A noite estava mais silenciosa do que Laura esperava quando saiu discretamente de seu quarto. Com passos leves, ela cruzou o corredor, ainda pensando na cena do noivado de Lucas e Vanessa. Cada detalhe parecia gravado em sua memória: o sorriso calculado de Vanessa, o olhar evasivo de Lucas.
Ela precisava de ar, precisava organizar os pensamentos.
— Laura?
A voz a fez congelar no lugar. Virando-se devagar, ela viu Lucas parado na entrada do corredor. Ele tinha os braços cruzados, a expressão carregada de algo entre cansaço e frustração.
— O que está fazendo acordada a essa hora? — ele perguntou, dando um passo à frente.
Laura hesitou, mas decidiu manter a compostura.
— Não consegui dormir. Eu... precisava pensar.
Lucas suspirou e encostou-se à parede, parecendo tão perdido quanto ela.
— Parece que ambos estamos no mesmo barco.
O silêncio pairou entre eles por um momento, até que Laura o quebrou com uma pergunta que estava queimando em sua mente.
— Você está feliz, Sr.?
Ele a olhou diretamente nos olhos, surpreso pela sinceridade da pergunta.
— Como assim? E eu já te pedi para não me chamar de senhor.
— Com tudo isso. O noivado, a festa... Vanessa. — Ela mordeu o lábio, tentando não deixar a emoção transparecer.
Lucas não respondeu de imediato. Em vez disso, ele desviou o olhar, parecendo buscar as palavras certas.
— Não sei se felicidade é a palavra certa.
— Então por que aceitou? — Laura pressionou, sua voz saindo quase em um sussurro.
Ele respirou fundo, passando a mão pelos cabelos.
— Foi o que parecia certo no momento. Não por mim, mas pelas crianças. Pela estabilidade delas.
Laura sentiu um nó na garganta, mas antes que pudesse responder, passos apressados ecoaram no corredor. Vanessa surgiu, seu rosto iluminado por um sorriso que rapidamente se transformou em desconfiança ao ver os dois juntos.
— Ah, aí está você, Lucas. Estava te procurando. — Vanessa disse, ignorando deliberadamente a presença de Laura.
Lucas endireitou-se, claramente desconfortável.
— Só estava conversando com Laura.
Vanessa lançou um olhar afiado para Laura, mas manteve o tom de voz controlado.
— Bem, não quero atrapalhar. Mas precisamos conversar sobre os próximos passos do casamento.
Lucas assentiu, mas sua expressão parecia distante.
— Claro. Já vou.
Vanessa lançou mais um olhar para Laura antes de se virar e sair, os saltos ecoando pelo corredor.
Quando Lucas se afastou, Laura voltou para seu quarto com o coração pesado. Ela sabia que não poderia ficar ali por muito tempo. A presença de Vanessa era sufocante, e a tensão entre ela e Lucas só piorava as coisas.
Na manhã seguinte, Laura decidiu falar com Lucas sobre seu plano de deixar a casa. Encontrou-o no escritório, cercado de papéis.
— Sr., precisamos conversar.
Ele ergueu os olhos, parecendo exausto, mas assentiu.
— Claro. O que foi?
Laura respirou fundo, reunindo coragem.
— Acho que chegou a hora de eu partir.
Lucas franziu o cenho, levantando-se da cadeira.
— Partir? Por quê?
— É o melhor para todos. Para você, para Vanessa, para as crianças... e para mim. — Laura respondeu, tentando manter a voz firme.
Ele cruzou os braços, parecendo frustrado.
— As crianças precisam de você, Laura. Elas confiam em você.
— Elas precisam de estabilidade, Sr. E você e Vanessa podem oferecer isso a elas.
Lucas parecia prestes a responder, mas foi interrompido pela chegada de Vanessa, que entrou sem bater.
— Oh, estou interrompendo algo? — ela perguntou, o tom de voz repleto de falsa inocência.
Lucas balançou a cabeça, claramente irritado.
— Não. Estávamos apenas conversando.
Vanessa sorriu, mas seus olhos lançaram um aviso para Laura.
Mais tarde, Laura estava arrumando suas coisas quando encontrou um envelope na gaveta de sua mesa. Era uma carta endereçada a ela, mas sem remetente. Ao abri-la, seus olhos se arregalaram ao ler as palavras ameaçadoras.
"Você está no lugar errado, Laura. Saia antes que seja tarde demais."
O coração de Laura disparou. Alguém queria que ela fosse embora, e não era difícil imaginar quem.
No andar de baixo, Vanessa observava as crianças brincarem no jardim. Um sorriso frio tocava seus lábios.
— O jogo está apenas começando — ela murmurou para si mesma...
O aroma de café fresco preenchia a mansão quando Vanessa entrou na cozinha naquela manhã. Ela estava com o telefone em mãos, navegando por sites e anotações. Tudo parecia em perfeita ordem, exceto por um detalhe: Laura e Lucas haviam saído com as crianças para visitar algumas escolas.
Vanessa bufou ao se lembrar da cena. Lucas parecia tão leve, tão diferente ao lado de Laura. O brilho nos olhos dele ao interagir com as crianças era algo que ela não via há tempos, e isso a deixava ainda mais furiosa.
— Isso vai acabar. — Vanessa disse a si mesma, decidida.
Ela puxou a cadeira e começou a escrever um e-mail. Havia algo que vinha planejando há dias: enviar as crianças para um colégio interno. Com elas fora do caminho, teria Lucas para si e, principalmente, eliminaria a conexão que Laura parecia ter com ele.
Horas depois, Vanessa estava ao telefone com a diretora de um renomado colégio interno.
— Sim, senhora Farias, nossa escola tem um programa exclusivo para crianças da idade deles. Segurança, formação de excelência e atividades extracurriculares para ocupar todo o tempo. — a diretora explicava, sua voz doce e profissional.
— Excelente. Não se preocupe, cuidarei de todos os detalhes financeiros. Quero que eles comecem o mais rápido possível.
Vanessa desligou com um sorriso satisfeito. Agora só precisava convencer Lucas, o que seria um desafio... ou talvez não. Afinal, ele confiava nela quando se tratava do "melhor" para as crianças.
Enquanto isso, Lucas, Laura e as crianças estavam em uma das escolas que visitariam naquele dia. Era um lugar acolhedor, com paredes decoradas por desenhos feitos pelos alunos.
— O que vocês acham? — Laura perguntou, abaixando-se na altura das crianças enquanto elas olhavam a sala de artes.
— É legal! — disse Shophia, animada. — Tem uma sala cheia de livros!
— E um parquinho! — completou Theo, apontando para o lado de fora.
Lucas observava tudo, sorrindo.
— Acho que eles gostaram.
Laura assentiu, mas seus olhos estavam fixos nas crianças, que exploravam o espaço com curiosidade.
— Eles precisam de um lugar onde possam ser crianças novamente, Sr.
Ele concordou, mas não conseguiu esconder uma pontada de culpa. Desde que a esposa falecera, ele os havia mantido isolados, preso em sua própria dor e tentando protegê-los de tudo.
— Você tem razão. Vamos acertar os detalhes para que eles possam começar logo.
Laura sorriu, satisfeita, enquanto Lucas sentia algo aquecer em seu peito. A conexão entre eles parecia crescer a cada dia, e ele não sabia mais se conseguia ignorá-la.
Quando todos voltaram para casa à tarde, Vanessa estava esperando na sala de estar, com um sorriso falso estampado no rosto.
— Finalmente chegaram! Como foi a visita às escolas? — ela perguntou, com um tom que transbordava falsa empolgação.
Lucas, ainda animado, contou sobre as atividades e instalações.
— Parece que encontramos o lugar ideal.
Vanessa sorriu de forma controlada.
— Que ótimo! Mas, Lucas, podemos conversar em particular?
Ele franziu a testa, mas assentiu.
— Claro.
No escritório, Vanessa fechou a porta, deixando Laura e as crianças na sala.
— O que houve? — Lucas perguntou.
— Eu estive pensando... e se considerássemos algo ainda melhor para as crianças? — Vanessa começou, fingindo preocupação.
— Algo melhor? Como assim?
— Um colégio interno. Um lugar onde eles possam ter a melhor educação e segurança, longe de qualquer influência negativa.
Lucas a encarou, surpreso.
— Internato? Você quer mandá-los para longe de casa?
— Pense nisso, Lucas. Você está sempre ocupado, tem responsabilidades... Eles merecem uma educação de elite.
Lucas balançou a cabeça, claramente desconfortável com a ideia.
— Não. Eles já passaram por muita coisa. Precisam de estabilidade, não de mais mudanças.
Vanessa tentou argumentar, mas Lucas foi firme.
— Eles vão para a escola que escolhemos hoje. Isso já está decidido.
Vanessa saiu do escritório irritada, mas não deixaria isso passar.
Naquela noite, enquanto Laura colocava as crianças para dormir, Vanessa pegou o telefone e fez mais uma ligação.
— Sim, é isso mesmo. Quero que preparem tudo para a matrícula. Eu assumo a responsabilidade. Não se preocupe, o pai deles vai concordar quando tudo estiver resolvido.
Ela desligou, um sorriso sinistro no rosto.
— É só questão de tempo.
No andar de cima, Laura estava no quarto com Shophia e Theo, contando histórias antes de dormir. Lucas observava a cena pela porta entreaberta, seu coração dividido entre a felicidade de vê-los sorrindo e a confusão de sentimentos que começava a dominar sua mente.
Mal sabia ele que o futuro de seus filhos estava sendo decidido pelas mãos de Vanessa.
Vanessa olhou para o relógio com impaciência. Passava das nove da noite, e sua amiga, Gabriela, finalmente havia chegado. Assim que a porta se fechou, Vanessa a conduziu para o escritório, certificando-se de que ninguém mais estava por perto.— E então, você pensou em algo? — Vanessa perguntou, cruzando os braços.Gabriela ajeitou a bolsa no ombro, sentando-se na poltrona como se estivesse completamente à vontade.— Pensei, sim. Lucas é um pai preocupado, certo? Se algo acontecesse com uma das crianças, algo que parecesse grave, ele seria obrigado a aceitar que elas precisam de mais segurança.— Continue... — Vanessa disse, inclinando-se para frente, os olhos brilhando com expectativa.— Você precisa criar uma situação onde pareça que a Laura foi irresponsável. Alguma coisa que coloque as crianças em risco, mas que não cause danos reais. Algo que faça Lucas perceber que ele não pode confiar totalmente nela.Vanessa franziu a testa, refletindo sobre as palavras da amiga.— Um acidente,
Laura estava em pé na entrada de sua casa, a lua brilhava no céu. O motorista da mansão buzinou suavemente para avisar que estava esperando. Ela olhou para sua mãe, que estava sentada em uma poltrona confortável na sala, e depois para seu irmão Davi, que vinha trazendo sua bolsa.— Você não precisa ir, Laura — Davi insistiu, segurando a bolsa com firmeza. — Mamãe e eu ficaremos bem.— Eu sei que ficarão, mas preciso voltar. — Laura deu um sorriso triste. — O trabalho é importante, Davi. Você sabe como as coisas estão difíceis.Lídia, mesmo com a voz fraca, tentou intervir:— Filha, só quero que você cuide de si mesma. Parece que esse emprego te exige mais do que devia.Laura se abaixou para abraçar a mãe, sentindo o cheiro familiar de lavanda em seus cabelos.— Vai ficar tudo bem, mamãe. Prometo.Com um último abraço em Davi, ela saiu e entrou no carro, olhando para a casa pelo retrovisor até que sumisse de vista.Enquanto isso Vanessa estava no escritório, com um sorriso maquiavélico
Laura caminhava pelo corredor, segurando o casaco que Shophia havia deixado no sofá. Seu coração estava pesado desde que Lucas voltara de viagem, e as palavras dele ecoavam em sua mente."Laura, você tem certeza de que nada aconteceu fora do comum enquanto eu estava fora?"Ela sabia que Lucas estava tentando juntar as peças, mas Vanessa era habilidosa em plantar dúvidas. Era uma batalha silenciosa, e Laura sentia que estava ficando sem forças.Ao virar no corredor, ela ouviu vozes abafadas vindo do escritório. Parou por um momento, reconhecendo a voz de Vanessa.— Ele está começando a desconfiar de mim, Gabi. — Vanessa murmurava, tentando manter o tom baixo. — Mas não importa. Com Lucas cada vez mais próximo das crianças, eu só preciso de mais uma jogada.Laura recuou, o coração batendo forte. Mais uma jogada?Enquanto isso, Lucas estava em seu quarto, observando uma foto da família que ficava na mesa de cabeceira. Seus pensamentos estavam confusos. Desde que retornara, notara uma ten
O som do motor do ônibus soava como um zumbido interminável enquanto Laura olhava pela janela, apertando a alça de sua bolsa surrada. Seus pensamentos dançavam entre o nervosismo e a esperança. Era a última chance. Se não conseguisse esse emprego, a luz no fim do túnel ficaria mais distante.A cidade passava em flashes ao seu lado: prédios altos, ruas movimentadas e, finalmente, as áreas mais calmas e arborizadas. Quando o ônibus parou, ela desceu rapidamente, ajeitando o cabelo preso de maneira prática. A mansão era ainda mais imponente do que parecia na foto do anúncio. Portões altos de ferro e um jardim perfeitamente aparado anunciavam o status da família para quem ela esperava trabalhar."É agora ou nunca", murmurou para si mesma, endireitando a postura antes de tocar a campainha.A porta foi aberta por uma mulher de uniforme, de meia-idade, que parecia estar na casa há mais tempo do que qualquer móvel.— Você é a Laura?— Sim, sou eu — respondeu, com um sorriso tímido.— Entre. O
— Theo, cuidado! — Laura correu instintivamente para aparar o pequeno garoto de três anos, que quase derrubou um vaso enquanto brincava.Shofia, sentada no tapete da sala com uma boneca em mãos, riu alto.— Ele é desajeitado assim o tempo todo.Laura sorriu, pegando Theo no colo. Ele retribuiu com um olhar tímido, mas ela percebeu que ele já começava a relaxar na sua presença. Era seu segundo dia na mansão, e ela já estava se acostumando às personalidades contrastantes das crianças.Lucas entrou na sala naquele momento, interrompendo a calmaria. Ele parecia cansado, o terno ligeiramente desarrumado, mas seus olhos imediatamente se suavizaram ao ver os filhos.— Como eles se comportaram hoje? — perguntou, enquanto tirava o relógio de pulso.— Muito bem. Shofia é uma ajudante nata e Theo... bem, ele é um explorador — respondeu Laura com um sorriso.Lucas riu, um som raro e baixo.— Isso soa como ele.Antes que Laura pudesse responder, passos ecoaram pelo corredor. Vanessa apareceu na po
— Laura, você não tem limites! — a voz de Lucas cortou o ar da mansão com uma força que fez os ossos de Laura tremerem. Ela ficou paralisada, os olhos arregalados de surpresa e medo.A porta do escritório estava entreaberta, e ela estava ali, na entrada, com a carta de Lucas ainda nas mãos. O choque em seu rosto não passou despercebido por ele.— O que você pensava que estava fazendo, Laura? Invadir o meu escritório e mexer nas minhas coisas? — ele estava furioso, a raiva estampada em cada palavra, cada gesto.Laura não sabia o que responder. A tensão entre eles tinha aumentado de uma maneira que ela não conseguia controlar. Ela nunca imaginou que isso fosse acontecer tão rápido, mas o erro estava feito. A carta que ela havia encontrado parecia ser uma lembrança da falecida esposa de Lucas, e a curiosidade a havia empurrado para ali. Ela sabia que não era o certo, mas, naquele momento, tudo o que ela queria era entender mais sobre aquela família, sobre Lucas, e sobre o que realmente a
O estalo da porta foi como um eco cortante que reverberou pelos corredores da mansão. Laura congelou. O barulho não parecia ter vindo da parte de cima da casa, onde ela estava com as crianças, mas do andar de baixo. Uma sensação de alerta percorreu sua espinha.Ela olhou para o corredor vazio e, sem hesitar, saiu do quarto das crianças. Seus passos eram silenciosos, mas a tensão estava clara em cada movimento. O que estava acontecendo ali? Desde que chegara, algo parecia estranho na casa. A noite, que sempre trazia uma calmaria ilusória, agora parecia sombria e ameaçadora. E aquele som... Ele não era normal.Enquanto descia as escadas, um flash de memória a atingiu — a discussão entre Lucas e Vanessa mais cedo. Os gritos. As palavras cortantes. Algo não estava certo entre eles, e ela estava começando a perceber que havia muito mais por trás daquela fachada perfeita de uma família feliz.Chegando ao final da escada, ela se escondeu nas sombras do corredor, perto do escritório. De onde
— Volte para o quarto e fique com as crianças, Laura. Eu cuido disso. — A voz de Lucas era cortante, deixando claro que aquilo não era um pedido, mas uma ordem.Laura hesitou, mas assentiu lentamente. Não era o momento de discutir. Ele desapareceu rapidamente pelas escadas, a tensão estampada em cada movimento. Ela tentou se convencer de que deveria obedecer e voltar para as crianças, mas a curiosidade era mais forte. Algo estava acontecendo naquela casa, algo maior do que ela podia entender, e ela precisava saber o que era.Movendo-se silenciosamente, Laura desceu atrás de Lucas, mantendo distância suficiente para não ser notada. Quando chegou perto do escritório, viu a porta entreaberta e o som abafado de vozes exaltadas.— O que está fazendo com isso? — Lucas perguntava, a voz grave e carregada de frustração.— Isso? — Vanessa respondeu, com um tom de ironia cortante. — Estou tentando entender como você deixou isso aqui, tão à vista. — A palavra "isso" foi acompanhada de um som de