Verdades queiman

- Não se aproxime

Raia terminou, sua voz saindo mais fraca do que pretendia mas firme.

Kael congelou, ainda de joelhos, mãos estendidas como se quisesse tocá-la mas não ousasse. A dor que cruzou seu rosto foi visceral.

- Raia, por favor, apenas escute

- Escutar?

ela se afastou dele na cama, ignorando a dor que o movimento causou.

- Escutar mais mentiras? Mais meias-verdades?

- Não

ele balançou a cabeça, desesperado.

-Não mais mentiras. Eu juro. Vou te contar tudo. Tudo que você quiser saber.

-Você é o dragão

as palavras saíram como acusação, como condenação.

Kael fechou os olhos, como se ouvir isso em voz alta doesse fisicamente.

- Sim.

-Há quanto tempo?

- Sempre

ele abriu os olhos, aquele ouro impossível brilhando na luz das velas.

- Eu nasci assim. Meio humano, meio dragão. Amaldiçoado a viver entre dois mundos sem pertencer completamente a nenhum.

Raia sentiu bile subir em sua garganta.

- E as noivas? Todas aquelas garotas que foram enviadas para morrer?

- Elas não morreram

Kael disse rapidamente.

- Eu nunca... eu nunca machucaria elas.

- Mentira

Raia cuspiu a palavra.

-Você é um mentiroso. Como posso acreditar em qualquer coisa que você diz agora?

A acusação o atingiu como golpe físico. Ele recuou, ainda de joelhos, mãos caindo impotentes ao lado do corpo.

-Eu entendo

ele disse, voz baixa e quebrada.

- Você não tem razão para confiar em mim. Nenhuma. Mas é a verdade. As outras garotas... eu as mandei embora. Dei-lhes dinheiro, suprimentos. Elas estão vivas. Todas elas.

-Por quê?

Raia exigiu, coração batendo descompassado. -Por que poupá-las? Por que me poupar? O que você quer de mim?

Kael hesitou, e Raia podia ver a guerra acontecendo atrás de seus olhos.

-A verdade, Kael

ela pressionou.

-Você disse sem mais mentiras. Então me diga. Por que eu estou aqui?

Ele respirou fundo, como homem prestes a pular de penhasco.

-Porque você é minha companheira.

O silêncio que seguiu era absoluto.

- O quê?

Raia finalmente conseguiu dizer.

-Dragões... nós acasalamos uma vez. Para a vida toda. Há um vínculo. Uma conexão mágica que nos liga à pessoa destinada. E quando te vi naquela caverna... eu soube. Você era minha. Minha companheira.

O horror foi se instalando lentamente, como gelo se espalhando por suas veias.

- Não

Raia balançou a cabeça.

- Não, isso é... isso é loucura.Eu devo ter batido minha cabeça em alguma pedra quando torci o pé.

- É a verdade

Kael insistiu.

- Por que você acha que não conseguia se afastar? Por que aquela dor no seu peito quando fugiu? O vínculo já estava se formando. Conectando nós dois.

- Você está dizendo

a voz de Raia estava subindo, beira de histeria

- que eu estou presa? Magicamente presa a você?

-Não presa Conectada. Há uma diferença

- NÃO HÁ DIFERENÇA!

Raia gritou, lágrimas queimando seus olhos.

- Você... você me manteve aqui. Me enganou. Me fez pensar que estava segura, que você era... e o tempo todo você estava me amarrando a você com magia!

- Não foi assim!

Kael se levantou bruscamente, frustração e desespero misturando-se em sua voz.

- Eu não escolhi isso. Você acha que eu queria? Você acha que eu pedi para passar séculos sozinho, esperando por alguém que talvez nunca viesse? E quando finalmente encontrei você, você acha que eu queria te assustar? Te fazer me odiar?

- Mas você fez!

Raia retrucou, recuando ainda mais quando ele deu um passo em direção à cama.

- Você me enganou. Me manipulou. E agora está dizendo que eu não tenho escolha? Que ou fico com você ou... o quê? Morro?

Kael parou, a expressão se desfazendo.

-O vínculo... se for rejeitado completamente, se houver muita distância por muito tempo... sim. Eventualmente, mataria ambos.

O chão desapareceu sob os pés de Raia.

- Você está me dizendo que sou sua prisioneira. Que não importa o que eu queira, estou presa a um monstro.

A palavra monstro fez Kael recuar como se tivesse sido esfaqueado.

- Eu não sou... Não. Você está certa. Eu sou um monstro. Mas Raia, por favor, você tem que entender

- Entender o quê?

ela estava chorando agora, lágrimas escorrendo livremente.

-Que você mentiu desde o começo? Que me fez confiar em você? Me fez começar a... E tudo foi para me prender. Para garantir que eu não pudesse escapar.

- Não foi para te prender Foi porque eu me importo. Porque quando te vi, pela primeira vez em séculos, eu senti algo além de solidão. E sim, fui egoísta. Sim, deveria ter te contado. Mas eu tinha tanto medo de que você fugisse, de que me olhasse exatamente da forma como está olhando agora

-Com medo? Você está surpreso que eu esteja com medo? Você é um dragão! Um mentiroso! E aparentemente tem algum tipo de corrente mágica em mim!

-Eu libertaria você Se é isso que você quer. Há formas de quebrar o vínculo. Magia, rituais. É doloroso, mas possível. Se você realmente não consegue suportar ficar perto de mim, eu encontrarei uma forma. Mesmo que me mate no processo.

Raia parou, processando aquelas palavras.

- Você... você pode quebrar isso?

- Sim, Não é fácil, e há consequências, mas sim. Sua liberdade... sempre foi sua. Eu nunca te forçaria a ficar se você realmente quisesse ir.

-Mas você não me disse Você deixou eu pensar que não havia saída. Deixou o vínculo se formar, sabendo que ficaria mais difícil de quebrar com o tempo.

-Eu sei E não há desculpa para isso. Fui egoísta. Covarde. E você tem todo direito de me odiar.

- Eu te odeio Você me fez sentir segura pela primeira vez na minha vida e era tudo mentira.

- Não era mentira Meus sentimentos por você... isso nunca foi mentira. O vínculo apenas... reconhece. Mas o que eu sinto... isso é real. Isso sempre foi real.

- Não me importa, Eu não quero seus sentimentos. Não quero este vínculo. Só quero... só quero ir embora.

O silêncio que seguiu era pesado, sufocante.

- Então você irá Assim que estiver curada, encontrarei alguém que possa quebrar o vínculo. E então você será livre.

-Livre para morrer sozinha em algum lugar? Porque é isso que vai acontecer, não é? Se o vínculo me mantinha viva, quebrá-lo me matará eventualmente.

- Não imediatamente O ritual transfere a dor toda para mim. Você ficará fraca por alguns dias, mas sobreviverá. Eu sou o que...

-Você é o que vai morrer

- Sim Mas preferível a te manter prisioneira.

- Não diga isso como se fosse nobre Como se fosse algum sacrifício romântico. Você criou esta situação. Você mentiu, manipulou, e agora quer que eu me sinta mal por querer sair?

-Não, Não quero que se sinta mal. Só quero que você saiba que... que significou algo. Você significou algo E sinto muito. Por tudo.

Ele se virou para sair, e Raia deveria ter se sentido aliviada. Deveria ter deixado ele ir.

Mas algo o vínculo? Seus próprios sentimentos confusos? a fez falar.

-Espere.

Kael parou na porta, não se virando.

-Eu preciso pensar Sobre tudo. Sobre o que fazer. Apenas... me dê tempo.

-Quanto tempo precisar

Estarei aqui. Até você decidir. E qualquer que seja sua decisão... eu respeitarei.

E então ele saiu, fechando a porta gentilmente atrás de si, deixando Raia sozinha com seus pensamentos e uma verdade que a apavorava.

Ela estava com medo dele. Com medo do que ele era. Do que ele fizera.

Mas por baixo do medo, por baixo da raiva...

Havia algo mais. Algo que doía pensar em quebrá-lo. Em nunca mais vê-lo.

E isso a assustava mais do que qualquer dragão jamais poderia.

Porque significava que talvez apenas talvez parte dela não quisesse ir.

Parte dela queria ficar.

E essa parte estava crescendo, não importa o quanto tentasse sufocá-la.

Do lado de fora do quarto, Kael deslizou pela parede até o chão.

Ela tinha medo dele.

Ele vira nos olhos dela. Terror genuíno. Não da besta, não do dragão, mas dele. Da traição. Das mentiras.

E ele não podia culpá-la.

A dor em seu peito era insuportável agora não apenas o vínculo, mas algo mais profundo. Remorso. Culpa. A agonia de saber que machucara a única pessoa que importava.

Ele encontraria uma forma de quebrar o vínculo. Mesmo que o matasse. Mesmo que significasse uma eternidade de solidão e dor.

Porque Raia merecia escolha.

Merecia liberdade.

Mesmo que isso significasse liberdade longe dele.

Mesmo que o destruísse completamente.

Era o mínimo que podia fazer.

Depois de tudo que tirara dela.

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