Mundo ficciónIniciar sesiónO despertador tocou às seis em ponto, mas Elena já estava acordada antes disso. A noite tinha sido leve — estranhamente leve — apesar do peso emocional do dia anterior. Ela se levantou, tomou um banho rápido e vestiu a roupa simples de trabalho: calça confortável, blusa branca, tênis limpos.
Ao sair do quarto, sentiu o cheiro de café fresco vindo do andar inferior. Ainda estava escuro lá fora, e a mansão parecia suspensa num silêncio elegante, quebrado apenas pelo tique-taque distante de algum relógio caro. Elena desceu as escadas de madeira polida, cuidando para não fazer barulho. No térreo, encontrou a governanta, uma senhora de meia-idade chamada Marta, com expressão gentil e mãos habilidosas. — Bom dia, querida — disse Marta, oferecendo um sorriso verdadeiro. — Primeira manhã? Sempre a mais difícil. — Bom dia — Elena retribuiu, agradecida. — Espero que eu esteja fazendo tudo certo. — Só o fato de o pequeno Liam ter dormido bem depois do que aconteceu ontem… já é mais do que qualquer uma conseguiu — Marta afirmou, dando-lhe um olhar de admiração. — Dominic notou, pode acreditar. Elena corou levemente. — Eu só fiz meu trabalho. — Fez mais do que isso, querida. — Marta entregou a ela uma xícara de café. — Tome um gole antes de subir. Você vai precisar de energia. — Subir? — O pequeno sempre acorda antes das sete. Dominic gosta de estar presente quando a babá interage com ele pela manhã. O coração de Elena deu um salto. — Ele vai estar lá? — Sim, minha filha. E prepare-se: ele observa tudo. Absolutamente tudo. Quando Elena entrou silenciosamente no quarto de Liam, encontrou o menino já acordado, sentado no berço, abraçando o mesmo avião da noite anterior. Os olhos dele brilharam ao reconhecê-la. — Oi, campeão — ela disse, sorrindo enquanto se aproximava. — Dormiu bem? Ele não falou, mas estendeu os braços — um pedido claro para ser pego. Ela o levantou com cuidado, e Liam encostou a cabeça em seu ombro, como se confiar nela fosse a coisa mais natural do mundo. Foi nesse momento que ela ouviu o som da porta do quarto se abrindo. Dominic estava ali. Ele usava uma camisa social azul-marinho, impecavelmente alinhada, e relógio de luxo no pulso. O cabelo, molhado nas pontas, denunciava o banho recente. Mas não era a aparência dele que deixava Elena nervosa — era o olhar. Aquele olhar afiado, atento, que parecia analisar cada respiração dela. — Vejo que ele já acordou — Dominic disse, caminhando lentamente até eles. Liam levantou a cabeça e esticou uma das mãos pequenas para o pai. Dominic tocou de leve os dedos do menino, um gesto curto, mas cheio de carinho contido. — Está se sentindo melhor, filho? — ele perguntou, a voz mais suave do que Elena ouvira até então. Liam respondeu apenas com um som baixo, aproximando-se mais de Elena. Dominic notou. E algo mudou no ar. — Ele está muito confortável com você — o bilionário comentou, cruzando os braços. — Isso é… inesperado. Elena respirou fundo. — Eu realmente gosto de crianças, senhor Valenti. E acho que Liam só precisa de alguém que o escute… mesmo quando ele não fala. Dominic a observou com atenção, como se tentasse decifrá-la. — Prepare-o. O café será servido em quinze minutos. E saiu. Poucos instantes depois, Elena entrou na sala de jantar com Liam no colo. A mesa era grande, exageradamente grande para três pessoas. Dominic estava sentado à ponta, mexendo no tablet. Não olhava para ela, mas Elena sentia sua atenção mesmo assim. — Bom dia — ela disse, colocando Liam na cadeirinha ao lado dele. Dominic levantou os olhos devagar, como se avaliasse não apenas as palavras, mas o tom, a postura, cada detalhe invisível. — Bom dia, senhorita Duarte. O coração dela bateu rápido demais. — Só Elena está ótimo. — Elena — ele repetiu, e ouvir seu nome naquela voz profunda fez algo estranho vibrar no peito dela. Marta entrou com uma bandeja. — Torradas, frutas, ovos mexidos para o senhor e papinha de banana e aveia para o pequeno. — Obrigado, Marta — Dominic respondeu. A governanta sorriu para Elena antes de sair, como se desejasse boa sorte silenciosamente. Elena puxou a cadeira ao lado de Liam, mas não se sentou. Ela sabia que não devia fazer isso sem permissão. Em sua antiga casa de trabalho, jamais sentaria à mesa com os patrões. Mas Dominic percebeu sua hesitação. — Sente-se — ele ordenou, como se aquilo fosse óbvio. — S-sim, claro. Ela se sentou devagar. Dominic observou tudo — desde a maneira como ela segurava o garfo até como inclinava o corpo para ajudar o menino. — Ele gosta de banana? — Elena perguntou, para quebrar a tensão. — Não de comida. Não desde… — Dominic fez uma pausa breve. — Desde a perda da mãe. Havia uma dor implícita ali. Uma sombra que atravessava a voz dele. — Mas você pode tentar — ele completou. Elena pegou a colher e aproximou da boca de Liam. — Quer experimentar, campeão? Para a surpresa — e choque — de Dominic, ele abriu a boca e comeu. Dominic deixou o garfo cair no prato. — Isso não pode ser real — ele murmurou. Liam comeu outra colher. Depois outra. E outra. Elena sorriu, feliz pelo menino. — Ele só precisava de alguém com paciência. Dominic a encarou de um jeito que fez seu corpo inteiro arrepiar. Como se ele estivesse vendo algo que não sabia que precisava. Algo que o tirava do eixo. — Você… — ele começou, mas parou. Passou a mão pelo queixo, pensativo. — Não entendo. — Não precisa — ela disse gentilmente. — Só aceite. Ele inclinou o corpo levemente para frente. — Aceitar não é algo que eu faço com facilidade, Elena. Por algum motivo, ouvir a voz dele tão baixa fez o estômago dela apertar. Liam, ainda com a boca suja de papinha, esticou a mão para ela, sorrindo com os olhos. Dominic olhou aquela cena e sua expressão mudou. De controle absoluto… para algo que Elena não conseguia nomear. — Ele está… sorrindo — Dominic disse, quase sem ar. — Ele só precisava de alguém que estivesse do lado dele — Elena respondeu, limpando a boquinha do menino. — E você é o pai dele. Ele sente quando você está por perto. Dominic a olhou profundamente. — E você? — ele perguntou. — O que sente… estando aqui? A pergunta pegou Elena desprevenida. — Eu… não sei ainda — ela admitiu. — Mas quero fazer tudo da melhor forma possível. Por Liam. Ele ficou calado por alguns segundos longos demais. — Continue assim — Dominic disse finalmente. — Mas lembre-se das regras. — Eu lembro. Ele se inclinou para frente, apoiando os braços sobre a mesa. — Não ultrapasse nenhum limite — afirmou, a voz grave. — Nem o meu. Nem o seu. O ar pareceu prender no peito dela. E naquele instante, Elena percebeu: não era apenas Liam que estava se aproximando dela. Dominic também estava. Mesmo que negasse. Mesmo que tentasse bloquear. A tensão entre eles crescia… silenciosa… perigosa. E inevitável.






