NARRADORA

A cozinha se transformou em um atelier de crise. Lara, deitada no sofá com os fones de ouvido, era a única testemunha silenciosa da frenética missão de resgate de guarda-roupa.

Diana despejou o conteúdo do seu armário no chão, e Sofia fez o mesmo com sua pequena coleção de roupas de trabalho. O desafio era criar a imagem de uma Assistente Pessoal de alta patente com peças que custavam menos do que o café que Alexandre Monteiro provavelmente bebia no café da manhã.

— Este blazer é bom, tem estrutura — Diana disse, segurando um casaco preto que ela mal usava. — Mas a barra precisa subir, e os botões de plástico precisam ser trocados por esses de metal. Dá um ar de alfaiataria cara.

Sofia, armada com agulha e linha, assentiu. Ela havia aprendido a costurar por necessidade, e agora aquela habilidade salvava sua dignidade profissional. A cada ponto, ela pensava no salário, e cada ponto se tornava mais firme.

Enquanto a máquina de costura de Diana zumbia baixinho, elas trabalhavam no cabelo de Sofia.

— Você precisa de uma autoridade discreta — Diana decretou, dividindo o cabelo escuro em mechas. — Nada de mulherzinha que agrada. Você é a guardiã do império dele. Você é a muralha.

O penteado foi meticulosamente alisado e preso em um coque baixo, rígido e impecável. Diana aplicou uma maquiagem mínima, focando em neutralidade e em esconder os círculos escuros sob os olhos, remanescentes dos anos de privação de sono.

Às 5h30 da manhã, o apartamento estava silencioso. Sofia vestiu o blazer modificado de Diana. O caimento era perfeito. Os ombros pareciam mais largos, a postura, mais reta. Ela calçou os sapatos de salto mais confortáveis que conseguiu encontrar.

Lara acordou com o cheiro de café forte. Ela se sentou no sofá, os olhos ainda sonolentos.

— Uau, mamãe. — Foi tudo o que ela disse, vendo a transformação.

Sofia, agora "Senhorita Fields", ajoelhou-se na frente da filha.

— Missão de espionagem, lembra? Vou entrar na base inimiga. — Ela beijou a testa de Lara. — Você vai para a escola com a Diana hoje. Eu vou ligar na hora do seu almoço.

— Ganhe essa, mamãe.

Sofia sorriu. A armadura estava completa, mas o motor era Lara.

Às 6h55, Sofia estava de pé na portaria da Titan Investimentos. Vestida de preto, ela se misturava aos executivos que chegavam, todos em suas roupas impecáveis. A ascensão no elevador particular foi tão assustadora quanto na véspera.

Quando as portas se abriram no último andar, não havia sol filtrado; era a luz fria e implacável da manhã. Sofia não procurou a recepcionista severa. Ela se dirigiu diretamente à sua nova mesa, que estava isolada no lado oposto do saguão de mármore.

O computador estava ligado, e uma pilha de papéis com notas manuscritas já a esperava. No topo, uma folha com uma única instrução, escrita com uma caligrafia elegante e dominante:

07:00 AM

O relógio digital no canto da tela marcava 7:02.

Sofia sentiu o pânico gelar seu sangue. Ela havia chegado pontualmente às 6h55 na portaria, mas o processo de segurança a havia atrasado. Ela tinha falhado em sua primeira tarefa.

Alexandre Monteiro surgiu da porta de sua sala, que ficava atrás dela, como se fosse convocado pelo seu erro. Ele estava com o mesmo terno impecável de sempre.

— Sete e três. — Ele nem olhou para o relógio. — Eu pedi que chegasse às 7h, Senhorita Fields.

Sofia levantou-se imediatamente, virando-se para ele. A adrenalina substituiu o pânico. Ela se lembrou da frieza que a salvara na rua.