Cecília Darse
Mesmo com a Tia Grace ligando para o papai, não foi fácil convencê-lo a me deixar ficar, e era compreensível a sua recusa, tanto ele quanto a mamãe estavam preocupados comigo depois do que aconteceu.
Mas, com muita paciência e, claro, com Tia Grace garantindo que ia cuidar de mim, eles acabaram cedendo.
Às vezes, meus pais agem como se eu ainda fosse uma criança, como se não tivesse vinte e um anos.
Esse também é um dos motivos de eu querer ficar um tempo na Inglaterra, quero mostrar para eles que cresci, que posso me cuidar sozinha.
Passei a vida inteira em uma redoma de vidro criada por eles, e apesar de entender que toda essa superproteção é por amor, às vezes eu me sentia sufocada.
Não que eu não os ame, amo muito, muito mesmo, sou grata a tudo que fizeram por mim, nunca fomos ricos e cada centavo era contado, papai e mamãe trabalharam todos os dias para me dar o melhor e se endividaram para pagar a minha faculdade.
Graças a eles, me formei em pedagogia com especialização em educação infantil, sempre foi meu sonho dar aula para crianças.
Amo lidar com os pequenos, e daí veio a minha vocação.
Mas agora, já há uma semana em Londres, com minhas economias acabando, começo a pensar que vou ter que adiar meu sonho de lecionar, nenhuma escola quer contratar uma professora americana recém-formada. Terei que pegar o emprego que aparecer, não quero ficar sendo sustentada por minha tia, na verdade, o meu plano sempre foi morar sozinha e me sustentar sem ajuda de ninguém.
Grace _ O que você tanto faz com esse jornal, Cecí?
Cecília_ Estou olhando os anúncios de emprego, tia, mas não encontrei nada que se encaixe no meu perfil.
Grace_ Pode ir até uma agência de emprego e se cadastrar, talvez lá eles tenham algo para você.
Cecília _ Que ótima ideia! Vou fazer isso mesmo.
Grace_ Estou indo ao mercado fazer compras. Harry vem para casa hoje à noite e quero fazer um jantar especial para ele. Se quiser, pode vir comigo e a gente passa na agência que tem aqui perto.
Cecília_ A, então vamos, vou só pegar a minha bolsa e vestir uma roupa mais. . . Formal.
Digo olhando para o meu vestido florido de alças finas, totalmente diferente do estilo mais sóbrio dos ingleses.
Grace_ Vai lá, eu te espero.
Subi as escadas correndo e fui até o quarto onde estou dormindo, me arrumei em tempo recorde, torcendo para que minha calça Jeans e blusa branca com flores amarelas fossem formal o suficiente para eles, prendi meus cachos rebeldes e um rabo de cavalo e voltei para o andar de baixo.
Logo estava na rua com tia Grace, currículo nas mãos e o coração cheio de esperança.
Duas horas depois estamos de volta, e toda a animação com que sai de casa se evaporou.
Tudo que tinham na agência para me oferecer era uma vaga de garçonete, e mesmo assim quando fui até o café para a entrevista, descobri que eles já haviam contratado alguém mais cedo.
No final, só me restou esperar a agência entrar em contato comigo, caso surgisse alguma vaga com meu perfil.
Mesmo desanimada me forcei a sorrir e fui ajudar Tia Grace a preparar o jantar.
Cecília _ Pensei que o Harry só vinha para casa aos finais de semana.
Grace_ Sim, mas parece que o chefe dele viajou e deu a ele o resto da semana de folga.
Cecília _ A que bom! Estou doida para ver o meu primo.
Grace _ Ele também está ansioso para tiver, ficou muito feliz quando disse que você estava ficando aqui comigo.
Cecília _ É né, só não sei até quando, se não encontrar um trabalho logo terei que voltar para casa.
Digo sem disfarçar a tristeza em minha voz.
Grace_ Bobagem, já disse que pode ficar o tempo que quiser.
Cecília _ Eu sei tia, mas não quero ser um peso para a senhora, se vou ficar aqui tenho que contribuir.
Grace_ Não precisa querida, você sabe que tenho a minha pensão e. . .
Cecília _ Nem termine essa frase tia, jamais gastaria do seu dinheiro, não sai da casa dos meus pais para vir dar despesa para a senhora.
Grace _ Eu sei querida, só estou querendo dizer que não precisa se desesperar porque nada vai te faltar, além disso, tenho certeza que logo vai conseguir um trabalho.
Cecília_ Tomara viu.
Continuamos conversando enquanto preparamos o jantar, tia Grace me conta sobre os lugares que ela mais gosta aqui em Londres e que quer me levar para conhecer e eu fico animada, porque empolgada é meu segundo nome.
Papai sempre diz que eu irradio alegria e sorrisos por onde passo e talvez ele esteja certo, posso estar passando pelo problema que for, mas nunca deixo a tristeza me vencer.
Por volta das sete horas da noite, Harry entra em casa e quando eu o vejo corro até ele e me jogo em seus braços cheia de saudade, ele sorri e me segura, rodopiando comigo pela sala.
Harry_ Ei Ceci, que bom te ver! Estava com saudade.
Diz ao me colocar no chão.
Cecília_ Também estava com saudade do meu primo favorito!
Harry_ Engraçadinha, sou o seu único primo.
Ele aperta meu nariz e me abraça mais uma vez, já falei que meu primo e minha tia são uma exceção em meio aos ingleses frios e contidos? Eles são carinhosos e gentis o tempo todo, além é claro de não terem problema em demonstrar afeto, só tem mesmo aquela coisa de esconder os sentimentos, principalmente os tristes.
O que eu acho ótimo, porque não sei como faria com meus abraços, sim eu adoro abraçar as pessoas que amo.
Tia Grace assiste a nossa interação com um sorriso no rosto, mas logo Harry vai até ela e a abraça também.
Grace_ Vai guardar as suas coisas que vamos jantar, a comida já está na mesa e Cecí e eu preparamos o seu prato favorito.
Harry_ O que? A Cecí cozinhou?
Seu tom sai carregado de medo e incredulidade e eu faço uma cara de ofendida.
Cecília_ Ei, eu até que me sai bem picando os legumes.
Hary_ Espero que essa tenha sido a sua unica colaboração no jantar, ainda estou traumatizado com aquela comida que você preparou para mim quando estava de férias na casa do tio George.
Cecília_ Para o seu governo, eu melhorei bastante na cozinha, e só para você saber hoje eu piquei os legumes e coloquei a mesa, pode comer tranquilo.
Claro que a Tia Grace não me deixaria chegar perto de mais nada, ela sabe que sou uma péssima cozinheira, embora goste muito de me aventurar no mundo culinário. . .