Mundo de ficçãoIniciar sessãoRaia não sabia mais há quanto tempo estava caminhando.
O sol se movia lentamente pelo céu ou era ela que se movia lentamente? Difícil dizer. Tudo estava borrado, distorcido pela dor e exaustão. A dor no peito havia se tornado constante agora. Não apenas uma pontada, mas algo que queimava, que puxava, como se um anzol estivesse cravado em seu coração e alguém estivesse puxando a linha, tentando arrastá-la de volta. De volta para onde? Para ele. Raia balançou a cabeça, tentando clarear os pensamentos. Não. Ela não voltaria. Não importava o quanto doesse. Não importava que cada passo para longe parecesse errado de uma forma fundamental. Ele mentiu. Ele é um monstro. Ele... Salvou você. Protegeu você. Nunca te machucou. Cale a boca ela murmurou para si mesma, voz rouca. - Apenas... cale a boca. Seu pé escorregou em uma pedra solta. Raia cambaleou, tentando se recuperar, mas suas pernas simplesmente não responderam rápido o suficiente. Caiu pesadamente, joelhos batendo contra rocha afiada. A dor explodiu, mas era distante, abafada pela névoa que envolvia sua mente. Levante. Você precisa se levantar. Mas seu corpo não obedecia. Raia ficou ali de joelhos, respirando com dificuldade, cada inalação doendo como se tivesse corrido quilômetros. Quando foi a última vez que comeu? Bebeu água? Não lembrava. O cantil. Onde estava o cantil? Raia olhou ao redor, desorientada. A bolsa com seus suprimentos estava... onde? Tinha deixado cair em algum lugar? -Não, Não, não, não. Tentou se levantar. Caiu novamente. Tente outra vez. Conseguiu ficar de pé desta vez, cambaleando, usando a parede rochosa como apoio. O mundo girava. Ou ela girava? Impossível dizer. Precisava continuar. Apenas mais um pouco. A floresta estava perto. Ela podia ver as árvores lá embaixo. Apenas... A dor no peito intensificou subitamente, tão aguda que arrancou um grito de seus lábios. Raia dobrou-se, agarrando o peito, certa de que algo dentro dela estava se rasgando. E então, tão rápido quanto veio, a dor recuou para aquele pulso constante e agonizante. Lágrimas escorriam por seu rosto. Quando começara a chorar? - Eu odeio você ela sussurrou para o vento, para as montanhas, para Kael onde quer que estivesse. - Eu odeio você por fazer isso comigo. Mas era mentira. Ela não o odiava. E isso era pior que qualquer coisa. Kael estava perdendo a sanidade. Ele procurara por horas. Horas. Percorrendo cada centímetro da trilha, gritando seu nome até a voz ficar rouca, até sangue tingir sua garganta. Nada. Como ela simplesmente desaparecera? A menos que... O pensamento gelou seu sangue. E se ela tivesse saído da trilha? Se tivesse tomado um caminho errado no escuro e caído? Havia dezenas de ravinas nestas montanhas. Penhascos escondidos. Lugares onde alguém poderia cair e... Não. Ele não podia pensar assim. Ela estava viva. Tinha que estar viva. Porque se não estivesse, ele sentiria. O vínculo deixaria ele saber. Exceto que o vínculo estava gritando agora. Dor tão intensa que Kael mal conseguia respirar, mal conseguia pensar direito. E estava piorando a cada hora. Ele cambaleou, apoiando-se em uma rocha, uma mão pressionada contra o peito onde parecia que algo estava sendo arrancado de dentro dele. - Raia, Por favor. Por favor, onde você está? Transformar. Ele poderia transformar, procurar do céu. Cobriria mais terreno, poderia ver melhor. Mas a transformação agora... com o vínculo em tamanho caos, com a dor consumindo cada célula... Poderia matá-lo. Ou pior poderia fazê-lo perder o controle completamente. E se ele a encontrasse assim, com o dragão no controle total, faminto e ferido e desesperado... Ele poderia machucá-la. Não. Ele precisava permanecer humano. Precisava manter o controle. Mesmo que isso o destruísse. Kael se forçou a continuar, cada passo pesado como se carregasse montanhas nos ombros. Desceu mais, procurando lugares onde ela poderia ter parado para descansar, lugares onde poderia ter se escondido. E então ele ouviu. Fraco. Tão fraco que quase perdeu. Um gemido. Kael congelou, cada músculo tenso, focando todos os seus sentidos aguçados. Ali. Vindo de baixo. Fora da trilha principal, onde rochas salientes criavam sombras profundas. Ele correu. Desceu perigosamente rápido, pedras soltando-se sob seus pés, mas não se importando. Seguiu o som ou seria o vínculo? que o puxava como fio invisível. E então a viu. Raia. Desmoronada no chão, encostada contra a parede rochosa, tão pálida que parecia um fantasma. Seu cabelo loiro estava colado à testa por suor. Lábios rachados. Olhos fechados. - RAIA! Kael deslizou ao lado dela, mãos tocando seu rosto, seu pescoço, procurando por pulso. Lá. Fraco, irregular, mas lá. Ela estava viva. Os olhos de Raia se abriram lentamente, desfocados, lutando para focar nele. -Não, Não... não real. Só... sonho. - Eu sou real Kael disse, verificando-a rapidamente. Tornozelo inchado e roxo. Joelhos ralados e sangrando. Lábios rachados de desidratação. - Raia, o que você fez? Por que você... -Correr Precisava... fugir... de você. Preciso correr do dragão A culpa rasgou através dele, mais dolorosa que o vínculo. - Eu sei. Eu sei que você tem medo. Mas você não pode... você quase morreu. Você entende isso? -Melhor... morrer... que... -NÃO! ele a sacudiu gentilmente, mantendo-a consciente. - Não diga isso. Nunca diga isso. Raia o olhou então, realmente o olhou, e lágrimas começaram a escorrer por seu rosto. - Doi, Por que doi tanto? O coração de Kael se partiu. Ela estava sentindo. O vínculo. A rejeição. A distância. - Eu sei ele disse suavemente, pegando-a nos braços. Ela era tão leve. Muito leve. Quanto peso ela perdera em uma noite? - Eu vou explicar tudo. Prometo. Mas primeiro preciso te levar de volta. Preciso cuidar de você. - Não, Não... voltar... não posso... O dragão vai me comer - Você vai morrer se ficar aqui E eu... eu não posso deixar isso acontecer. Mesmo que você me odeie. Mesmo que nunca me perdoe. Eu não posso te deixar morrer. - Mentiu... você mentiu... - Eu sei, Eu sei e sinto muito. Sinto tanto. Mas por favor... por favor, apenas deixe-me te salvar. Apenas mais uma vez. Raia o encarou por um longo momento, e Kael podia ver a guerra acontecendo em seus olhos. Medo contra necessidade. Raiva contra dor. E então seus olhos rolaram para trás e ela desmaiou completamente em seus braços. - Não, Não, Raia, acorde. Acorde! Mas ela não acordou. O pânico tomou conta. Ele verificou o pulso novamente ainda lá, mas mais fraco. Respiração superficial. Ela estava morrendo. O vínculo a estava matando. A desidratação a estava matando. A exaustão, os ferimentos, tudo junto estava destruindo seu corpo. E ele era o culpado. Se tivesse contado a verdade antes. Se não tivesse sido um covarde... Não havia tempo para remorso agora. Kael a apertou contra o peito e correu. Mais rápido do que jamais correra em forma humana, deixando a transformação sangrar através dele apenas o suficiente para aumentar sua velocidade e resistência. Não se importou com a dor. Não se importou que cada passo parecesse arrancar pedaços de sua alma. Tudo que importava era Raia. Salvá-la. Curá-la. Mantê-la viva. Mesmo que depois ela o odiasse para sempre. Raia despertou em sua cama. A familiaridade disso foi o que a confundiu primeiro. O colchão macio. As cobertas pesadas. O cheiro fumaça de lenha e algo mais, algo quente e reconfortante. Sua mente lutava para entender. Como estava aqui? A última coisa que lembrava era... Kael. Ele a encontrara. Os olhos de Raia se abriram completamente, o coração acelerando. O quarto estava banhado em luz suave de velas. E sentado em uma cadeira ao lado da cama, cabeça baixa, estava ele. Kael. Ele parecia destruído. Cabelos desgrenhados. Olheiras profundas sob os olhos. Roupas amarrotadas e manchadas de sangue o dela, percebeu ela, vendo as bandagens em seus joelhos e tornozelo. Ele cuidara dela. Como se sentisse seu olhar, Kael levantou a cabeça. Seus olhos aqueles olhos dourados impossíveis encontraram os dela. Por um momento, nenhum deles falou. E então Kael se moveu, caindo de joelhos ao lado da cama, como suplicante diante de altar. -Você está acordada, Graças aos céus, você está... - Não se aproxim






