
"Foi minha culpa."
Aquelas duas palavras carregavam um peso imenso, revelando a culpa e o sofrimento que o assombravam há anos. Noan sentiu um aperto no coração. Ele não sabia o que dizer, como confortar um homem tão fechado em sua própria dor.
"Não podemos carregar a culpa do mundo sozinhos", disse Noan, suas palavras sinceras e carregadas de empatia. Ele sabia o que era se sentir responsável por algo terrível, mesmo que não fosse sua culpa.
Ethan virou-se para ele, seus olhos fixos nos de Noan. Havia uma intensidade naquele olhar que fez o coração de Noan acelerar. Por um breve instante, pareceu que todas as barreiras entre eles haviam caído, revelando a vulnerabilidade de duas almas solitárias encontrando um vislumbre de compreensão em meio à escuridão.
Mas a fragilidade daquele momento logo se dissipou. Ethan desviou o olhar para o mar, sua expressão voltando a se fechar.
"Não se preocupe comigo, Noan. Eu estou bem", disse ele, sua voz voltando ao tom frio e distante de sempre. "Agora, se me permite, gostaria de ficar sozinho."
Noan assentiu em silêncio e se afastou, sentindo-se confuso e ao mesmo tempo tocado por aquela breve troca. Ele percebeu que por trás da fachada de frieza e reclusão, Ethan carregava uma dor profunda e um segredo que o consumia.
E, de alguma forma, Noan sentia-se cada vez mais compelido a descobrir o que se escondia por trás daquele mar de mistérios. A mansão à beira do oceano guardava segredos, e Noan pressentia que sua vida estava prestes a se entrelaçar com a de Ethan de maneiras que ele ainda não podia imaginar.